Mulheres serão maioria no Direito, afirma Estefânia

Em pronunciamento feito em Teresina, a convite da OAB do Piauí para uma palestra sobre a mulher na advocacia, a presidente da OAB/DF, Estefânia Viveiros, disse que a discriminação ainda existe com relação às advogadas, sobretudo nas violações de suas prerrogativas, mas traçou um cenário otimista para o futuro. Em pouco tempo, segundo ela, as mulheres serão maioria entre os chamados operadores do Direito (advogados, promotores e magistrados). Se já existe uma explosão de mulheres nos escritórios de advocacia, nunca se via tanta presença feminina nas carreiras públicas do Direito”, afirmou. Ao lembrar o Dia Internacional da Mulher, que se comemora nesta terça-feira (8), Estefânia, fez um alerta para a situação para a condição das mulheres trabalhadoras, que ainda recebem menos do que os homens em idênticas condições e mesmo que apresentem uma escolaridade superior.””As mulheres deram demonstrações de sobra de sua capacidade. Está na hora de acabar com qualquer tipo de preconceito””, disse. Leia o pronunciamento da presidente Estefânia Viveiros: Senhoras e Senhores, Inicialmente, gostaria de agradecer, de coração, o convite que me foi feito pelo ilustre presidente da OAB do Piauí, Dr. Álvaro Mota, para participar de um evento que trata da questão da mulher. Como única mulher a ocupar atualmente a Presidência de uma Seccional da OAB em todo o País, há que se perguntar a razão da reduzida presença das mulheres advogadas nos cargos de direção de nossa entidade. Antes que se tire alguma conclusão precipitada, é interessante observar que esse fenômeno não é exclusivo da advocacia. Ele permeia todo o Judiciário.  Refuto qualquer análise que nos leve a concluir que esse fenômeno tenha a sua origem num aparente desinteresse ou falta de estímulo das mulheres em alcançar cargos de direção. Em todo o mundo, e em nosso País em particular, é preciso ir mais fundo quando se trata da relação do poder com a mulher. O caminho que temos percorrido, sem nenhuma sombra de dúvida, é mais tortuoso. As estatísticas estão aí, a revelar quão tortuosa é a nossa estrada:  Mesmo apresentando mais anos de estudo e competência, as mulheres trabalhadoras continuam recebendo salários em média 70% inferiores aos dos homens.  As mulheres negras recebem, também em média, metade do rendimento das mulheres brancas.  Apenas 26% das crianças pobres freqüentem creches, contra 49% das crianças ricas.  Cerca de dez milhões de mulheres no Brasil correm risco de gravidez indesejada por uso inadequado e falta de conhecimento de métodos anticoncepcionais.  Quatro mulheres são espancadas a cada minuto em nosso País.  Senhoras e Senhores,  As mulheres brasileiras já deram exemplos de sobra de sua capacidade, seja no trabalho, nos empreendimentos e na política, mas temos de reconhecer que infelizmente continuam sendo vítimas do preconceito, sobretudo quando se trata das mais pobres. Poderia falar, aqui, de preconceitos que verificamos também nas chamadas camadas mais elevadas da sociedade. Eles são mais sutis, mas não menos perverso. Tudo a revelar uma herança que vem de tempos imemoriais.  É também de muitos anos, que na verdade atravessam os séculos, a luta das mulheres para se defenderem do preconceito, da violência, das perseguições. Muitas vezes, essa luta foi marcada por tragédias, como as mulheres que foram guilhotinadas pela Revolução Francesa porque reclamaram a inclusão dos direitos da mulher no Código Civil que adveio logo após aquele movimento político. É conhecido de todos o episódio de 8 de março de 1857, quando 129 mulheres morreram queimadas dentro de uma fábrica em Nova York porque reivindicavam condições dignas de trabalho.  Mas nada disso arrefeceu a disposição de continuar lutando pelo reconhecimento da igualdade com os homens e, mais tarde, da importância das diferenças entre os sexos sob uma ótica democrática. No Brasil, a partir da segunda metade do século XX, o movimento de mulheres juristas evoluiu no sentido da busca da identidade e capacidade para gerir os atos da vida civil. As advogadas Romy Medeiros da Fonseca e Orminda Bastos apresentaram em julho de 1952 à VIII Assembléia da Comissão Interamericana de Mulheres, da Organização dos Estados Americanos, o anteprojeto por elas elaborado, com vistas a modificar a condição jurídica da mulher no Brasil. Em 1957, Romy Medeiros da Fonseca ocupou a tribuna do Senado para defender o projeto de lei 29/52. Em 1962, o Poder Legislativo aprovou a Lei 4.121, que ficou conhecida como o Estatuto da Mulher Casada. Essa lei alterou vários artigos do Código Civil brasileiro, datado de 1916. Esse novo documento concedeu às mulheres o direito de trabalhar fora do lar sem a autorização do marido ou paterna e, em caso de separação do casal, o direito à guarda do filho.  