“O Defeito Borboleta”, Délio Lins e Silva Jr., no Correio Braziliense

A Teoria do Caos, que serve como base para o chamado “Efeito Borboleta”, é uma lei do universo, ao mesmo tempo interessante e assustadora. Segundo a teoria, mesmo uma minúscula alteração no início de algum evento, como o bater das asas de uma borboleta, por exemplo, pode modificá-lo de forma integral, gerando uma cadeia de outros eventos completamente distintos do que seria a linha original.

Lembrei-me desse tema porque hoje, como sociedade, vivemos um eterno exercício do “se”, apontando erros evidentes dos poderes e sonhando com o lugar de superação que poderíamos estar se as decisões, desde o início, tivessem sido diferentes.

O meteorologista americano Edward Lorenz, estudioso da teoria nos anos 60, calculou que um fenômeno aparentemente insignificante, como o deslocamento de ar ocasionado pelo batimento das asas de uma borboleta, poderia causar um tornado no Texas. Quando penso nisso, é irresistível imaginar como teria sido diferente o início do ano de quem perdeu um pai, um filho, mãe, uma amiga ou um colega de profissão. Especialmente este ano perdemos muitos advogados e advogadas. Ainda mais do que no fim do ano passado, que também foi duro por sinal. Quisera eu criar um defeito nesse efeito borboleta para evitar a infindável sequência de homenagens a colegas, amigos e amigas, notáveis seres humanos que partiram vítimas da implacável covid-19.

Desde setembro do ano passado, a média de notas de pesar no website da OAB/DF tem sido superior a uma por semana, formando um obituário longo, saudoso desses grandes talentos e chocante pela velocidade do seu crescimento.

Tanto que estamos nos preparando para lançar um memorial em nosso ambiente digital, para guardar a memória da advocacia, para lembrar dos nossos e também para jamais esquecer desse momento tão difícil e das lições que nos permitirão impedir (tomara) a repetição desse cenário.

E que cenário! Nos jornais não se passa um dia sem que sejam apontados os erros muitos que nos trouxeram até aqui. 300 mil mortos! E poderiam ser tantos menos…Se as medidas sanitárias tivessem apoio incondicional das autoridades em uníssono, se tivesse havido posicionamento rápido na aquisição dos imunizantes, se o relaxamento do confinamento tivesse sido mais ordenado e gradual, se, se, se.

Enfim, não podemos voltar no tempo e reparar as coisas. Mas podemos melhorar daqui para frente, podemos descruzar os braços e nos comprometer com a solução que está ao nosso alcance.

Recentemente, o Conselho Federal da OAB, por recomendação da seccional do DF, entrou com ADPF obrigando o governo a adquirir vacinas. A própria casa estuda com rapidez a criação de um fundo para comprar outras mais. Oferecemos nossas instalações para multiplicar os pontos de vacinação e estamos apoiando a sociedade civil em diversas frentes para mudar o curso das coisas. Cada ato vale, cada minuto conta.

Aliás, sua máscara também conta, bem como o álcool que passa em mãos. A reunião presencial que você pode evitar, o delivery do comércio local que você pode pedir. Tudo ajuda muito!

Seu ato individual pode parecer pequeno, nosso esforço isolado pode parecer enxugamento de gelo, mas não devemos nos distrair de nossos objetivos pensando nisso.

Assim como o vírus se modifica, criando novas cepas mais transmissíveis e amplia sua letalidade, devemos adaptar nosso campo de ação, adquirindo posturas mais seguras, estratégias de imunização e gerando modelos alternativos de convivência segura.Potencialmente, cada um de nós pode realizar o ato que transformará tudo.

Délio Lins e Silva Jr., presidente da OAB-DF

Artigo publicado pelo Correio Braziliense neste domingo (28)

Foto: Alexandre Mota