Atuação do advogado na tribuna não é só formalidade

Na tarde da última quinta-feira (14/3), a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça deu início ao julgamento sobre a rejeição ou recebimento da denúncia oferecida contra 17 acusados nos autos do procedimento autuado como APN 536/BA, que teve por origem a midiática ação policial apelidada de operação navalha.

Na referida sessão, questão de ordem de extrema relevância para o exercício profissional dos advogados e também para consolidação do efetivo respeito à garantia da ampla defesa foi debatida e decidida.

Isto porque, diante da pluralidade de denunciados, cogitou-se dividir o tempo de sustentação dos advogados pelo número de acusados. Prevalecendo o entendimento preconizado por essa matemática simplista, a defesa de cada um dos acusados terminaria por ter que ser exercida em menos de 60 segundos. Em síntese, o advogado subiria à tribuna para funcionar como mera peça figurativa, um personagem incômodo e desnecessário, em detrimento de suas prerrogativas profissionais e da ampla defesa.

Cientificada de tal possibilidade, a Comissão de Defesa das Prerrogativas, do Conselho Seccional do Distrito Federal, da Ordem dos Advogados do Brasil, formulou questão de ordem à Corte Especial, pugnando pelo respeito às prerrogativas dos advogados e, consequentemente, pelo efetivo respeito à garantia constitucional da ampla defesa.

Aos olhos de quem conhece um pouco a amplitude e a importância das garantias constitucionais, a questão pode parecer singela, na medida em que bastaria aplicar as normas infraconstitucionais uma interpretação conforme à Constituição.

Isto porque há normas que regulamentam a hipótese. Assim, o parágrafo 1º, do artigo 6º, da Lei 8.038/1990, ao regular a sessão para que se receba ou rejeite a denúncia, determina que “no julgamento de que trata este artigo, será facultada sustentação oral pelo prazo de 15 minutos, primeiro à acusação, depois à defesa”. Tal disposição legal é inteiramente reproduzida pelo artigo 222 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.

Ainda sobre o tema, o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, no parágrafo 2º, do artigo 132, prevê que, havendo litisconsortes que não sejam representados pelo mesmo advogado, o prazo para sustentação será contado em dobro, dividindo-se o tempo entre os advogados. Adotando-se tal entendimento ao caso que foi submetido à Corte Especial nesta quinta-feira, cada advogado teria que o prazo de pouco mais de um minuto para sustentar oralmente as razões de defesa de seu constituinte.

Pois bem, a relevante matéria foi levada ao Superior Tribunal de Justiça que, por maioria dos membros de sua Corte Especial, examinou e garantiu aos advogados o prazo de 15 minutos, por acusado, para sustentação oral.

Houve quem propusesse, com base em um critério aleatório, o estabelecimento de que cada advogado poderia falar por cinco minutos em defesa de seu cliente, houve, também, quem propusesse dez minutos e houve, ainda, quem se manifestasse pela divisão do prazo.

O respeito às prerrogativas e à ampla defesa foi assegurado, mas o debate acerca do tema, com a proposição de hipóteses que manietariam o exercício profissional e a garantia constitucional, traz à tona a necessidade de algumas reflexões.

A primeira delas reside no artigo 133 da Constituição da República, que preconiza que “o advogado é indispensável à administração da Justiça”. Veja-se que a Constituição não diz que ser a advocacia útil, importante ou proveitosa. O texto é claro: o advogado é indispensável. Sem a presença do advogado, não se faz justiça, não há dialética, não há contraditório.

Não se verifica espaço para interpretação diversa. O exercício profissional da advocacia é condição indispensável para a administração da Justiça. A leitura de tal mandamento já seria suficiente para jogar por terra qualquer proposição de tempo que transformasse o advogado em mero figurante (e acreditem que elas existem aos montes por aí, tal qual a aversão quase patológica de alguns magistrados de receber advogados).

Em auxílio ao que preconiza a Constituição há o parágrafo 2º, do artigo 2º, da Lei Federal 8.906/1994 (a referida legislação é chamada de Estatuto da Advocacia, mas a desconhecimento de tal condição normativa motiva a necessidade de afirmar o seu status de lei).

Diz o referido dispositivo legal que “o processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público”. A disposição normativa preconiza que o advogado contribui com a decisão judicial e com o convencimento do julgador, sendo essa a sua obrigação legal. Veja-se que não se trata de mera formalidade atuar em auxílio da decisão, mas, sim, uma obrigação, um ônus, um encargo legal da advocacia.

A atuação do advogado na tribuna não pode ser tida como mera formalidade processual. Um colegiado de magistrados não deve considerar a sustentação oral como um fardo, uma imposição onerosa e fatigante do exercício da jurisdição. O advogado que usa da palavra não está fazendo por mero capricho, é obrigação, é múnus público. Assim, tenta levar ao conhecimento do julgador questões que, muitas vezes, passam despercebidas. Procura ressaltar pontos, busca fazer do processo, realmente, um espaço dialético e contraditório, em defesa do seu cliente, mas, também, em auxílio à Justiça.

O processo — sobretudo o processo penal — não pode ser apenas uma sequencia lógica, mecânica de atos procedimentais. O volume dos autos, a quantidade de acusados, a possibilidade de que as sessões se alonguem, a tão incensada celeridade processual, nenhum desses argumentos pode ser utilizado como empecilho ao exercício profissional. A celeridade da resposta judicial é importante, mas encontra limite no respeito às garantias e às prerrogativas. O processo judicial deve ser humanizado com a voz das partes, com o contraditório, com ideias e percepções opostas, assim estaremos mais próximos de alcançar justiça.

Neste passo, é importante registrar a forma como as garantias deveriam ser interpretadas. O tema é singelo e conhecido, mas muitas vezes deixado de lado.

As garantias devem ser interpretadas de forma extensiva. A hipótese que se apresentou hoje à Corte Especial poderia ser solucionada com a lembrança dessa fórmula que se estuda nos bancos da faculdade. Há dispositivo constitucional que garante o exercício da ampla defesa, há norma legal e regimental que prevê o prazo de 15 minutos de sustentação oral para a acusação e para a defesa. Diante deste quadro, deve-se elaborar fórmulas, criar critérios, dividir o prazo entre os advogados, ou simplesmente deve-se fazer valer a garantia constitucional, o exercício profissional?

A solução parece advir da referida regra de hermenêutica. A Constituição garante a ampla defesa, a Lei 8.038/90 e o regimento interno do STJ definem que o prazo para a defesa será de 15 minutos. Não fosse assim, a pluralidade de acusados, por si só, já será uma forma de apenação procedimental. Aqueles que forem objeto de denúncia plural terão seus prazos de defesa reduzidos. Os que forem acusados sozinhos poderão exercitar sua defesa no prazo previsto em lei.

O direito de defesa é da parte e não do advogado. O advogado, porém, tem o direito de exercer a sua profissão com liberdade e acusado de escolher livremente seu defensor, sem que se possa apenar, ainda que processualmente, tal escolha.

Felizmente a garantia constitucional e as prerrogativas profissionais foram asseguradas pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça. Assim, reiteramos a crença em um Judiciário pautado pela independência e valorização dos princípios democráticos — dentro os quais se encontra o reconhecimento da advocacia como atividade essencial à Justiça.


Marcio Palma, Claudio Demczuk de Alencar e Leonardo Marinho são advogados, membros da Comissão de Prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil, Conselho Seccional do Distrito Federal.