m pleno Século XXI, com o Código Civil brasileiro renovado, a condição jurídica da mulher, é verdade, está menos discriminatória. Mas há ainda muito o que avançar para a garantia da democracia paritária. Nós sabemos o quanto precisamos avançar.  Aliás, gostaria, aqui, de abrir um parênteses para lembrar algumas mulheres de meu Estado natal, o Rio Grande do Norte, que são símbolos dessa luta.  Nísia Floresta, por exemplo. Foi poetisa e educadora no Século XIX. Foi ela quem escreveu o primeiro manifesto feminista de que se tem notícia no mundo inteiro. Não podemos falar da luta das mulheres sem citar o nome de Nísia. Auta de Souza, que morreu precocemente aos 25 anos, duas décadas antes do movimento modernista de 1922, surpreendeu o mundo intelectual com a obra “O Horto”, tida como revolucionária para os padrões de 1900.  Celina Guimarães foi a eleitora número um da América do Sul, conquistando em 1927, na brava e heróica cidade de Mossoró, o direito ao voto feminino que só alguns anos depois seria instituído no restante do Brasil e em todos os países do continente.  Alzira Soriano, mais uma conterrânea ilustre, imortalizou seu nome ao eleger-se prefeita de Lages em 1929. Foi a primeira de tantas mulheres que a partir de então conquistaram nas urnas a honra e o privilégio de administrar as suas cidades.  Finalmente, Maria do Céu Fernandes. Nos anos 50, ao eleger-se para uma cadeira na Assembléia Legislativa, transformou-se na primeira deputada estadual de todo o Brasil.  Senhoras e Senhores, colegas advogadas e advogados.  O Brasil se caracteriza por apresentar uma situação econômica com alguns resultados muitas vezes próximos aos de países avançados. No entanto, ostenta uma realidade social perversa, onde a extrema desigualdade na distribuição de renda é o plano de fundo de uma situação de pobreza e exclusão para grande parte da população. Dados relativos a 1995 indicam que os 50% mais pobres da população ocupada recebiam 13,3% de todos os rendimentos do trabalho no país, enquanto os 10% mais ricos ficam com 47,1%, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esta situação demonstra o elevado grau de desigualdade da sociedade brasileira. Mas, até mesmo na desigualdade as diferenças se revelam: entre todos, são as mulheres que recebem os rendimentos mais baixos e estão muitas vezes nas piores condições de trabalho.  Também, são as famílias por elas chefiadas que estão expostas às condições de vida mais precárias. Os trabalhadores brasileiros recebiam 3,6 salários mínimos por mês, em média, no ano de 1995, um patamar de rendimentos extremamente reduzido, que indica a pobreza no país.  Entre os homens, a média de rendimentos mensais era de 4,4 salários mínimos, enquanto as mulheres recebiam apenas 2,4 salários mínimos. Isto significa que os rendimentos das mulheres são praticamente a metade daqueles recebidos pelos homens. Já há tempo, os movimentos de mulheres vêm orientando seus debates na perspectiva de que as questões tradicionalmente que lhe sã
o atribuídas devem ser colocadas em um contexto mais amplo.  Ou seja, da discussão das relações e dos papéis de homens e mulheres na sociedade. Esta é chamada questão de gênero, pois aos gêneros masculino e feminino não está restrita a apenas um. Esta abordagem permite situar o tema em um horizonte maior ao tratar, por exemplo, a questão da desigualdade entre homens e mulheres, como um problema nas relações de dominação socialmente estabelecidas entres os dois gêneros.  Além disso, recoloca os termos das soluções dos problemas: elas são conjuntas e envolvem mudanças de posição e comportamento de homens e mulheres em uma repartição social mais justa das responsabilidades e oportunidades.  Um alerta se faz necessário nesse ponto: mesmo apresentando maior nível de escolaridade, as mulheres podem estar perdendo espaço no mercado de trabalho, pois o domínio da tecnologia é considerado habilidade masculina. O mundo moderno apresenta, portanto, novos desafios para a construção da eqüidade de gênero, que emergem neste momento em que as sociedades parecem dirigir-se justamente na direção contrária, aprofundando desigualdades sociais. Em 1995, estavam no mercado de trabalho no Brasil 29.820.663 mulheres entre ocupadas e desempregadas, ou 40,01% da força de trabalho brasileira. Embora tenha ocorrido um crescimento notável de sua participação no mercado de trabalho, a presença feminina continua concentrada nos setores tradicionalmente ocupado pelas mulheres: o maior contingente, 29,8%, ou cerca de 8 milhões, estão na prestação de serviço. Outros 6 milhões de mulheres trabalham na agricultura, 4,5 milhões nas atividades sociais e 3,5 milhões no comércio, segundo o IBGE. As atividades industriais agregadas ocupam 2,5 milhões de mulheres.  