Sob discursos emocionados, OAB/DF abre Galeria Sigmaringa

No auditório do quarto andar da OAB/DF, sob o apoio de uma bengala, o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Sepúlveda Pertence ocupou a mesa principal para homenagear dois velhos amigos e membros históricos da Seccional: Antônio Carlos Sigmaringa Seixas e Luiz Carlos Sigmaringa Seixas.

Os dois ilustram o nome da Galeria inaugurada na noite desta quinta-feira, 24 de outubro, 36 anos depois da interdição da Seccional durante o regime militar. Ao lado do então presidente Maurício Correia e de vários conselheiros e advogados, entre eles Sepúlveda Pertence, Antônio Carlos e Luiz Carlos atuaram fortemente no processo de resistência que culminou com a reabertura da Seccional. Funcionários com mais de 30 anos de trabalho na OAB/DF, alguns dos quais presenciaram a interdição, também foram homenageados.

Aos 82 anos, o ministro aposentado trouxe sob um envelope transparente, várias páginas escritas a mão, em tinta azul. “Tenho dito que na velhice, mais que a melancolia da proximidade da própria morte, é a dor provocada pela perda de amigos queridos”, disse, em referência a morte dos dois, sendo a mais recente de Luiz Carlos, em dezembro do ano passado. “Colegas de profissão, fomos companheiros de muitas lutas, a maior delas a resistência e a ação pelo fim da ditadura militar, que por 21 anos nos sufocou”, continuou.

Na plateia Marina Luce de Carvalho, esposa de Luiz Carlos e nora de Antônio Carlos, ao lado dos dois filhos, Luiza e Guilherme Seixas, ouviram emocionados o discurso. Também presente estava Maria Lúcia Sigmaringa Seixas, irmã de Luiz Carlos. “O exemplo de sua irrepreensível vida pública desde a participação destacada na Assembléia Nacional Constituinte até hoje, depois de 30 anos de aparente consolidação da democracia. Hoje nos ameaça de retorno aos tempos doutra idade”, afirmou.

Sepúlveda Pertence mencionou reportagem do jornal Correio Brazilense que caracterizou Luiz Carlos como “o conciliador”. “É verdade. Mas na prática da conciliação, entre bons políticos adversários, é pressuposto necessário o dom da tolerância”, ressaltou. “Só resta lamentar que na resistência ativa ao possível retorno ao tempo das ditaduras de nossa história republicana, Sigmaringa fará muita falta”, concluiu. Leia o discurso completo.

O discurso de Sepúlveda se seguiu ao de Diogo Seixas, que representou a família do tio do avô. “Não tenho a oratória de meu tio e de meu avó, mas registro que este momento é grande importância para nós”, disse.

O presidente da OAB/DF, Délio Lins e Silva Júnior, lembrou que o desejo da homenagem surgiu ainda em dezembro de 2018, quando Luiz Carlos faleceu, mas se consolidou por iniciativa da Comissão de Memória e Verdade da Seccional, que apresentou a proposta à diretoria. “É uma alegria muito grande para a Ordem realizar esta homenagem mais que merecida”, disse.

Secretária-geral da Comissão de Memória e Verdade, Juliana Gomes Miranda destacou que o ato é mais que uma homenagem a Antônio Carlos e a Luiz Carlos Sigmaringa Seixas”. “Inspirados na trajetória destes dois grandes homens, quando definimos a data desta inauguração no dia em que lembramos que há 36 anos esta sede fora alvo de uma truculenta interdição, estamos também reafirmando para as novas gerações que a Ordem dos Advogados do Brasil é sobretudo uma casa de luta, que combate a injustiça social, repudia o arbítrio, defende os direitos humanos e, portanto, a nossa democracia”, disse.

Também presente na inauguração, o vice-presidente do Conselho Federal, Luiz Viana Queiroz, citou a premissa do bom, belo e verdadeiro do educador Howard Gardner. “Estamos aqui para acrescentar que o bom, o belo e o verdadeiro tem uma historicidade. A nossa história, da Ordem dos Advogados do Brasil, da advocacia, sempre perseguiu valores democráticos. Para isso estamos aqui: para homenagear a família, a todos que lutaram e sobretudo para contar o caminho que vamos seguir no futuro”, disse.

O presidente Délio Lins e Silva Júnior destacou ainda que o ato acontece juntamente a um trabalho de resgate da memória da OAB/DF. “Em visita ao prédio, assim que assumimos, nos deparamos com imagens históricas abandonadas numa sala do 2o subsolo, e aqui faço questão de agradecer ao Valter Zica, nosso fotógrafo, que nos chamou atenção para o fato. Decidimos imediatamente restaurar essas imagens, algumas das quais estão aqui hoje”, acrescentou, ao lado do secretário-geral da OAB/DF, Márcio de Souza Oliveira, da secretária-geral adjunta, Andreia Saboia, e da conselheira federal Daniela Teixeira.

Ex-conselheiros, advogados e representantes de diferentes instuições acompanharam a homenagem e inauguração da Galeria Sigmaringa Seixas, que contém objetos e fotos de diferentes períodos, em especial do fim da década de 1970 a 1980. Entre as peças, estão a carteira de advogado de Antônio Carlos Sigmaringa Seixas, uma cadeira utilizada para reuniões na sala da Maurício Correia e a urna usada para eleger os primeiros diretores da OAB/DF.

José Geraldo de Sousa Júnior, reitor da Universidade de Brasília de 2009 a 2012, relembrou o dia da interdição ao olhar as imagens. “A OAB/DF vivia um período de alta representação social, porque Brasília não tinha autonomia política e não havia representação parlamentar. Então, a Seccional era um espaço de defesa da democracia e dos direitos fundamentais”, contou. “Em função deste papel, realizamos o primeiro encontro de advogados do Distrito Federal, que abriu o debate sobre estes temas, porém numa conjuntura em que Brasília estava submetida a medidas de emergência por conta da agenda da redemocratização. Todo mundo se aquietou menos a OAB/DF: ela discutiu as questões da classe e as questões políticas. E na madrugada do encontro, começou o processo de interdição”.

 

Comunicação OAB/DF
Texto: Ana Lúcia Moura
Fotos: Valter Zica