Discurso proferido pelo presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz, durante a cerimônia de entrega de carteiras realizada na OAB/DF, em 19 de novembro de 2019, na qual foi paraninfo.
É especial para a Ordem esta solenidade, não só por recebê-los, por abraçar os novos advogados e advogadas, mas pela certeza de renovação, especialmente para mim que estou na reta final de participação na OAB. Toda entrega de carteiras, toda cerimônia de compromisso, é uma renovação. É uma solenidade de passagem de tocha, uma corrida de revezamento, e é também uma data especial pela presença dos familiares.
Nós temos plena convicção, pelas nossas vidas, pela trajetória de todos que hoje conjunturalmente ocupam a posição de mesa nesta solenidade, da importância desta cerimônia, porque ela não nos sai do coração, ainda que tenhamos participado de milhares delas – centenas, no meu caso, que fui presidente de seccional. Ainda assim, vou me lembrar sempre que eu trouxe meus familiares para receber minha carteira lá no distante ano de 1997. Então, quero parabenizar estes familiares. Sei que esta é uma conquista de todos.
E quero dar boas vindas aos nobres colegas dizendo que a partir de hoje temos um pacto: não vamos lembrar das ofensas que trocamos em virtude do Exame de Ordem. Sabemos que o Exame de Ordem é a chancela que faz com que vocês saiam daqui com selo de qualidade. Foram noites mal dormidas, reprovações, mas não há nada mais típico na advocacia do que perder e começar de novo, ganhar e começar de novo, comemorar durante uma hora e saber que amanhã começa tudo de novo. É árida nossa profissão. É duro nosso dia a dia, mas é feito também de momentos como este, de reconhecimento ao talento e à trajetória de cada um, de vitória, de afirmação, de sacrifício – sem sacrifício não há glória e vitória.
Tenho aqui nesta tribuna a velha escolha dos oradores: ou faço o discurso da conjuntura – vem chegando a tempestade, tudo é ruim, somos milhares, o mercado está difícil, o dólar está a R$ 4,20 – ou tento fazer ver – e vou optar por isso porque sou um otimista incorrigível – que com todas estas dificuldades, chegar à advocacia num momento de crise é também chegar em um momento de grandes oportunidades de transformação. Receber em um momento desses a carteira vermelha que foi de Sobral (Sobral Pinto) e de tantos homens e mulheres que construíram a história deste Brasil, é o mesmo que receber aquele símbolo da Cruz Vermelha no meio de uma guerra.
Os senhores serão porta voz de uma sociedade que clama por direitos. Os senhores saem daqui e há uma família em crise econômica precisando de um bom advogado, de uma boa advogada de família para amenizar seu sofrimento; há um empresário e há um trabalhador buscando direitos. Os senhores saem daqui e há milhares de presos no caótico sistema penitenciário brasileiro pedindo que alguém acredite na sua liberdade, não na sua plena inocência, mas na sua humanidade e no seu direito à defesa, ainda que culpado. Os senhores saem daqui e há em cada rua e em cada esquina um cliente potencial, e se há um conselho que em tantos anos de experiência posso dar é que essa primeira causa, por mais simples que pareça, pode ser a causa que definirá o advogado que será cada um de vocês, porque fazê-la bem feito, com respeito ao cidadão, mostrará qual é a verdadeira identidade na advocacia de cada um de vocês.
Sim, porque eu sei que é necessário o pão, o sucesso material, mas se há uma profissão que não se marca por estas marcas é a advocacia. Nós somos a profissão do longo curso. O advogado de sucesso é aquele que às vezes aos 80 anos, sem ser rico, tem o respeito de todos os seus colegas, do juiz, do promotor, do defensor, do servidor da Justiça, porque, a partir desta primeira causa singela, com ética, com dignidade e com paixão, ele representou o seu papel transformador da nossa sociedade. Então, não há o que chorar. O momento é difícil, mas já estivemos muito piores. Os tribunais estão abertos, há independência, há muito a ser aprimorado. E nós temos uma revolução em andamento: a tecnologia, que nos traz perplexidade, nos traz desconforto, mas traz também oportunidades.
