"Direito de mobilidade das pessoas com deficiência", Bruno Henrique de Lima Faria - OAB DF

“Ser inclusivo, ser plural, ser independente,
ser uma referência no exercício da cidadania.”

DÉLIO LINS

“Direito de mobilidade das pessoas com deficiência”, Bruno Henrique de Lima Faria

Este artigo foi publicado no Correio Braziliense de 14/12/2020.

A História nos traz a informação de que, até pouco tempo, as pessoas com deficiência eram consideradas objeto de direito. Parece ilógico e irônico uma afirmação desta pujança; mas não é: até a Segunda Guerra Mundial, éramos vistos como seres impuros e inferiores, que mereciam ser dizimados, porque não seríamos úteis aos escopos das políticas públicas empreendidas; e, portanto, não éramos dignos de pertencer à raça superior ariana.

Com o fim do conflito, o direito positivo, de matriz kelseniana, passou a ser ponderado por valores/princípios, possibilitando uma aplicação mais equânime do Direito. E entre esses vetores, encontram-se as cidadania e dignidade da pessoa, insculpidas no art. 1. º, incisos II e III da Constituição de 1988 e consideradas fundamentos da República Federativa do Brasil.

O paradigma mudou: o ser humano passou a ser o centro e o destinatário das políticas públicas; de servo, ele passa à condição de amo. Entretanto, parece-nos que, hodiernamente, para o Estado Brasileiro e, em especial, para o Distrito Federal, não seja assim: continuamos objetos de direito e serviçais!

Isso porque, mesmo após a incorporação, por meio do Decreto Legislativo n. º 186/2008, da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e das promulgações do Estatuto da Pessoa com Deficiência, concretizada pela Lei n. º 13.146/2015, e mais recentemente do Estatuto da Pessoa com Deficiência do Distrito Federal, levada a efeito pela Lei n. º 6.637/2020, continuamos relegados a segundo plano.

Prova disso é o descaso do Distrito Federal, exteriorizado pelo seu governo, ao descumprir sentença proferida em 14 de agosto de 2020, pela 3ª Vara de Fazenda Pública do Distrito Federal, julgando procedente a Ação Civil Pública ajuizada pela OAB/DF e condenando-o nas obrigações de reparar e manter em funcionamento todos os elevadores e escadas rolantes existentes na Rodoviária do Plano Piloto, devendo observar as normas técnicas brasileiras de acessibilidade, sob pena de pagamento de multa diária de R$ 5 mil, revertida ao fundo disciplinado pelo art. 13 da Lei n. º 7.347/1985, a Lei da Ação Civil Pública.

Importante registrar, ainda, que o Distrito Federal interpôs recurso de apelação, contudo não há indicativo de aceite sob o manto do efeito suspensivo, cabendo, portanto, ao Governo do Distrito Federal o imediato cumprimento da sentença.

Não se pode olvidar que o transporte é direito fundamental, incorporado pela Emenda Constitucional n. º 90/2015, ao rol do caput do art. 6. º da Lex Fundamentalis – o qual inaugura o Capítulo II do Título II, referente aos direitos sociais.

A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, logo na alínea c de seu preâmbulo, obriga aos Estados Partes reafirmarem valores como a universalidade; a indivisibilidade; a interdependência e a inter-relação de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais.

Em seu art. 9, ao disciplinar a respeito do direito à acessibilidade, o diploma normativo em comento – com o escopo de propiciar às pessoas com deficiência viver de forma independente e conferir-lhes participação plena em todos os aspectos da vida – impõe aos Estados partes a obrigação de adotarem medidas aptas a proporcionar-lhes, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, o acesso, entre outros direitos, ao transporte.

A Lei n. º 13.146/2015 – Estatuto da Pessoa com Deficiência – no seu Título III – trata a respeito da temática acessibilidade, sendo que o art. 53, ao conceituá-la, corrobora tudo o que foi dito até o momento. Senão, vejamos: “Art. 53. A acessibilidade é direito que garante à pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida viver de forma independente e exercer seus direitos de cidadania e de participação social”.

Hoje, a inclusão social das pessoas com deficiência se constitui em política de Estado, devendo ser implementada por qualquer governo. Apenas dessa maneira, o respeito à sua dignidade será efetivado.

Cumpre esclarecer que a imposição da multa diária quer tirar o governo do DF da letargia em que se encontra, e fazê-lo cumprir suas obrigações com parcela da população tão vulnerável e relegada da atenção governamental.

Agimos por mais implementação dos direitos das pessoas com deficiência e menos retórica. Esses são os votos da Seccional do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/DF) exteriorizados por meio da Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência.

● Bruno Henrique de Lima Faria é presidente da Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da OAB/DF