Advocacia e cidadania

O artigo “Advocacia e cidadania” é de autoria do vice-presidente da Seccional, presidente da Comissão de Prerrogativas da OAB/DF e secretário-geral da Comissão Nacional de Prerrogativas do Conselho Federal da OAB, Ibaneis Rocha. Foi publicado na edição desta sexta-feira (28), do jornal Correio Braziliense: “O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei (nº 11.925) que confere aos advogados privados que atuam na Justiça do Trabalho a mesma prerrogativa dos magistrados e dos membros do Ministério Público. Isso significa dizer que o advogado tem fé pública, eliminando-se, a partir daí, uma montanha de procedimentos burocráticos que só atrapalham e retardam a Justiça. Coincidência ou não, o ato foi publicado em pleno mês do advogado, quando são comuns as discussões em torno de uma classe cuja participação na vida da sociedade tem crescido em importância — mas nem por isso é bem compreendida. Vale ressaltar que, com esse gesto, o Estado contribui para disseminar não apenas um conceito, mas uma norma que há muito já deveria ter sido, com o perdão do trocadilho, assimilada: a indispensabilidade do advogado na administração da Justiça (artigo 133 da Constituição Federal), que decorre de sua missão peculiar, permitindo o equilíbrio das relações jurídico-processuais e contribuindo para a paz social. É o advogado o primeiro formador de opinião e, também, o primeiro formador da jurisprudência e da ação da Justiça; é ele, enfim, que, ao permitir aplicar a abstração da norma ao fato, torna a Justiça possível. Sem o advogado, o conceito de justiça descamba, ipso facto, para o seu oposto — a injustiça. E ponto final? Não. Críticas desvirtuadas de alguns setores têm levado à sociedade uma imagem distorcida da advocacia, seja aqui no Distrito Federal ou nos confins do país. Não raro, confundindo advogado com cliente e vice-versa, num perigoso jogo de cena e de palavras que põe em risco a garantia constitucional que qualquer pessoa precisa ter, independentemente de classe, raça ou credo, de defesa. É que a Justiça, para ser justa, passa necessariamente pelo devido processo legal, com amplitude da defesa. E cabe ao advogado a missão de assegurar o pleno exercício desse direito, ligado indissoluvelmente à cidadania. É inadmissível, nos dias atuais, que o advogado, ao assumir o direito de defender o acusado, seja avaliado com certo matiz de cumplicidade por uns e outros; nem que tenha a sua atividade cerceada, na maioria das vezes por autoridades inteiramente desinformadas — ou que se fazem desinformadas —acerca do papel que desempenha. Nunca é demais repetir que “não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos” (artigo 6º da Lei 8.906). Da mesma forma, o advogado precisa exercer, com liberdade, a profissão em todo o território nacional; ter respeitada, em nome da liberdade de defesa e do sigilo profissional, a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, de seus arquivos e dados, de sua correspondência e de suas comunicações, inclusive telefônicas ou afins, salvo caso de busca e apreensão determinada por magistrado. O advogado pode ingressar livremente nas salas de sessões dos tribunais, mesmo além dos cancelos que separam a parte reservada aos magistrados; nas salas e dependências de audiências, secretarias, cartórios, ofícios de justiça, serviços notariais e de registro, e, no caso de delegacias e prisões, mesmo fora da hora de expediente e independentemente da presença de seus titulares. Tudo isso é norma legal. Contudo, muitos confundem esse tratamento com privilégios corporativos. Errado. As prerrogativas do advogado são, literalmente, as prerrogativas do cidadão. Não é apenas o direito do “cliente” que está em jogo. Esqueça o “cliente” e pense em você, em alguém de sua família, em um amigo. Estamos falando de qualquer pessoa, não importa se pobre ou rica, influente ou não. Todos têm direito à presunção de inocência, ao contraditório, ao devido processo legal. Ninguém pode ser condenado senão mediante sentença transitada em julgado — esse é um princípio basilar do direito. E o advogado é o elo efetivo entre esses direitos elementares de cidadania e a Justiça. Claro, tudo isso exige balizamentos éticos do advogado, cabendo à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) agir com rigor para que não se torne corporativa em relação ao estrito cumprimento dos deveres de seus associados. Façamos justiça: ela tem sido implacável na imposição de penas, que chegam até à exclusão contra aqueles que violam os preceitos éticos e legais. Como homenagem ao patrono da advocacia, cabe citar Rui Barbosa, para quem o advogado não deve se subordinar, na sua atuação profissional, a nenhum poder humano, a não ser à própria consciência — no caso, à ética e à lei. Esses são desafios da nossa rotina. Mas há outros, igualmente complexos. A OAB-DF há muito batalha para realizar uma eficaz e positiva integração entre os pólos do Poder Judiciário, na crença de que a conquista dessa meta redundará em benefícios para o exercício do direito e a administração da Justiça. Mais que isso, os contatos frequentes entre os segmentos que compõem os pilares desse Poder contribuem de forma decisiva para aproximar a Justiça da sociedade. Porém, entendemos que além dos palácios e monumentos há um enorme contingente populacional em nossa capital que precisa ser vista e, sobretudo, ouvida. Enfim, existe a rua, e, nela, os heróis anônimos que talvez tenham muito a nos ensinar e, bem ao gosto da mídia, oferecer emoções fortes sem que necessariamente signifique tragédia, corrupção ou política. A classe agradece.”