Sou de uma época que somente aquele que morava nas capitais tinha acesso à publicação de um bom texto jurídico. Agora, em todo o Brasil, um jovem talentoso advogado pode publicar, dividir, propor, interferir no seu ambiente. Isso não é revolucionário, se usado para o bem? Então vamos usar esta tecnologia para dar resposta ao nosso público, aquele que carece do nosso amparo.
Quando me formei, tínhamos apenas 20 ramos de atuação nos grandes escritórios. Hoje já são 48. Quando fui eleito presidente da Ordem, alguém me propôs a criação de uma comissão do direito da moda. Vários advogados debocharam, mas este virou um ramo de progresso no Rio de Janeiro. O mercado está em crise? Está. Mas este mercado cresce 20% ao ano e hoje mobiliza R$ 50 bilhões, a ponto de ser objeto de cobiça de escritórios internacionais que se mobilizam para este mercado brasileiro. Ocupem vocês!
É fácil? Não é. Exige criatividade, penacidade, acordar cedo, ser disciplinado, e outra: atender o cliente com paixão. Estou adorando ser presidente do Conselho Federal, porque aprendo todos os dias. A única coisa que vejo triste é quando encontro advogado sem paixão, que não entendeu o que acaba de jurar; que não entendeu que tem de defender os direitos humanos; que não entendeu que tem de defender os direitos sociais; que não entendeu que ser advogado é não temer a impopularidade; que não entendeu que não pode ficar repetindo mantra do “Maria vai com a outras”; que não compreendeu a força da Constituição; que não entendeu que advogado é a profissão do “alto lá, onde estão as provas?”; que não compreendeu que advogado é sim quem cobra do Judiciário celeridade, mas cobra imparcialidade, cobra proporcionalidade da pena, cobra garantia do direito de quem não tem; cobra que o Judiciário não seja perverso com os mais pobres e generoso com os mais ricos; cobra que o Judiciário siga a lei, siga a Constituição, porque longe dela não há salvação.
Para isso tem de ter paixão, e às vezes cansa. Dizer o que os outros não querem ouvir cansa. Quantas vezes vão dizer que o seu cliente não tem direito; quantas vezes vão dizer que não é necessária a produção de provas – e aqui falo do mau juiz, não do bom juiz; quantas vezes vão dizer o “já sei, é óbvio” – não acreditem nisso, busquem no coração e na paixão a capacidade de superar estes obstáculos. Eu nunca vi dar errado. Esta ainda é a terra das oportunidades para aqueles que querem transformá-la. Eu nunca vi alguém talentoso, estudioso e esforçado não vencer na advocacia. E vencer não é a riqueza dos carros, dos relógios, dos ternos. Vencer é voltar para casa de cabeça erguida, tendo certeza que tem um lugar no mundo e que serve a uma causa que faz este mundo melhor. Nós somos a profissão da liberdade. Nós somos a profissão da democracia em um país que alguns não querem liberdade nem democracia. Por isso não temo nada.
Completaremos 90 anos em 18 de novembro do próximo ano, presididos numa plenária final por mim e Délio Lins e Silva Junior (presidente da OAB/DF) na conferência nacional dos advogados, que será realizada aqui no DF – é responsabilidade da advocacia do DF fazer algo inesquecível neste momento que o país precisa tanto de nós. E a advocacia brasileira só é o que é porque atravessamos estes 90 anos unidos na compreensão de que a força da OAB é a força da advocacia brasileira, mesmo com todas as dificuldades que enfrentamos e os avanços como o que acabamos de aprovar: a lei que criminalizou a violação das prerrogativas, que são dos cidadãos ao quais os senhores estão servindo com as suas procurações.
É a compreensão de que advocacia e OAB são responsáveis por muito mais do que o dia a dia da advocacia: são responsáveis pela liberdade, pela democracia e pelo estado democrático neste país. Olhem quanta responsabilidade, quanto encargo há nesta carteira que em poucos momentos entregaremos aos senhores: a carteira dos que resistiram, a carteira dos que não se dobraram, a carteira dos que, ao longo da história, clamaram por justiça.
Eu ainda me sinto apaixonado. Espero ter 87 novos irmãos de paixão. Não importa o que pensam do mundo, mas importa o que fazem com esta carteira no bolso, o compromisso que terão com advocacia.