Artigo: As desigualdades sociais e regionais, direitos humanos e intolerância - OAB DF

“Ser inclusivo, ser plural, ser independente,
ser uma referência no exercício da cidadania.”

DÉLIO LINS

Artigo: As desigualdades sociais e regionais, direitos humanos e intolerância

O artigo “As desigualdades sociais e regionais, os direitos humanos e a intolerância” é de autoria do secretário-geral da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcus Vinicius Furtado Coêlho:

A República Federativa do Brasil é fundada na diminuição das desigualdades sociais e regionais, em vista a construção de uma sociedade justa, fraterna e solidária, afirmando o postulado da dignidade da pessoa humana.

São princípios complementares, pois não há falar em proteção aos direitos humanos sem assegurar oportunidades iguais a todos os nacionais.

A igualdade formal ou jurídica não é suficiente para atender as exigências do mundo atual, fazendo-se necessário construir a igualdade material, no plano dos fatos, na realidade concreta. Daí a essencialidade das ações afirmativas, concretizando a igualdade, ao tratar desigualmente os desiguais, na medida inversa em que se desigualam. O ordenamento, ao editar uma cercadura de proteção às minorias sociais e aos excluídos, como se verifica nos casos da lei Maria da Penha e das quotas raciais, dá efetividade ao postulado da dignidade da pessoa humana.

A emancipação dos excluídos e a superação das desigualdades regionais são tarefas fundamentais para a realização valor igualdade.

O massacre contra Judeus em Toulouse, França, e a prisão de dois homens, em Curitiba, por mensagens racistas contra nordestinos e negros, fatos ocorridos há poucos dias, devem merecer reflexão sobre o risco da ideologia extremista, pregadora da superioridade de uns sobre os outros, negadora da sociedade pluralista, fraterna e igual.

A proibição de qualquer forma de discriminação, inclusive de raça, sexo e origem, bem assim a diminuição das desigualdades sociais e regionais, promessas constitucionais inconclusas, devem ser efetivadas como antídoto ao discurso reacionário que provoca práticas desumanas.

Em igual modo, a construção de um Brasil igual torna necessário o tratamento afirmativo em relação aos Estados menos populosos e com menor desenvolvimento sócio-econômico, com a aplicação da teoria material da igualdade. É dizer, os Estados da federação menos aquinhoados devem ser tratados com a proteção política de sua importância no contexto da federação. Tal pacto federativo é essencial para a sobrevivência da Nação e para o cumprimento da promessa constitucional de diminuição das desigualdades regionais. Todas as medidas políticas que visam diminuir a importância dos Estados menos populosos ferem frontalmente tal princípio constitucional.

Reconhecer no outro uma pessoa merecedora de tratamento digno, eis o sinal de civilidade, significando a vitória da ideologia cristã da sociedade fraterna. Por certo, o cristianismo trouxe “uma inestimável contribuição à consciência política do ocidente e a partir dele, para todo o mundo: a dignidade inviolável da pessoa humana, por pobre e miserável que apareça; daí se derivam os direitos universais, os ideais de igualdade, liberdade e fraternidade, e a própria idéia de democracia.”(1).

Não se olvide que a Páscoa, entre os Hebreus, marcava a libertação dos escravos do Egito, sob a liderança de Moisés, em 1250 a.C, durante o reinado do Faraó Ramsés II. O projeto fraterno possui crença “na força dos pequenos e dos que sofrem, que é luz para o mundo; na causa dos menores abandonados, dos desempregados, dos povos indígenas, dos sem-terra e dos migrantes; na sua força histórica e no seu futuro; na possibilidade de transformações que farão emergir um mundo novo para todos.”(2)

O projeto de sociedade inspirada nos ideal de igualdade há de povoar coração e mentes de cristãos e não-cristãos, englobando todos que não se conformam com a realidade brasileira, permeada por um enorme fosso sócio-econômico que separa os poderosos e os de baixo, vendo na participação cidadã uma forma de superação da atual estrutura social e a efetividade dos direitos humanos. Tais direitos são reconhecidos historicamente, tendo gradual origem na defesa de novas liberdades contra velhos poderes, mas são fundamentais e inerentes à natureza humana (3). Os direitos humanos são reconhecidos, não concedidos, pela sociedade política (4).

O Estado Democrático de Direito apenas existe onde ocorre o devido respeito aos direitos humanos. Não há um sem o outro, pois a autonomia privada e a autonomia pública se pressupõem mutuamente. Não há como o cidadão fazer bom uso de sua autonomia pública sem liberdade de escolha. Por outro ângulo, a independência na esfera privada apenas existe com a utilização adequada da autonomia pública (5). Os direitos políticos, inerentes a democracia, e os direitos individuais de liberdade, são indissociáveis.

A intolerância e o autoritarismo andam juntos, são duas faces do mesmo problema social, incompatíveis com a democracia, que pressupõe a pluralidade, com a respeitosa convivência entre os diferentes. Não por acaso, as pessoas intolerantes tendem ao autoritarismo. Os regimes extremistas costumam ser ditatoriais. A ditadura é o regime dos intolerantes. O autoritarismo é a conduta dos “donos da verdade”, incompatíveis com o respeito aos direitos humanos.

Tornar efetivo o valor constitucional da igualdade, diminuindo as desigualdades sociais e regionais, bem assim efetivando o pleno respeito aos direitos humano, eis a meta a ser alcançada para impedir a escalada da intolerância e assegurar a vitória do regime da pluralidade, da fraternidade e da centralidade da pessoa humana.

Referências:
(1)BOFF, Leonardo. Cristianismo, O Mínimo do mínimo. Ed. Vozes, RJ:2011, pags. 176/177.
(2)

Grechi, Dom Moacyr. Pronunciamento por ocasião de seu Jubileu Sacerdotal. Missa Solene, Catedral Sagrado Coração de Jesus, Porto Velho, Rondônia, 29 de junho de 2011.
(3)

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1992. Pág. 05.
(4) HERKENHOFF, João Baptista. Curso de Direitos Humanos – Volume I (Gênese dos Direitos Humanos). São Paulo: Editora Acadêmica, 1994. Pág. 30 e 31.

Fonte: Conselho Federal da OAB