Este artigo foi publicado no Correio Braziliense de 14/12/2020.
A História nos traz a informação de que, até pouco tempo, as pessoas com deficiência eram consideradas objeto de direito. Parece ilógico e irônico uma afirmação desta pujança; mas não é: até a Segunda Guerra Mundial, éramos vistos como seres impuros e inferiores, que mereciam ser dizimados, porque não seríamos úteis aos escopos das políticas públicas empreendidas; e, portanto, não éramos dignos de pertencer à raça superior ariana.
Com o fim do conflito, o direito positivo, de matriz kelseniana, passou a ser ponderado por valores/princípios, possibilitando uma aplicação mais equânime do Direito. E entre esses vetores, encontram-se as cidadania e dignidade da pessoa, insculpidas no art. 1. º, incisos II e III da Constituição de 1988 e consideradas fundamentos da República Federativa do Brasil.
O paradigma mudou: o ser humano passou a ser o centro e o destinatário das políticas públicas; de servo, ele passa à condição de amo. Entretanto, parece-nos que, hodiernamente, para o Estado Brasileiro e, em especial, para o Distrito Federal, não seja assim: continuamos objetos de direito e serviçais!
Isso porque, mesmo após a incorporação, por meio do Decreto Legislativo n. º 186/2008, da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e das promulgações do Estatuto da Pessoa com Deficiência, concretizada pela Lei n. º 13.146/2015, e mais recentemente do Estatuto da Pessoa com Deficiência do Distrito Federal, levada a efeito pela Lei n. º 6.637/2020, continuamos relegados a segundo plano.
Prova disso é o descaso do Distrito Federal, exteriorizado pelo seu governo, ao descumprir sentença proferida em 14 de agosto de 2020, pela 3ª Vara de Fazenda Pública do Distrito Federal, julgando procedente a Ação Civil Pública ajuizada pela OAB/DF e condenando-o nas obrigações de reparar e manter em funcionamento todos os elevadores e escadas rolantes existentes na Rodoviária do Plano Piloto, devendo observar as normas técnicas brasileiras de acessibilidade, sob pena de pagamento de multa diária de R$ 5 mil, revertida ao fundo disciplinado pelo art. 13 da Lei n. º 7.347/1985, a Lei da Ação Civil Pública.
Importante registrar, ainda, que o Distrito Federal interpôs recurso de apelação, contudo não há indicativo de aceite sob o manto do efeito suspensivo, cabendo, portanto, ao Governo do Distrito Federal o imediato cumprimento da sentença.
Não se pode olvidar que o transporte é direito fundamental, incorporado pela Emenda Constitucional n. º 90/2015, ao rol do caput do art. 6. º da Lex Fundamentalis – o qual inaugura o Capítulo II do Título II, referente aos direitos sociais.
A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, logo na alínea c de seu preâmbulo, obriga aos Estados Partes reafirmarem valores como a universalidade; a indivisibilidade; a interdependência e a inter-relação de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais.
Em seu art. 9, ao disciplinar a respeito do direito à acessibilidade, o diploma normativo em comento – com o escopo de propiciar às pessoas com deficiência viver de forma independente e conferir-lhes participação plena em todos os aspectos da vida – impõe aos Estados partes a obrigação de adotarem medidas aptas a proporcionar-lhes, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, o acesso, entre outros direitos, ao transporte.
A Lei n. º 13.146/2015 – Estatuto da Pessoa com Deficiência – no seu Título III – trata a respeito da temática acessibilidade, sendo que o art. 53, ao conceituá-la, corrobora tudo o que foi dito até o momento. Senão, vejamos: “Art. 53. A acessibilidade é direito que garante à pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida viver de forma independente e exercer seus direitos de cidadania e de participação social”.
Hoje, a inclusão social das pessoas com deficiência se constitui em política de Estado, devendo ser implementada por qualquer governo. Apenas dessa maneira, o respeito à sua dignidade será efetivado.
Cumpre esclarecer que a imposição da multa diária quer tirar o governo do DF da letargia em que se encontra, e fazê-lo cumprir suas obrigações com parcela da população tão vulnerável e relegada da atenção governamental.
Agimos por mais implementação dos direitos das pessoas com deficiência e menos retórica. Esses são os votos da Seccional do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/DF) exteriorizados por meio da Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência.
● Bruno Henrique de Lima Faria é presidente da Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da OAB/DF