Walter Costa Porto* As pesquisas eleitorais – que os franceses denominam “sondagens” e nossa lei como “pesquisas e testes pré-eleitorais” – se constituem um dos mais instigantes problemas entre os que envolvem os pleitos. Elas se iniciaram nos EUA, em 1824, com que se chamou, então, de “straw vote” (voto de palha), votação fictícia, realizada pelo jornal The Harrisburg Pennsylvanian e que revelou, então, uma cômoda vantagem para o candidato à presidência Andrew Jackson. A prática do “straw vote” se firmou naquele país, mas apresentada, inicialmente, como uma radiografia de situação, somente depois se firmando como uma predição sobre o resultado final. Mas a partir de 1883, outro jornal, Boston Globe, já costumava enviar observadores para a apuração, em algumas seções, cuidadosamente escolhidas, antecipando-lhes a decisão. Passou-se, depois, à fase de grandes inquéritos de opinião, chegando publicações como o New York Herald Tribune e o Literary Digest a interrogar um grande número de eleitores sobre suas preferências de voto, principalmente por cartas a partir de listas telefônicas. Doutor em Psicologia pela Universidade de Iowa, George Gallup contestou os resultados do Literary Digest, em 1936. Com uma amostragem de apenas 3.000 eleitores, ele antecipou o resultado esperado naquele pleito, em que votaram 10 milhões de pessoas e no qual se enfrentavam F. D. Roosevelt e Alfred M. Landon. Contrariamente ao que afirmou o Literary Digest, Gallup anteviu a vitória de Roosevelt por 55,7% dos votos. Roosevelt venceria o pleito por 62,5%. Mas os responsáveis por tais pesquisas encontraram, também, retumbantes fracassos, com quando do anúncio da vitória de Dewey por Truman, nos EUA, em 1948, ou da derrota dos conservadores, nas eleições britânicas de 1970. Quanto à influência das pesquisas sobre o comportamento dos eleitores, cabe recordar uma curiosa contribuição do cientista político Karl Popper. Ele falou de um “efeito de Édipo”, que seria o condicionamento da predição sobre o fato predito. As pessoas, segundo ele, estariam dispostas a seguir o anúncio da Pitonisa, a se esforçar, com a própria ajuda, para a efetivação da profecia. Como os “sonhos obsequiosos” de que nos falava Freud, sobre a tentativa dos pacientes em aprovar as diretivas do clínico. Popper ressalta, então, o fato de que as expectativas desempenham, aí, um papel importante na realização daquilo que passa a ser esperado e a influência, afinal, de uma peça de informação sobre o quadro que a mesma informação referencia1. Daí que possa ocorrer, segundo alguns analistas, o que os americanos designaram, com graça, o “bandwagon effect”, a tendência que apresentam os eleitores de apoiarem os candidatos que estejam em vantagem. Já se propôs como tradução para o português, o “efeito Maria vai com as outras.” A expressão parece ter sido utilizada nos EUA, pela primeira vez, na “Vida”, de P. T. Barnum. E uma canção de 1851, de W. Loftin Hargrave, intitulada “Espere pela carruagem”, tornou-a pública. Em 1902, as palavras já estavam consagradas no léxico político do país. Em uma história em quadrinhos sobre a carreira política de Theodore Roosevelt, mostrava-se uma carruagem levando os correligionários do líder, entoando canções a seu favor, e um senador correndo atrás do veículo, com um chicote nas mãos, o que indicava que ele desejava estar no lugar do condutor2.
E daí, também, que, na legislação de alguns países, se tenha procurado cercear a realização e a divulgação das pesquisas. O melhor exemplo é o da França. Instituiu-se ali uma “Comissão de Sondagens”, integrada por membros do Conselho de Estado, da Corte de Cassação e da Corte de Contas. E uma lei veio regular a publicação e a difusão “de qualquer sondagem de opinião que tenha uma vinculação direta ou indireta com um referendo, uma eleição presidencial ou uma das eleições regulamentadas pelo Código Eleitoral, bem como a eleição de representantes à Assembléia das Comunidades Européias.”3 A indicação de dados sobre a pesquisa, quando de sua divulgação, e o depósito, junto à Comissão, de detalhes de sua realização, são exigidos pela lei e proíbe-se sua divulgação durante a semana que preceda cada pleito. No Brasil, a primeira tentativa de controle das pesquisas veio com a vedação, pelo art. 255 de nosso Código Eleitoral (Lei n° 4.737, de 15 de julho de 1965 – clique aqui) de sua divulgação, “por qualquer forma”, nos quinze dias anteriores ao pleito. A proibição, no entanto, caiu em razão dos termos da nova Constituição, dando razão aos que protestavam entendendo ser essa uma intolerável restrição ao direito de informação. Um curioso projeto, a respeito, foi apresentado no nosso Congresso, propondo que somente se realize a pesquisa “com a anuência expressa da pessoa ou pessoas nominadas ou relacionadas” com o seu objeto. A primeira argüição à proposta seria, então, de que ela importaria, indiretamente, na proibição a que se realize qualquer pesquisa: os candidatos com menores índices de aprovação haveriam de se opor às consultas. É certo que são ponderáveis os motivos que levaram o parlamentar a formalizar o projeto: as consultas “dirigidas à população de forma indiscriminada”, “a liberdade exacerbada dos institutos de pesquisas”, a possível “manipulação de dados e imagens.” Mas é certo, também, que a legislação atual traz, já, um anteparo à conduta irregular de tais institutos, ao impor – como na França – o registro de informações sobre as pesquisas, junto à Justiça Eleitoral e, sobretudo, ao colocá-las à disposição dos partidos, dando, a estes, “o acesso ao sistema interno de controle, verificação e fiscalização da coleta de dados” inclusive “os referentes á identificação dos entrevistadores” e, por meio de escolha livre e aleatória de planilhas individuais, mapas ou equivalentes, a possibilidade de “confrontar e conferir os dados publicados, preservada a identidade dos respondentes.” Fica, assim, entregue à própria sociedade, a correção dos vícios que o autor do projeto tão justificadamente deplora. ___________________________ 1Popper, Karl, A miséria do historicismo, São Paulo: Cultrix/Edusp, 1980, p. 14. 2Safire, William, The new language of politics, New York:: Collier Boks, p. 41 3Lei n° 77/808. ______________ *Professor do Departamento de Direito da UNB. Presidente do Instituto dos Advogados do Distrito Federal e advogado do escritório Fonseca, Porto e Teixeira Advogados.