A Comissão da Memória e da Verdade da Seccional do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/DF) realizou nesta segunda e terça-feira (27/09 e 28/09), das 17h às 21h, o Seminário Internacional: Memória, Verdade e Democracia. O seminário teve como objetivo levantar questões acerca das permanências autoritárias típicas de uma Justiça de transição inacabada, e quais são seus impactos institucionais deixados principalmente no sistema de Justiça.
A presidente da Comissão da Memória e da Verdade da OAB/DF, Maria Victoria Hernandez Lerner, ao abrir a cerimônia, relembrou vários feitos da Comissão na busca de manter a memória, a verdade e a democracia. “Em fevereiro de 2021 fizemos uma live que nos impulsionou para o momento desse seminário, que foi a live ‘Autoritarismo e Sistema de Justiça no Brasil’. Então, hoje a minha palavra é de gratidão.”
Realizações da Comissão da Memória e da Verdade da OAB/DF
Entre os feitos citados por Maria Victoria, a Comissão comemorou em seu seminário seis lives abordando diversos temas, indo desde os “37 anos da interdição da OAB/DF” até “Povos Indígenas e a Ditadura Militar no Brasil”. Além das lives a Comissão realizou duas palestras tratando dos temas, “a Luta: substantivo feminino” e “Sistema Interamericano e o Direito à Memória e à Verdade”. Finalizando as atividades da Comissão, aconteceu também em dezembro de 2020 uma reunião online das Comissões da Memória e da Verdade das Seccionais da OAB. O seminário concluiu um ano de atividades da Comissão.
A integrante da Executiva Nacional da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), Vera Lúcia, parabenizou a Comissão pelo trabalho desempenhado em prol da democracia. “Ressalto a importância do trabalho de vocês, estampado já nas nossas paredes, registrado em tantas lives, e construído na memória da OAB/DF. Que vocês possam tirar deste seminário uma recomendação para que todas Seccionais do Brasil criem uma Comissão da Memória e da Verdade, isso é sustentáculo para a democracia.”
Palestra Magna: Permanências Autoritárias e o Sistema de Justiça no Brasil
Após o encerramento da abertura do seminário, aconteceu a palestra magna sobre “Permanências Autoritárias e o Sistema de Justiça no Brasil” com a exposição do professor e autor do livro “Ditadura e Repressão”, Anthony W. Pereira. O professor apresentou reflexões sobre alguns mecanismos na área da justiça de transição, e a importância do engajamento popular. “Para mim, no final das contas, apesar de toda minha ênfase em mecanismos que podem ser tomados como ações oficiais, o engajamento da sociedade civil é muito importante.”
Após a fala do professor Anthony, a professora da faculdade de Direito na Universidade de Brasília (UNB), Eneá de Stutz Almeida, iniciou o debate sobre o que foi elucidado pelo professor. Eneá fez algumas considerações sobre a fala de Anthony sobre as construções das memórias. “Eu venho debatendo muito esse tema, especificamente esse assunto com relação a Lei da Anistia que tivemos no Brasil em 1979. O que eu queria lançar como provocação primeiramente sobre a doutrina de segurança nacional que ainda está presente na mentalidade das forças armadas.”
Continuando o debate, o professor associado da faculdade de Direito da UnB, Cristiano Paixão, trouxe algumas observações sobre a questão da memória. “A memória atrai a questão do tempo, que nos impulsiona e nos exige uma ação, e atualmente vivemos um tempo de decisão. Então, quando nós temos uma indefinição com o futuro é porque temos uma questão problemática com o passado.”
O primeiro dia de seminário foi encerrado com a professora da faculdade de Direito da UnB, Loussia Félix, que trouxe o debate sobre transição para a democracia, assunto levantado na OAB/RJ em 1981. “Eles trouxeram um debate sobre algo que nós não ouvíamos muito na faculdade naquela época, que era a democracia. Aquilo foi muito marcante para mim, um lugar onde se era permitido pensar, debater e questionar o então Regime que nós estávamos inseridos.”
Confira aqui o primeiro dia do Seminário Internacional: Memória, Verdade e Democracia.
