ARTIGO: Apoio à PEC 37 (apuração de infrações penais privativas das corporações policiais) - OAB DF

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DÉLIO LINS

ARTIGO: Apoio à PEC 37 (apuração de infrações penais privativas das corporações policiais)

Brasília, 27 de maio de 2013

No dia 20 de maio do corrente, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) manifestou, por ampla maioria, apoio à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) no 37. Essa proposição estabelece a privatividade da apuração das infrações penais pelas corporações policiais. Assim, restaria inequivocamente afastada a atuação válida do Ministério Público nessa seara.

Como Conselheiro Federal da OAB, integrante da bancada da OAB/DF, emprestei meu voto para a formação da deliberação amplamente majoritária referida. Em função desse voto, fui provocado, nos últimos dias, por vários colegas advogados e mesmo por não-advogados, como o meu pai, para justificar a posição sustentada no plenário do CFOAB. A provocação é compreensível, sobretudo diante de uma equivocada campanha midiática que aponta a PEC no 37 como a “PEC da Impunidade”.

Meu posicionamento parte de uma cuidadosa leitura da Constituição, tal como posta pelo constituinte originário. Com efeito, em dois dispositivos o Texto Maior trata explicitamente de “apuração de infração penal”. São os parágrafos primeiro e quarto do artigo 144. Nesses comandos, a “apuração de infrações penais” é expressamente cometida às corporações policiais designadas na Carta Magna (Polícia Civil e Polícia Federal).

Ao Ministério Público, no art. 129 do Texto Maior, o constituinte inaugural reservou os seguintes e relevantíssimos papéis: a) titular da ação penal; b) controle externo da atividade policial e c) requisição da instauração de inquéritos policiais e diligências no âmbito desses procedimentos.

Perceba-se que o constituinte não menciona clara e expressamente em momento algum, como fez para as polícias, competências investigatórias criminais para o Ministério Público. E há uma razão para tanto. O constituinte inicial desenhou um equilibrado sistema estatal de atuação em relação às infrações penais. Em indiscutível defesa do regime democrático e dos direitos fundamentais, o Texto Maior reservou a investigação criminal à Polícia, a acusação ao Ministério Público e o julgamento ao Poder Judiciário. A distribuição equilibrada e ponderada de poderes estatais nessa seara é de uma clareza solar e busca alcançar os fins constitucionais especialmente nobres antes aludidos.

Admitir que o Ministério Público possui poderes implícitos de investigação criminal, a partir da leitura do art. 129, inciso IX, da Constituição, importa em desequilibrar o balanceamento do sistema construído pelo constituinte primário. Não é por razão diversa que o referido dispositivo constitucional contém a seguinte cláusula “desde que compatíveis com sua finalidade” (para a definição e exercício de outras funções não-expressamente registradas). Ora, não é compatível com as finalidades do Ministério Público conduzir diretamente a investigação penal. O constituinte, sem dúvida razoável nesta afirmação, colocou o Ministério Público fora (numa posição externa) do inquérito policial. Os nobres integrantes dessa valorosa instituição atuam no inquérito policial de “fora para dentro”. Afinal, o controle é externo e a instauração do procedimento ou realização de diligências são requisitados, não são pura, simples e diretamente realizados.

Ressalte-se que na Lei Orgânica do Ministério Público Federal (Lei Complementar no 75, de 1993) não existe nada parecido ou próximo de uma competência investigatória no campo criminal para o Parquet. É sintomático e elucidativo que a Constituição não trate dessa competência e o legislador da Lei Orgânica do Ministério Público também não o faça. Só há uma explicação razoável para essas “ausências”: a competência em debate não figura entre o rol de atuações da instituição ministerial.

Observe-se ainda que o constituinte define a possibilidade do Ministério Público requisitar a abertura de inquérito policial e a realização de diligências no seio do procedimento instaurado. Assim, aplicada a mais elementar lógica formal, não tem sentido dizer que alguém pode determinar a abertura do procedimento e intervir nele de fora para dentro, inclusive realizando seu controle, se pode realizá-lo diretamente.

Aqui cabe destacar que o Ministério Público, instituição que merece todo prestígio, pode e deve combater a impunidade, em níveis preocupantes, exercendo suas missões constitucionais de controle externo da atividade policial e requisição da instauração de inquéritos e diligências investigatórias. O exercício intenso e efetivo dessas missões constitucionais, com amplo respaldo social e institucional, colocariam o combate à criminalidade em patamares consideravelmente superiores. Nesses rumos as energias do Parquet podem e devem ser gastas com os merecidos aplausos da sociedade brasileira.

O argumento “quem pode mais pode menos” não se aplica à matéria. Primeiro, porque não é um raciocínio lógico absoluto com utilização escorreita em todos os quadrantes e casos do universo jurídico. Segundo, porque é preciso verificar a natureza das competências consideradas e se essas não foram expressamente atribuídas a outros atores institucionais. Terceiro, é preciso estar atento para a construção de um eventual sistema para o exercício equilibrado de funções estatais complementares que não se confundem e não devem se confundir.

Na polarização do debate em torno da PEC no 37 uma das vítimas é o Procedimento Investigatório Criminal (PIC). Trata-se de expediente, adotado com fundamento em resoluções do Conselho Superior do Ministério Público e do Conselho Nacional do Ministério Público, para viabilizar, segundo consta, centenas de investigações criminais, já em curso, conduzidas por membros da instituição. Entendo, na linha da argumentação anterior, que esses procedimentos são indevidos ou inválidos como substitutos dos inquéritos policiais. Entretanto, como meros instrumentos de aprofundamento ou esclarecimento de elementos que o Ministério Público já detém, para melhor instrução da denúncia ou mesmo conclusão de que essa não cabe, são perfeitamente válidos.

São preocupantes os rumos da decisão, ainda não concluída, do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário no 593727. Nesse caso, o STF aponta para o reconhecimento de poderes investigatórios criminais para o Ministério Público em dimensões consideráveis. Esse dado demonstra a necessidade jurídica de aprovação da PEC no 37 para adequada e clara fixação da decisão do constituinte originário.

Importa anotar que a solução (ou caminho de solução) dos graves e significativos problemas das deficiências policiais no campo da investigação das infrações penais não passa necessariamente pelo reconhecimento de poderes investigatórios criminais para o Ministério Público. Esses complexos problemas, com múltiplas facetas (logísticas, remuneratórias, tecnológicas, de inteligência investigatória, garantias contra ingerências políticas e econômicas, etc), precisam ser enfrentados por todos, inclusive o Ministério Público e as próprias corporações policiais, de forma clara e transparente.

Portanto, restam evidentes as necessidades política e jurídica de apoiar a PEC no 37. Não se trata de uma postura contrária ao Ministério Público. Muito menos consiste em trilhar um caminho de apoio às corporações policiais. Trata-se de prestigiar a Constituição, o equilíbrio de poderes estatais na seara da apuração e punição de infrações penais, o regime democrático e os direitos fundamentais.

*Aldemario Araujo Castro é mestre em Direito, procurador da Fazenda Nacional, professor da Universidade Católica de Brasília e Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil