Direito de empresa
Considerações gerais – O direito enfeixa especialidades e especificidades à medida que as relações humanais se tornam ricas e complexas, sob o desígnio de interesses que exprimem necessidades materiais ou imateriais, segundo o grau civilizatório que os povos alcançam de acordo com as idiossincrasias que revelam culturas em cujo espaço se afirma a existência social e moral.
O direito migra de sistema disciplinar, de fundo moral, abreviado, para um complexo regime regulatório que se singulariza segundo a natureza da relação e a espacialidade, sob a influência da soberania, que, presentemente, transcende o conceito estatal, porquanto a territorialidade, por si, já não confrange, totalmente, o alcance da norma.
O direito é fruto da moral em adaptações e em criações que transcendem o conceito formal, assentado na primazia de categorias axiológicas determinantes na construção de um sistema legal. As relações humanas têm dimensões objetivas e subjetivas, preponderantes nas escalas subjacentes com que se demarca a expressão valorativa do princípio, resultante da consciência social que urbaniza as bases sob as quais se organiza o homem, sujeito da história.
O homem faz o direito, mas o direito não faz o homem, principalmente sob o prisma da universalidade, haja vista as caprichosas formações culturais que ora aproximam ora distanciam a igualdade da condição humana. À simplicidade das relações sociais, tecidas em limitadas necessidades humanas, equivaliam minguadas regras de disciplina, a regê-las, improvisadas mais pela influência da moral e menos pelo corpo legislativo estatal, ainda disforme.
A travessia dos espaços físicos conjugou culturas, produziu desenvolvimento e instigou novas necessidades, processo ambientado em perspectiva histórica, mutatória em interesses cobiçados pelo homem sempre em transformação civilizatória. O crescimento de relações sociais exigia adequações disciplinares para estabelecer bases normativas, muitas das quais hauridas do costume, fonte relevante do direito.
O direito se tornava mais complexo, por força do multifacetado mundo que nascia, contagiado pela inquietude do homem, ao tempo em que segmentos sociais que desenvolviam o processo de produção e de distribuição de bens, mesmo que tosco, se pautavam por regência consuetudinária.
Mudanças graduais no campo do engenho humano, com a transformação do conhecimento, libertaram e ampliaram os horizontes das relações sociais e econômicas. A introdução de técnicas na produção e distribuição de riquezas lançava o homem às relações que ultrapassavam fronteiras culturais e, por conseguinte, reclamava a adoção de regras comuns para discipliná-las, em face da natureza dos povos de diferentes matizes sociológicas.
Povos diferentes em costume, em nome da satisfação de necessidades substanciais, estabeleciam, pela via do costume, modos e regras elementares que grassavam em várias partes do mundo que se conhecia e que se comunicava.
O comércio nasce com o homem civilizado, ainda que sob prática rudimentar no processo de produção e circulação de bens, necessidades que justificam o empreendimento de recursos materiais para a consecução de interesses simples ou complexos, gradualismo que dinamiza a atividade organizacional que agrega técnicas de conhecimento que evoluíram de acordo com o grau de domínio científico.
O processo civilizatório, longo e traumático, arrancado à luta travada no campo da força e da razão, modificou hábitos e aproximou os homens, que logo compreenderam a importância de organizar sistema regulatório capaz de impor um mínimo comum, parâmetro dogmático da disciplina principalmente relacionada à produção e ao tráfico de bens.
Classes sociais destacadas pela produção e circulação de bens, em várias partes do mundo, se apropriam de regime normativo que se espraia pelo costume, sob o regime de linguagem universal do comércio. Normas embrionárias se transformam em dogmas nas relações comerciais e ganham o mundo ultramarino, já quase sem fronteiras para preservar os hábitos locais.
Fundam-se as bases do direito comercial, com assimilação pelas partes que reconhecem as normas que se aplicam ao mundo dos negócios. Tardiamente, os estados soberanos, mesmo sob a rigidez do domínio monárquico ou dinástico, recepcionam, gradualmente, as práticas do comércio, disseminadas pelo espírito aventureiro e explorador do homem.
A organização de normas relativas ao comércio, como atividade econômica que compreendia, à época, os ciclos de produção e distribuição de riquezas, teve caráter transcendente ao domínio da soberania, pela força do regime que exprimia princípios que governavam, comumente, as relações que interessavam aos homens que faziam circular bens de consumo.
As regras sobre o comércio prefaciam a internacionalização involuntária do direito, ainda que de forma assistemática, mas, lentamente, se internalizam em manuais normativos. Os comerciantes, no mundo, passam a gozar de regras especiais para explorar a atividade mercantil, sob o regime da especialidade que se apropria de conceitos que, em muitos casos, excepcionalizam o direito comum, de caráter privado.
Linguagem própria e tomada ao costume pautava o intercâmbio do comércio, reservado à classe que desfrutava de privilégio para dispor de regras de comando em relação à atividade comercial. Comerciante, mais do que explorador e sujeito do ato do comércio, significava categoria jurídica, com tratamento especial e específico quanto aos direitos e aos deveres.
Figura nuclear da atividade econômica, que englobava a produção e a distribuição de riqueza, o comerciante se moderniza mediante a adoção de técnicas que decorrem da ampliação do domínio do conhecimento, situação em decorrência da qual deflui o enriquecimento dos métodos de gerar riquezas.
O comerciante primevo se transformou em sujeitos que pertencem aos vários campos onde estão as pessoas que produzem e comerciam bens, porque as atividades econômicas, já sob a dicção do senhor mercado, se especializaram, com requinte e sofisticação da industrialização e circulação de riquezas.
Hoje, apresenta-se a figura do empresário, variegado no papel de pessoa que exerce, profissionalmente, atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou serviços. A complexidade das relações sociais e econômicaS forçou o aprimoramento do direito, que teve de contemplar as inovações que envolveram o processo em que se geram e distribuem riquezas, muito mais do que a simples compreensão de que tudo estava sob a seara do então comerciante, figura que foi substituída pelo empresário.