Honorários de sucumbência: Uma questão de dignidade - OAB DF

“Ser inclusivo, ser plural, ser independente,
ser uma referência no exercício da cidadania.”

DÉLIO LINS

Honorários de sucumbência: Uma questão de dignidade

Quanto vale o trabalho de um advogado que atuou em um processo no qual se discutia a cobrança indevida de R$ 9,6 milhões do Estado contra um contribuinte? Para alguns juízes, R$ 600. Ainda que o advogado tenha vencido a causa, trabalhado efetivamente por três anos na ação e demonstrado que seu cliente nada devia aos cofres públicos. O caso, que poderia ser contado como piada de salão, aconteceu, de fato, em uma das varas da Fazenda Pública do Distrito Federal.

A decisão que fixou o valor dos honorários foi mantida pelo Tribunal de Justiça. Os desembargadores consideraram que o valor era compatível com a atuação do advogado na causa. Na sustentação oral em defesa do valor do seu trabalho, o advogado Jacques Veloso anotou que R$ 600 não custeavam sequer o que havia gasto com as despesas de estacionamento. O valor destinado a recompensar o ofício do advogado corresponde a 0,0062% do montante do processo, que durou 15 anos.

Jacques Veloso entrou no caso ainda como estagiário e reassumiu o processo anos depois. Efetivamente, trabalhou por três anos na ação. Feitas as contas, a Justiça considerou que seu trabalho vale R$ 200,00 por ano — ou R$ 18,00 por mês. “É obviamente aviltante, principalmente diante da enorme quantia em jogo nos autos”, afirmou o advogado.

Mas Veloso não está sozinho. Há notícias de honorários fixados em R$ 4,00 — isso mesmo, quatro reais — em uma comarca do Rio Grande do Sul. Com frequência chegam à OAB/DF, formal ou informalmente, reclamações de advogados cujos honorários foram fixados em valores risíveis, para dizer o mínimo. Um caso que chegou à Comissão de Honorários foi o do advogado Paulo Palhares. Em uma causa no valor de R$ 4,3 milhões, foram fixados honorários de sucumbência de R$ 3 mil. O processo sequer envolvia a Fazenda Pública, o que demonstra que o argumento de proteção ao erário usado por muitos juízes para aviltar os honorários não reflete a verdade.

Por conta disso, a Seccional decidiu enviar ofícios para todos os desembargadores e juízes do Distrito Federal, exceto os que exercem suas funções na área penal, para ressaltar a importância de se recompensar devidamente o trabalho do advogado.

Para o presidente da OAB/DF, Ibaneis Rocha, honorários devem ser vistos como o que realmente são: a remuneração pelo trabalho bem desenvolvido pelo advogado, tanto que são classificados como verba alimentar. Honorários não são concessões feitas pelo Judiciário ao advogado, mas direito previsto em lei, no Código de Processo Civil.

“A intenção da Ordem, ao enviar os ofícios, é a de esclarecer aos juízes que o aviltamento dos honorários não provoca prejuízos apenas aos advogados, mas a toda a sociedade. Por quê? Uma das consequências imediatas, por exemplo, é a de que, ao prever a possibilidade de receber honorários sucumbenciais irrisórios, o advogado aumente os honorários cobrados do cliente, do cidadão que custeia o funcionamento da máquina judiciária”, afirma Ibaneis.

Nos ofícios, que dão início a um novo movimento que será encampado pela OAB/DF em 2014, de defesa dos honorários dos advogados, o presidente, antes de atacar os juízes, tenta abrir um canal de diálogo permanente com o Judiciário para que a questão seja tratada com a importância que merece. Segundo Ibaneis, honorários são coisa séria e deles dependem o advogado, que segundo o mandamento constitucional do artigo 133, é indispensável à administração da Justiça.

No documento enviado aos juízes, o presidente destacou que “a OAB/DF atua de forma institucional buscando que os critérios previstos no Código de Processo Civil e no Estatuto da OAB para a fixação de honorários advocatícios não sejam enquadrados em padrões e fórmulas que tornem o magistrado distante da angústia com que lida o advogado em cada um dos seus processos e do denodo e da responsabilidade que lhe pesam sobre as costas na condução de cada demanda”.

O presidente da Comissão de Honorários da OAB/DF, Juliano Costa Couto, afirma que a entidade tem procurado atuar em casos paradigmáticos para fazer valer a lei. O trabalho em prol de honorários decentes faz parte das atribuições legais da Ordem. A comissão já obteve algumas importantes vitórias, mas nem sempre seu papel consegue ser bem compreendido pelos juízes.

Interpretação equivocada
O aviltamento dos honorários é fruto de um desvirtuamento legal. O Código de Processo Civil prevê, expressamente, que a verba deve ser fixada entre o mínimo de 10% e o máximo de 20% sobre o valor da condenação, atendidas três condições: o grau de zelo do profissional, o lugar da prestação do serviço, além da natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.

