Bullying: e a prevenção?

Não raro vemos reportagens em mídia televisiva ou pela internet, condenando a atitude de crianças e adolescentes que maltratam seus colegas, com “brincadeiras” tidas como de mau gosto, ou mesmo violentas, pejorativas ou humilhantes. As reportagens facilmente nos tocam e comovem, não só pela perversidade do ato, a maioria covarde, mas até porque nos identificamos com a vítima.

Quem de nós já não sofreu essa covardia?

Recebemos a informação, através do blog “blogs.estadão.com.br”1 que Promotores da Infância e Juventude de São Paulo querem que o bullying seja considerado crime. Para tal, um anteprojeto de lei elaborado pelo referido grupo prevê pena mínima de um a quatro anos de reclusão, além de multa. Ainda, se a prática for cometida por adolescente e for considerada grave e em repetidas vezes, o autor poderá ser internado na Fundação Casa, a antiga Febem.

Essa proposta propõe a penalização da pessoa que expuser o outro, de forma voluntária e mais de uma vez, a constrangimento público, escárnio ou qualquer forma de degradação física ou moral, estabelecendo relação desigual de poder. Estão previstos casos em que a pena pode ser ampliada, quando é utilizado meio eletrônico ou qualquer mídia (cyberbullying).

Como o bullying e o cyberbullying em geral são praticados por crianças e adolescentes, os promotores vão precisar adaptar a penalização ao que está previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), conforme visto acima.

Infelizmente, resta-nos a impressão, salvo uma avaliação menos emotiva do nobre leitor, de que voltamos à filosofia de “Vigiar e Punir”, como forma de reprimir a violência, aproveitando-se da importância atribuída pela mídia e abraçada pelo público leigo. O códex penal se confirma como um espelho do repúdio popular, onde o que é considerado um comportamento reprovável pela sociedade fica ali registrado e coercitivamente desestimulado.

Aproveitando a experiência de quem vive a educação, em sua origem intelectual, uma especialista da Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica (PUC/SP), a educadora Madalena Guasco Peixoto, também considerou a proposta exagerada por identificar que somente criminalizar a situação, quando já existem os artigos prevendo punição para os crimes por lesão corporal, não resolve a situação. Opina que as escolas precisam assumir a responsabilidade, concretizando a posição de punir os culpados, somente quando for necessário para o caso.

Por definição universal, bullying é um conjunto de atitudes agressivas, intencionais e repetitivas que ocorrem sem motivação evidente, adotado por um ou mais alunos contra outro (s), causando dor, angústia e sofrimento. Insultos, intimidações, apelidos cruéis, gozações que magoam, acusações injustas, atuações de grupos que hostilizam, ridicularizam e infernizam a vida de outros alunos levando-os à exclusão, além de danos físicos, morais e materiais, são algumas das manifestações do comportamento bullying.

Sem tradução para o português, e empregado na maioria dos países o mesmo termo. Bully é traduzido como “valentão”, “tirano”, e ainda como verbo “brutalizar”, “tiranizar”, “amedrontar” 2.

Portanto, bullying é claramente entendido como um comportamento cruel nas relações interpessoais, em que os mais fortes convertem os mais fracos em objetos de diversão e prazer, através de “brincadeiras” que disfarçam o propósito de maltratar e intimidar. Os estudiosos do assunto apontam a incapacidade da vítima em se defender e em não conseguir motivar os outros a agirem em sua defesa.

Com isso, compreende-se a problemática como um fenômeno bem definido de violência, com repercussões muito graves a quem sofre, sendo a influência no psiquismo da vítima a consequência mais significativa.

Reconhecer a necessidade de punição, especialmente quando acontecimentos de ampla repercussão social acontecem, acaba sendo uma necessidade indiscutível. Mas, não é possível fazer nada antes? Qual a proposta de intervenção, ou mesmo de intermediação? E ainda, identificando o problema, fala-se em punição “aos culpados”, mas continua-se em silêncio sobre as intervenções às vítimas, e quanto à prevenção aos novos acontecimentos.

Mesmo quando se aponta a necessidade de responsabilizar as instituições de ensino sobre sua atuação, o trabalho de prevenção da violência também não é citado.
Numa comunidade de repercussão nacional, como sabidamente o é a dos advogados, e com a importância que tem, a discussão sobre esses tópicos poderia e deveria ser levantada. Não se mostra sensato apenas incrementar o rol de tipos penais, numa tentativa de reprimir a incidência de tal evento social, mas seria justo manter a influência da mídia nos seus limites e trabalhar em torno do amadurecimento do papel das instituições de ensino, na sociedade.

O advogado tem um papel essencial no seio da sociedade, por ser considerado um elo entre os cidadãos e seus direitos, uma vez negados, tolhidos, ou embaraçados, mas antes de procurar remediar a situação, acreditamos ser mais permanente e produtivo o trabalho preventivo, e não apenas corretivo.

Seria importante, na análise dos autores, planejar uma discussão que reúna saúde, educação e a justiça, com a intenção de combater a violência a níveis toleráveis, onde haja conscientização, planejamento, investimentos e atitudes de compromisso e responsabilidade global, afinal colhemos o que plantamos.

Referências:
1) http://blogs.estadao.com.br/jt-cidades/mp-quer-que-bullying-seja-crime/
2) Fante, C. Fenômeno Bullying. Como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. Campinas, SP:Verus Editora, 2005.

Audrey Regina Magalhães Braga
Médica – GDF/ HRAS – NAT (Núcleo de Apoio Terapêutico)
MH – Clínica de Psiquiatria/Psicologia.

Ronaldo Braga
Advogado