No que se refere à ocupação, as mulheres estão basicamente na condição de assalariadas no setor público e privativo (59,1% das mulheres ocupadas, em 1995). Das 16 milhões de assalariadas no país, cerca de 4,8 milhões são trabalhadoras domésticas. Ou seja, o emprego doméstico representa cerca de 30% do trabalho assalariado ou, sozinho, cerca de 17% da ocupação das mulheres. Outras 16,6% encontram-se na categoria de trabalho por conta própria.  Os números revelam ainda outra dimensão da ocupação das mulheres: 13% trabalham sem nenhuma remuneração financeira. Outras 9% permanecem nas atividades de subsistência, produzindo para o seu próprio consumo sem sequer serem incorporadas ao mercado de trabalho, seja ele formal ou informal. Do outro lado, apenas 1,9% das mulheres são empregadas. Quase 60% das mulheres ocupadas no Brasil são assalariadas, quer no setor público, quer no privado. Cerca de 30% das assalariadas estão ocupadas em empregos domésticos. Em linhas gerais, essa é a situação da mulher, sob um ponto de vista de presença nos chamados setores produtivos do País.  E com relação à mulher advogada? Vamos a alguns dados:  A mulher tem uma forte participação nas estatísticas da advocacia. Dados do Conselho Federal da OAB indicam que existem hoje, em números redondos, 450 mil advogados profissionais na ativa no Brasil. Desse total, 42% são mulheres, sendo a maioria empregada de escritórios distribuídos pela Região Sudeste.  Há 103 anos, formava-se na Faculdade de Direito Largo São Francisco, em São Paulo, a primeira mulher advogada: Maria Augusta Saraiva. Até a década de 30, era raro a São Francisco ter uma mulher em suas fileiras. Hoje, o número de mulheres nas classes da São Francisco é igual ou até maior que o de homens.  O aumento do número de mulheres trabalhando na advocacia pode ser percebido principalmente entre os recém-formados na área e jovens profissionais. Em São Paulo, por exemplo – Estado que detém o maior número de profissionais dessa área no País – , existem 160.514 advogados, sendo 91.083 do sexo masculino e 69.431 do sexo feminino.  Se nesta estatística da totalidade dos profissionais paulistas os homens ainda são maioria, na faixa etária dos 21 aos 35 anos as mulheres já são em maior quantidade, um indicativo de que a presença feminina no futuro desta profissão deve ser ainda maior. Nesta faixa etária, existem hoje 38.352 advogadas trabalhando nos escritórios e nos fóruns paulistas, contra 32.586 advogados em São Paulo. A partir dos 36 anos de idade os homens voltam a liderar em quantidade de profissionais no mercado.  No Distrito Federal, os números do recadastramento feito pelo Conselho Federal da OAB apontavam o seguinte: 7.132 advogados contra 4.563 advogadas. Note que esses números são de advogados no efetivo exercício da profissão, e estão um pouco defasados, pois correspondem ao recadastramento do final de 2003. Interessante observar que na faixa com até cinco anos de profissão, o número de advogados no Distrito Federal é de 2.447, contra 2.009 advogadas. A diferença diminui a cada dia.  Algumas áreas sinalizam uma maior presença feminina, como Direito da Família, societário e trabalhista.  Se os escritórios já vivenciam um boom feminino em suas hostes, uma outra área é apontada pelos advogados como a recordista na absorção de mulheres: a carreira pública. Nunca se viu tantas advogadas como agora nos tribunais, em cargos de magistratura e dentro do Ministério Público. De acordo com os dados do Tribunal Superior do Trabalho, as mulheres já ocupam 43,1% das vagas nas Varas do Trabalho, 41,9% dos postos na Justiça do Trabalho e 37,1% das colocações nos Tribunais Regionais do Trabalho em todo o país.  A participação da mulher tem sido importante em todos os campos de atuação e elas estão aptas a desenvolver qualquer tipo de atividade profissional. Mas os problemas de discriminação ainda existem, não podemos ignorá-los.  Entre as discriminações que as mulheres ainda enfrentam estão violações às suas prerrogativas profissionais, especialmente na advocacia criminal, no trato das mulheres nas delegacias. As advogadas de primeira instância também relatam terem sido menosprezadas por juízes.  Ao longo dessa minha participação, apresentei estatísticas e algumas considerações nelas baseadas, mas evitei conclusões fechadas, porque pessoalmente sempre acreditei numa sociedade sem preconceitos nem barreiras criadas pela intolerância. Penso que para se fazer justiça, o dia internacional da mulher, que se comemora agora, nem precisaria existir. A mim parece evidente que as mulheres mereçam receber, todos os dias, as maiores homenagens.  Muito obrigada. “