Luta pela memória
O segundo dia de Seminário teve início com uma breve abertura da presidente da Comissão da Memória e da Verdade, Maria Victoria Hernandez Lerner, que apresentou o tema seguinte do debate, o painel “As Experiências de Profissionais do Direito e as Suas Percepções em Relação às Permanências Autoritárias”, e comemorou a revogação do título doutor honoris causa do Coronel Jarbas Passarinho pela UNICAMP.
“Passados quase 48 anos a UNICAMP, enfim, corrigiu um trágico e enorme equívoco. A concessão desse título honorífico ocorreu certamente por força de constrangimento e privação das liberdades democráticas”, comentou Maria.
Dando prosseguimento à programação, Sônia Maria Alves da Costa, vice-presidente da Comissão e mediadora do painel que tratou sobre a realidade do sistema de justiça no Distrito Federal a partir de experiências profissionais, apresentou o palestrante Fábio Esteves, juiz de Direito do TJDFT e Alessandra Queiroga, promotora de Justiça do MPDFT.
Fábio iniciou seu discurso debatendo sobre o sistema de justiça, transição, memória e verdade, com um olhar enfocado ao Distrito Federal. Através de uma análise histórica, o magistrado conceituou a escravidão com as problemáticas da sociedade atual e relatou sobre os problemas enfrentados sobre a população negra. “Temos uma política muito forte nesse aspecto eugenista”, afirma.
A promotora de justiça, Alessandra Queiroga, deu continuidade ao debate relatando sobre o coletivo do qual faz parte, cujo eixo central para debate e enfrentamento é o racismo estrutural e institucional, o resgate histórico e a justiça de transição. “Estamos colhendo os frutos daquilo que foi a não efetivação de uma justiça de transição no nosso país”, lamenta.
A finalização do painel contou com considerações do professor Paulo Parucker, que enalteceu as falas dos palestrantes e afirmou que “o sistema de justiça ainda enfrentou muito pouco o aspecto do estabelecimento da verdade. Conhecer essas violações dentro do sistema de justiça é algo que ainda está para ser enfrentado de maneira mais sistemática”.
O segundo painel contou com as presenças do ex-ministro Paulo Vannuchi, da doutora em Direito Gabriela Barreto de Sá, e do professor e deputado distrital Leandro Grass, debatendo sobre o tema “Memória e verdade em contexto de crise da democracia”.
Leandro iniciou o debate contando sobre o projeto de renomear a Ponte Costa e Silva para Ponte Honestino Guimarães, trazendo parte da legislação que cita a impossibilidade de nomeação de locais com nomes de pessoas que tenham praticado crimes contra a humanidade ou violado os direitos humanos. “Não podemos desprezar segurança jurídica nesse país, é um direito civil”, afirma. O deputado explicou ainda a história por trás da escolha e da importância do processo de renomear a ponte.
A doutora em Direito, Gabriela Barreto de Sá, contou uma parte de sua própria trajetória no doutorado, falou sobre a importância do aprofundamento no debate sobre a escravidão e a ditadura civil militar no Brasil, memórias essas que para ela, precisam ser exploradas devido ao grande impacto que poduziram. “No caso específico do Brasil, é imperioso reconhecer que a história do Brasil em termos cronológicos, temos mais história em tempos de escravisão do que de liberdade”, conta Gabriela.
O segundo painel foi apresentado pelo ex-ministro de Estado dos Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, que celebrou o fato de representar uma ponte entre gerações. Relembrou a história de Honestino Guimarães, e falou sobre a emoção que sente com o projeto citado por Leandro. “Isso é muito entusiasmante para mim, que desde os 20 anos me envolvi fortemente no tema da luta pela memória, pela verdade e pela justiça”, finalizou.
Fizeram parte da mesa de abertura (27/09), o então presidente da OAB/DF, Délio Lins e Silva Jr., da presidente da Comissão da Memória e da Verdade da OAB/DF, Maria Victoria Hernandez Lerner, e da integrante da Executiva Nacional da ABJD, Vera Lúcia Santana Araújo.
Confira aqui o segundo dia do Seminário Internacional: Memória, Verdade e Democracia.
Texto: André Luca e Rayssa Carneiro (estagiários sob supervisão de Esther Caldas)
Comunicação OAB/DF