O processo de cura através da advocacia

Algumas pessoas demoram para encontrar uma vocação profissional, mas esse não foi o caso de Stefane Ribeiro, advogada de 37 anos, que desde muito jovem decidiu seguir a advocacia. “Minha mãe fala que desde os meus cinco anos de idade eu digo que eu quero ser advogada, mas a minha primeira memória sobre isso é de quando eu tinha 8 anos e fiz uma redação. No texto eu falava sobre a minha vontade de ser uma advogada”, relembra.

A vontade que Stefane tinha de atuar na advocacia era maior que as adversidades que ela encontrou pelo seu caminho. Desde muito jovem teve que buscar forças para lidar com o cenário conflituoso em que vivia, pois cresceu em um lar em que sua mãe era agredida pelo seu pai. “Eu cresci com memórias da violência que acontecia na minha casa, mas foi na adolescência que esses atos de violência passaram a atingir não somente a minha mãe como a mim também”, recorda.

Mesmo com a adolescência conturbada, Stefane não deixou a vocação que tinha desde criança, o sonho de ser advogada seguia vivo. Aos 16 anos deu seu primeiro passo para a liberdade e saiu de casa para morar com sua avó. A violência e o medo ficavam para trás e uma nova vida se iniciava.

O caminho para advocacia

Mesmo nutrindo o sonho de cursar Direito, a primeira faculdade que Stefane cursou foi a de Pedagogia. E foi na Pedagogia que ela compreendeu as diversas formas de violência que sofreu durante sua adolescência. O sonho de atuar no Direito ganhou mais força na certeza de que muitas outras mulheres poderiam ser ajudadas. “Quando eu entendi exatamente o que eu passei, tive mais vontade de entrar na advocacia para poder ajudar outras mulheres que também são vítimas de violência doméstica.”

Apesar de continuar sonhando com a advocacia, os anos se passaram apresentando outros desafios. As dificuldades financeiras pausavam sua realização profissional. Stefane se casou, teve dois filhos e as prioridades de sua vida pessoal acabaram passando na frente do seu sonho.
Mas, assim como um dia Stefane superou as provações em seu primeiro lar, os demais desafios também foram vencidos e um novo tempo de boas notícias chegava na vida dela. Foi por meio da propaganda de uma faculdade oferecendo bolsas de estudo que Stefane focou novamente no desejo de cursar Direito. “Na época eu era professora e fiz o vestibular, conseguindo uma bolsa de estudos de 50%.”

A realização

“O curso de Direito foi uma vitória, a concretização do sonho juvenil. Ia para a faculdade tão eufórica! Sabia que estar ali era uma conquista minha. E não tinha uma vez que eu não me maravilhasse quando aprendia algo novo. Assistia às aulas emocionada, com meu coração cheio de gratidão e tomado de admiração pelos professores que nos ensinavam conteúdos tão valiosos”, relembrou.

Os primeiros meses na faculdade serviram não só como um grande aprendizado, mas também como um alívio ao perceber que todos aqueles anos de batalha foram necessários para que ela pudesse chegar aonde chegou. “Eu entrei no curso de Direito com 30 anos, então eu tive que passar por muita coisa para conseguir realizar o sonho daquela criança de cinco anos que um dia eu fui”, concluiu.

A conquista foi algo marcante para a advogada, e todos os momentos que ela tinha disponível dentro da faculdade foram importantes para sua formação pessoal e profissional. Foi ainda no 10º semestre da faculdade que Stefane passou no Exame de Ordem Unificado. “A aprovação foi a certeza de que eu tinha feito tudo corretamente. Confesso que às vezes eu duvidava da minha capacidade, mas eu logo focava no objetivo e lembrava do quanto eu lutei para realizar meu grande sonho”, disse a advogada recordando da sensação de dever cumprido.

A parceria com a família foi essencial para que fosse possível a realização desse sonho. “Minha família foi o meu tudo, pois quando foco fico quase inacessível. Era a minha mãe e o meu marido que se dividiam para me buscar tarde da noite na parada de ônibus quando eu chegava da faculdade. Eles cuidavam das crianças, preparavam as minhas refeições e faziam de tudo para que eu pudesse me dedicar ao curso.”

Dando voz através do Direito

Foi depois de concluir a faculdade de Direito que Stefane deu entrada para receber a tão sonhada carteira da OAB, e foi durante esse período que uma amiga apresentou um projeto social que ajuda mulheres vítimas de violência, o Projeto Cure. “Na faculdade eu sempre participei dos projetos voltados para as pessoas em situação de vulnerabilidade. Eu estava tão ansiosa para continuar este trabalho, que no mesmo dia em que recebi a minha carteira da OAB eu já enviei meu currículo para ser voluntária no Cure”, conta a advogada.

A partir daí, Stefane passou a lidar com mulheres em situações parecidas com as que ela vivenciou durante sua adolescência. Foi então que a advogada entendeu seu papel na advocacia, o de amparar. “Eu penso que a advocacia para essas mulheres tem que ser acolhedora, entendendo o que o outro vivencia. Sei que eu vou estar lidando com feridas que não estão cicatrizadas, então preciso ter sensibilidade e empatia por essas mulheres”, completou.

Atualmente, Stefane segue trabalhando voluntariamente no Projeto Cure, hoje como uma das coordenadoras, buscando por meio da advocacia fazer valer os direitos dessas mulheres. “Não existe uma posição igualitária quando uma das partes é vulnerável. Então, o papel da advocacia no âmbito da violência doméstica é tornar as duas partes iguais.”

Sobre a razão de ter escolhido uma área da advocacia que aviva os seus traumas, Stefane sabe bem a razão. “Algumas pessoas acham que eu estou atiçando minhas feridas, mas na verdade estou curando-as”, definiu.
Éder Macedo, marido de Stefane, define a esposa com a palavra “determinação”. É seu maior apoiador e entende que sua mulher está sempre muito focada no que faz e busca sempre fazer o correto.

A advogada conta que após realizar tantos sonhos através da advocacia, ela já tem uma nova meta em mente, ser juíza. Contudo, entende que seu papel como advogada ainda está longe de acabar. “Acho que ainda há muito a se fazer, mesmo como voluntária não há nada melhor do que saber que estou cumprindo o meu propósito de vida que escolhi agindo na defesa de pessoas que estão sendo privadas dos seus direitos em alguma esfera da sua vida.”

E é por isso que cada dia faz mais sentido aquela redação feita por Stefane, mesmo depois de quase 30 anos que ela escreveu. “Deus conhece todas as coisas, sou grata por ter recebido a benção de realizar meu sonho evoluindo e me apropriando do conhecimento, servindo ao próximo, em especial as mulheres silenciadas pela violência.”

Dessa forma, hoje a dra. Stefane e antes a criança indefesa, tem uma jornada de muitas fases em que cresceu, batalhou, realizou o sonho de ser advogada atuante em causas sociais, e o mais importante de tudo: realizar o anseio de outras mulheres de serem ouvidas e atendidas conforme a lei. O Cure foi uma palavra de ordem para a sua própria história. “A força da mulher é a palavra”, disse a advogada que faz uso dessa força para o bem e para a justiça.

Texto: André Luca (estagiário sob supervisão de Esther Caldas)

Fotos: Valter Zica e arquivo pessoal

Comunicação OAB/DF