O exame não precisa ser anulado, diz Estefânia Viveiros

Em entrevista ao Correio Braziliense, publicada sábado (25), Estefânia Viveiros revela o resultado dos trabalhos da
comissão interna da OAB/DF designada para investigar a fraude no Exame de Ordem de 2006. A matéria é assinada pelas jornalistas Samanta Sallum e Elisa Tecles. Confira:

Depois de quatro meses de trabalho intenso, a presidência da Ordem dos Advogados do Brasil no DF divulgou ontem (24) o resultado da investigação interna sobre irregularidades no Exame de 2006. Comissão criada especialmente para aprofundar as denúncias concluiu que nove candidatos fraudaram o processo, que mede o nível de conhecimento dos bacharéis para obter o direito de exercer a advocacia. Todas as provas dos três concursos realizados no ano passado foram analisadas. A apuração constatou que além dos três candidatos já identificados na seleção de dezembro daquele ano, outros seis também tinham sido beneficiados indevidamente.

Em entrevista exclusiva ao Correio, a presidente da OAB, Estefânia Viveiros, contou que a entidade está convicta de que não é necessário anular o processo de 2006, porque o resultado das investigações demonstrou que a fraude foi pontual e já localizada.“Seria uma injustiça com a maioria dos candidatos que passou legitimamente, que já estão advogando, anular o processo agora. No meu entendimento, o pedido do Ministério Público para que fosse realizada nova prova foi prematuro”, destacou Estefânia. No exame de dezembro passado, participaram cerca de 2,5 mil candidatos e cerca de 500 passaram.

Foram abertos processos internos contra os nove candidatos e uma professora da banca examinadora, apontada como a que ajudou a promover a fraude. O resultado das apurações da comissão, presidida pelo advogado Walter do Carmo Barletta, está sendo encaminhado à Polícia Federal, que também investiga o caso.

O que foi constatado na apuração interna sobre a fraude no exame? Nós temos uma comissão, composta por três conselheiros, que concluiu todos os trabalhos em relação à irregularidade no Exame de Ordem. Ontem (quinta-feira), houve a apresentação do relatório final que foi aprovado com unanimidade pelo conselho pleno da OAB. Estão identificadas fraudes em nove provas do exame. E elas referem-se a 2006.

Como foi esse trabalho de investigação? A comissão começou pelas provas de dezembro de 2006, quando foram detectadas cinco fraudes. Nessas provas, constam canetas diferentes, letras diferentes — a letra utilizada não é do candidato. Isso tudo com base em um laudo grafoscópico, diante de uma perícia feita para auxiliar os trabalhos. No total, eram 486 provas. No segundo exame, existem duas fraudes — a letra de uma das prova é da professora da banca, conforme comprova a perícia técnica. Em outra situação, por exemplo, vimos que a letra na prova é do candidato, mas o conteúdo é igual ao gabarito apresentado pela professora. Era tudo na penal, com a mesma professora, da mesma faculdade, a Uniero.

Foi um pente fino mesmo? Sim. A gente resolveu contratar um perito, porque nada como um perito para levantar essa questão do conteúdo. Identificamos também que a professora da banca beneficiou outro candidato na correção. Nós temos uma peça processual e quatro questões para responder na segunda prova. Na peça processual, o candidato colocou somente o cabeçalho e tudo em branco. Ainda assim a professora atribuiu pontuação a isso.

A nota estava muito alta, não correspondia ao conteúdo das respostas? Exatamente. E também teve prova em branco, não tinha nada, mas tinha nota. Foram atribuídos pontos pela professora de penal da mesma faculdade. Com isso, chegamos a nove fraudes em 2006. Então são 10 pessoas envolvidas, porque está comprovada a letra da professora na provas de um candidato.

Daqui para frente o que acontecerá com os candidatos e a professora? Quando tomamos conhecimento da perícia, que consta a letra da professora, de imediato eu determinei a abertura de dois processos internos: um de inidoneidade moral, que já teve o contraditório apresentado, e segundo, o encaminhamento para o Tribunal de Ética para averiguar a suspensão preventiva da carteira. O processo será julgado em 29 de agosto (próxima quarta-feira). Quais são as conseqüências: perder a carteira e deixar de advogar até o cumprimento de toda a penalidade.

Os resultados estão com a Polícia Federal e Ministério Público? Sim. A OAB detectou a fraude, e a própria Ordem levou à PF. Tudo o que a gente faz de perícia, encaminhamos para a PF, estamos colaborando com a polícia. A metodologia da comissão é ir de trás para frente, então agora ela deveria analisar as provas de dezembro de 2005. Mas o Ministério Público solicitou as provas, por isso encaminhamos 7.641 provas, referentes a 2004 e 2005, e registramos no ofício que a nossa investigação estaria fechando 2006, então não dava para mandar agora as de 2006. Registramos que não mandamos porque faltava conferir as provas.

