Seminário comemora e defende o Tribunal do Júri no Brasil em seus 200 anos de história

Há 200 anos o júri foi instituído por um decreto de “Sua Alteza Real”, o então príncipe regente Dom Pedro 1º. Inicialmente, a ele competia o julgamento dos crimes de imprensa, mas a história do Tribunal do Júri no Brasil não pode ser considerada linear. Foi marcada por avanços e retrocessos que refletem os períodos políticos e sociais de cada época. Para celebrar e discutir os rumos desta grande instituição jurídica brasileira, a Seccional do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/DF), por meio de sua Comissão Especial de Defesa do Tribunal do Júri, realizou o seminário “200 Anos do Tribunal do Júri no Brasil”, nos dias 27 e 28 de outrubro. “O tribunal do júri constitui a principal representação da sociedade no sistema de justiça, em que a própria comunidade afetada pelo crime possui a competência de aplicar a solução judicial, manifestando-se dentro dos parâmetros de seus valores. Assim, considerando que vivemos em uma sociedade plural, nada mais democrático e nada mais representativo da Justiça no Brasil”, disse o presidente da OAB/DF, Délio Lins e Silva Jr.

Para o presidente da Comissão de Defesa do Júri da OAB/DF, Amaury Andrade, a defesa do tribunal do júri é importantíssima para que possamos fazer a defesa da Constituição Federal e da própria democracia. “Todos sabem que o júri está previsto como cláusula pétrea constitucional e que, portanto, não poderá ser excluído do ordenamento jurídico. Por isso, a estratégia daqueles que não entendem a lógica e não se conformam com um sistema democrático é de enfraquecer o júri, tentando diminuir sua fase instrutória em plenário e sua importância. Mas estamos aqui para reafirmar sua importância e para pensar como melhorá-lo”, ressaltou Amaury.

Veja aqui as fotos da primeira noite do evento

O palestrante da primeira noite foi o advogado gaúcho Jean Severo, que ficou nacionalmente conhecido ao atuar no caso Bernardo, e principalmente no caso da Boate Kiss, ambos no Rio Grande do Sul. Ele falou sobre sua história de vida, desde que foi abandonado na infância por seus pais, até o sucesso profissional na palestra “Caso Boate Kiss e Justiça Midiática”. Conforme ele, “o Tribunal do Júri salvou minha vida, quando assisti um julgamento pela primeira vez decidi que aquilo era o que eu queria fazer da minha vida.” E os casos famosos onde atuou, apenas confirmaram essa verdadeira vocação. “No Tribunal da Kiss, talvez o maior julgamento da história do Brasil, tive a certeza que minha escolha lá atrás, no primeiro semestre da faculdade de Direito, estava correta. Muitos veem o Tribunal do Júri como uma atuação, e eu gosto desse clima emocional, mas no final o que vale é a tese técnica, é demonstrar que a sua tese está correta conforme a lei. E quando demonstramos ao júri, e principalmente ao nosso cliente, que a Justiça foi feita, isso não tem preço”, contou Jean. 

Veja a programação do Seminário neste link do Instagram oficial da OAB/DF

Segundo dia 

Com trânsito livre nas favelas do Rio e de São Paulo e batendo ponto com frequência em presídios de segurança máxima, a capixaba Flávia Froes, que mora em Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, ficou conhecida como “a advogada do tráfico”, por defender grandes líderes de facções criminosas como Marcinho VP, Fernandinho Beira-Mar e Abel “Vida Loka” Pacheco, rótulo que diz não a definir nem como pessoa e nem como profissional. Recentemente voltou a ser notícia nacional ao assumir a defesa do ex-vereador Jairinho, no Rio, acusado de torturar e matar o enteado Henry Borel, de 4 anos. Flávia se diz antipunitivista e contra a criminalização das drogas, e usa esse acesso livre nas comunidades e entre criminosos para demonstrar que: “os Direitos Humanos tem que ser direito de todos, ao contrário do que o senso comum costuma repetir. Ninguém vai para o crime porque quer, e no Brasil o crime tem cor, gênero e classe social.”

Em sua exposição no evento, denominada “Investigação Defensiva no Narco Homicídio”, falou da sua forma de atuar no Júri, e de como prefere humanizar seu cliente. “Mesmo que a legislação seja a mesma, fazer júri aqui é de um jeito, em Recife é de outro, no Rio de outro, e por aí vai. Pois como temos os jurados, o julgamento obedece a cultura e a moralidade local. Desde que comecei a atuar tenho essa abordagem de sentar ao lado do meu cliente durante o julgamento. Temos essa ideia que durante o júri que o advogado é ‘todos contra um’, e se formos pensar não apenas como atuantes do júri, mas como advogados criminalistas, temos que ter em mente que nossa função é ser aquele que incomoda”, lembrou Flávia.

Veja aqui as fotos da manhã do segundo dia do Seminário   

O segundo a falar no segundo dia foi o criminalista Técio Lins e Silva, que advoga há mais de 40 anos em defesa da liberdade e da justiça no Estado brasileiro. No regime militar, iniciado na década de 60, foi um dos mais efusivos defensores de presos políticos, tanto na primeira instância da Justiça Militar da União, como no Superior Tribunal Militar.

Doutor em Direito Político, Lins e Silva foi Secretário de Justiça do estado do Rio de Janeiro, Conselheiro do CNJ, membro da comissão de juristas que elaborou o projeto do novo Código Penal e hoje preside o Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB). No evento da OAB/DF falou sobre o tema: “Júri: de Vitrine da Advocacia Criminal até a Justiça de Hoje”. “Fico feliz de estarmos aqui discutindo assuntos tão importantes para a advocacia e para a sociedade. O Tribunal do Júri corre nas minhas veias, é aquele momento que pode consagrar um defensor, mas também tem seus perigos. A atuação é importante, mas a técnica e a lei tem que estar acima de tudo”, ressaltou Técio.

O terceiro a falar foi o psiquiatra forense Hewdy Lobo, que participou de diversas análises clínicas em casos famosos, como por exemplo o de Adélio Bispo, acusado de esfaquear o presidente Jair Bolsonaro durante a campanha de 2018. O especialista falou com a temática “Médico Psiquiatra Forense: Dez Contribuições da Psiquiatria Forense para a Defesa no Tribunal do Júri”. 

Para o psiquiatra, as avaliações são importantes para determinar se houve influência de alguma doença mental nas motivações de um crime ou não. “Na nossa equipe, entendemos as avaliações psiquiátricas forenses como uma característica biopsicológica, ou seja, verificamos se há presença ou não de doença mental nos indivíduos que estão sendo avaliados e se além da doença mental ela repercute do ponto jurídico na questão criminal, nas capacidades de entendimento e ou determinação”, pontuou Hewdy.

Dando sequência falou o advogado, professor de boa parte da advocacia do DF, e ex-conselheiro da OAB/DF, Raul Livino, que lembrou um dos casos mais marcantes da história do Distrito Federal, que foi a morte do Índio Galdino. O indígena foi assassinado quando dormia em uma parada de ônibus por jovens de classe média que atearam fogo ao seu corpo. Encerrando o Seminário, tivemos uma palestra especial com toda a diretoria da Comissão Especial do Tribunal do Júri. 

Fotos: Roberto Rodrigues
Texto: Comunicação OAB/DF