Acontece que o parágrafo 4º do artigo 20 do CPC, que estabelece as regras para a fixação dos valores, abre uma brecha para que os honorários sejam aviltados, como vem ocorrendo em inúmeros casos. Diz o texto legal: “Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação eqüitativa do juiz”. O que deveria ser uma baliza para uma fixação justa, tem servido para baixar a níveis inaceitáveis a recompensa do advogado pelo seu trabalho.

No projeto de reforma do CPC, aprovado na Câmara e, até o fechamento desta edição da Revista Jurídica, na dependência da votação de destaques para seguir ao Senado, corrige isso e fixa expressamente como devem ser fixados os honorários nas causas em que a Fazenda Pública é derrotada. Neste caso, diz o texto: “Os honorários serão fixados entre o mínimo de cinco por cento e o máximo de dez por cento sobre o valor da condenação, do proveito, do benefício ou da vantagem econômica obtidos”.

Não por outro motivo a Seccional do DF da Ordem dos Advogados acompanhou de perto a tramitação da proposta. O presidente da OAB/DF, Ibaneis Rocha, esteve em diversas oportunidades na Câmara, em companhia da ex-presidente da Seccional do DF, Estefânia Viveiros, que preside a Comissão Especial de Estudos do Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil, em trabalho de corpo a corpo junto aos parlamentares.

Além disso, conselheiros da Seccional também acompanham de perto a tramitação do projeto: Elomar Lobato e Paulo Nardelli, respectivamente presidente e membro da Comissão da Advocacia Pública Federal da OAB/DF; Aldemário Araújo, conselheiro federal pela OAB/DF; e Jackson Domenico, presidente da Comissão de Assuntos Legislativos da Seccional.

Há ainda outros avanços no texto aprovado. Foi reforçado que honorários têm caráter alimentar, permitida a percepção de honorários por pessoa jurídica e fixado que os honorários estabelecidos nas causas em que a União se sagra vencedora pertencem ao advogado público. Mas o texto ainda poderá ser modificado, por isso requer atenção. A garantia de os advogados públicos receberem honorários foi incluída depois que membros da Comissão de Advocacia Pública da OAB/DF se empenharam em dialogar com parlamentares para que o tema constasse no novo CPC.

Da mesma forma, a Seccional está empenhada no trabalho pela aprovação da proposta que fixa a garantia de percepção de honorários de sucumbência nas causas trabalhistas. O projeto em trâmite no Congresso reconhece que o advogado é indispensável para a administração da Justiça também na esfera do Direito do Trabalho e que trabalhadores têm mais chances de ter seus direitos garantidos quando assistidos por um profissional.

Exemplo superior
Apesar do quadro desolador, há casos em que juízes decidem fazer justiça e dar ao advogado os honorários merecidos, de acordo com seu desempenho na causa. Em decisão relativamente recente, o ministro Humberto Martins, do Superior Tribunal de Justiça, elevou de R$ 15 mil para R$ 300 mil a verba honorária em uma execução fiscal de R$ 720 milhões. O valor arbitrado pelos desembargadores federais correspondia a 0,0021% do montante da causa.

De acordo com o entendimento da 2ª Turma do STJ, que seguiu o voto do ministro Martins por maioria, é necessário considerar, para o arbitramento dos honorários, a responsabilidade dos advogados na condução do caso. A decisão reformou acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que havia fixado a verba de R$ 15 mil.

E o tribunal de segunda instância já havia majorado os honorários, fixados, em primeira instância, em irrisórios R$ 500,00. A 2ª Turma registrou que a jurisprudência do STJ caminha no sentido de que se deve ponderar, sempre, a atuação dos advogados na causa, sob pena de violação do princípio da justa remuneração do trabalho exercido.

Para evitar que as causas tenham de percorrer todas as instâncias do Judiciário para que o advogado possa ter seu trabalho reconhecido, o Conselho Federal deverá ajuizar Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o dispositivo do CPC que permite ao juiz fixar ao seu bel prazer as verbas honorárias. Como se disse anteriormente, isso está corrigido no texto do novo Código, mas o seguro morreu de velho e não se sabe quando, de fato, a nova redação será aprovada.

Nos casos em que a Fazenda Pública é vitoriosa, o dispositivo que será questionado fixa os honorários entre 10% e 20% do valor da condenação. Quando é derrotada, a decisão fica por conta do juiz. O vice-presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, afirma que essa é “uma das principais reivindicações da advocacia brasileira” e que a Ordem tenta evitar a fixação de honorários “irrisórios”.

O termo honorário deriva do latim honor, que significa honra. Seu significado é o de um pagamento feito por serviços de especial merecimento. “É por meio do trabalho do advogado que se realiza a Justiça. Logo, é questão de honra, sim defender sua justa remuneração. A OAB/DF não medirá esforços para corrigir as injustiças da história recente do que toca a esse tema vital para a advocacia”, garante o presidente da entidade, Ibaneis Rocha.

Comunicação social – jornalismo
OAB/DF