Ontem, foi apresentada a conclusão da comissão, e agora sim vamos mandar as outras. Como avalia esse episódio? Houve falha de segurança? Lamento o ocorrido. Mas a fraude de 2006 veio da própria integrante da banca, que é professora. Quando há o convite para fazer a banca, você confia, seja pelo caráter ou pela confiança. No momento que você tem a quebra de confiança de um professor que elabora a prova, isso pode atingir todo e qualquer concurso.

E a polêmica sobre a saída de Délio Lins e Silva da presidência do Tribunal de Ética? Primeiro, convém explicar o processo de tramitação no Tribunal de Ética e o processo da comissão criada para a investigar o caso. Todos os processos que tramitam no tribunal são para analisar os atos praticados por advogados e por estagiários inscritos. As penalidades são suspensão, exclusão ou advertência. Em razão de ter configurado as três fraudes nos exames de dezembro de 2006, foi aberto por nós da OAB, o processo. O que poderia ser feito nesse processo? Analisar a conduta dos candidatos e poderia ocasionar a censura, expulsão, especificamente. O que aconteceu neste processo? Ele quis investigar os funcionários, mas não tem competência para tal porque só pode investigar advogado e estagiário. Quem investiga tudo é a comissão, até porque ele não tem penalidade para aplicar aos funcionários.

Como avalia o que aconteceu na OAB de Goiás há dois meses quando integrantes da direção foram presos pela PF por venderem as provas? São situações completamente diferentes. Lá, está em apuração. A Ordem prima pelo cumprimento das leis, que cada um responda pelos atos cometidos. Na minha gestão, nada vai para debaixo do tapete, porque nós tomamos a iniciativa e conseguimos detectar as fraudes. No momento que estiver pronta a apuração, todo mundo deve responder, seja quem for. Com relação a Goiânia, algumas medidas já foram tomadas, porque faziam parte pessoas da diretoria, o presidente da própria comissão, funcionários. O conselho federal está participando e fazendo um levantamento. Ficou comprovado que o presidente lá não está envolvido em nada, as pessoas já foram afastadas, e está em apuração. Sempre falo que a única coincidência com o DF foi o tempo, porque lá era uma quadrilha especializada em fraudes.

Há motivos para o Exame de 2006 ser anulado? No momento que a comissão interna conclui que em 2006 existiram nove provas fraudulentas, isso vem registrar que a fraude foi pontual. Se ela foi pontual em relação a uma matéria, a uma faculdade, em decorrência de uma professora na banca, não haveria necessidade de anulação do exame. O que já decidiu o próprio conselho pleno da OAB: não haveria que se falar em nulidade. A prova da OAB é diferente de um concurso público, quando um advogado é aprovado, ele não está tirando a vaga de ninguém, porque não existe número limitado para aprovação. Não há necessidade em anular esse exame. Até porque, seria punir todos aqueles que estudaram, que já estão advogando.

Espera que o Judiciário tenha o mesmo entendimento em relação ao pedido do MP? Analiso que o pedido no MP foi extremamente prematuro, até porque, quando foi feito, não tinha conclusão interna nem da Ordem, nem da Polícia Federal, nem do MP, que só recebeu as provas há uma semana. A Ordem tem um prazo para sua defesa, esse prazo ainda está em curso, e lá nós estamos defendendo a não anulação do exame considerando a pontualidade da fraude nesses exames. Eu acho que você estaria prejudicando aqueles que agiram de boa-fé, que se dedicaram e hoje estão com a carteira.

A entidade sofreu desgaste pelo caso? Quero enfatizar que foi a Ordem que descobriu a fraude, levou até a Polícia Federal. A entidade tem interesse em toda a apuração, e se ficar configurado todos irão responder. A ordem concluiu o trabalho de verificação das fraudes do exame da ordem de 2006. Enquanto nos empenhávamos em esclarecer tudo, tentaram usar o caso para fins eleitoreiros. Mas afirmo que hoje, depois de eleita, eu me considero presidente dos 25,6 mil advogados da Ordem.

O alto índice de reprovação no exame tem relação com a proliferação de faculdades de Direito? Direta. Das 23 faculdades de Direito do DF, apenas nove fazem exames de ordem, e sempre que existe a inclusão de mais uma faculdade com sua primeira turma, há uma diminuição na aprovação. Percebe-se que falta fiscalização do próprio Ministério da Educação e falta qualidade de ensino jurídico. A Ordem não é contra as faculdades, ela busca a qualidade do ensino jurídico.