por WALDEMIR BANJA Advogado, Conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil/DF Vice-Presidente da Comissão de Estágio e Exame de Ordem
A rigorosa seleção de bacharéis em Direito para o exercício da advocacia, se constitui, entre nós, em medida absolutamente necessária ante a censurável realidade, de regra presente na formação acadêmica dos bacharéis no Brasil. Ademais, a aferição da qualificação técnica do bacharel em direito para o exercício da profissão de advogado, além de contar com o respaldo da lei que regulamenta tal profissão, é medida de benéfica repercussão social que há muito tempo vem sendo adotada em nosso país e em vários outros, inclusive nos Estados Unidos.
Ao tratar dos direitos e garantias fundamentais, a vigente Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XIII, elege à categoria de preceito constitucional o livre exercício de qualquer profissão, desde que atendidos os requisitos e qualificações profissionais que a lei estabelecer. E é o próprio Estatuto da Advocacia (Lei Federal nº 8.906/94) que, em seu art. 8º, dispõe, dentre outros requisitos, ser indispensável para inscrição definitiva nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, a prévia aprovação em Exame de Ordem, regulamentado por provimento do Conselho Federal da OAB.
Destarte, ao impor aos bacharéis em direito a prévia aprovação no Exame de Ordem para o exercício da advocacia, a OAB está agindo na estreita observância da lei e em defesa dos interesses da sociedade, postura prestigiada pelo Poder Judiciário que vem se posicionando pela manutenção e pela constitucionalidade de tal exame (TRF 1ª Região – AC 1999.01.00.049465-7; e AMS 1998.01.00.008671-8).
Convém destacar que a vigente Carta Política da Nação não concedeu a todos o livre exercício de profissões regulamentadas. Somente aqueles que atendam às qualificações profissionais que a lei estabelecer é que poderão exercer profissão regulamentada. Por outro lado, é certo, a Constituição admite que a regulamentação do exercício de determinadas profissões se faça por norma infraconstitucional.
Não é sem razão que o Conselho Federal da OAB baixou o Provimento nº 81/96, regulamentando o Exame de Ordem a ser prestado por quem pretenda exercer a profissão de advogado. De acordo com tal regulamento, o Exame de Ordem abrange duas (2) provas: uma prova objetiva; e outra prova prático-profissional. A primeira constará de no mínimo 50 e no máximo 100 questões de múltipla escolha, a exemplo do que ocorre nas provas de exame vestibular, exigindo-se do candidato ao exercício da advocacia, apenas, a nota mínima cinco (5) para submeter-se à prova subseqüente. Na prova prático-profissional os examinadores avaliam o raciocínio jurídico, a fundamentação e sua consistência, a capacidade de interpretação e exposição, a correção gramatical e a técnica profissional demonstrada pelo examinando, considerando-se aprovado o que obtiver nota igual ou superior a seis (6).
Percebe-se, assim, que basta que o candidato demonstre possuir um razoável domínio do direito para obter sua aprovação no exame. E menos do que isso não é de se admitir, posto que o futuro profissional irá lidar com relevantes valores da sociedade, tais como liberdade, privacidade, família, honra e justiça, devendo, assim, comprovar perante a OAB, que nesse caso exerce função delegada pelo Estado, que ele se encontra habilitado a exercer a profissão de advogado.
Todos sabem que o advogado tem diante de si o exercício de um verdadeiro múnus público, relevante ao convívio social e fundamental ao Estado de Direito. E não é difícil imaginar os transtornos e danos de difícil ou impossível reparação que poderiam ser causados à sociedade como um todo, por bacharéis despreparados para o exercício da advocacia. E não se use do decantado sofisma de que para exercerem a profissão de médico, engenheiro ou economista, basta que os bacharéis em medicina, engenharia e economia, se inscrevam no competente Conselho Regional, sem se submeterem a qualquer exame, para com isso querer apontar como ilegítima a exigência do Exame de Ordem imposto pela OAB. Trata-se de situações desiguais que repelem uma solução igual.
Trata-se de profissões regulamentadas de formas diversas pelas normas legais que disciplinam o exercício de cada uma delas. Se a lei federal que regulamenta o exercício da profissão de médico impusesse como requisito (nos termos do art.5º, XIII da CF) para a inscrição do graduado nos quadros do CRM, a sua prévia aprovação em exame no qual seriam aferidos os conhecimentos por ele obtidos no Curso de Medicina, a inscrição no CRM não poderia ser automática como é hoje.
Ocorre que a lei federal que regulamenta a inscrição nos quadros da OAB impõe, dentre outros requisitos, a prévia aprovação do bacharel em direito no Exame de Ordem. Destarte, face à legislação em vigor, hoje a exigência de exame para bacharéis em medicina seria descabida; enquanto que, para bacharéis em direito, ela é legítima e necessária. Ademais, convém distinguir o bacharel em direito do advogado.
O advogado é um profissional que a Constituição Federal reputa indispensável à administração da Justiça; o bacharel em direito, não. No exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações (art. 133 da CF); o bacharel em direito, não. O graduado em direito não pode exercer a profissão de Advogado, nem a de Promotor de Justiça ou de Magistrado, sem que, nos termos da lei que disciplina cada uma dessas profissões, ele se submeta a exame próprio, demonstrativo de sua capacitação.
O Curso de Direito tem por finalidade primordial, nem sempre observada, fornecer o conhecimento básico indispensável à obtenção do título de bacharel em direito. A lei, porém, distingue o bacharel em direito do advogado, que é o profissional habilitado ao exercício regular da advocacia, inscrito na OAB mediante preenchimento dos requisitos impostos por lei.
Como bem disse o eminente Ministro Humberto Gomes de Barros, do STJ, por ocasião do julgamento do Resp nº 214671/RS (DJ 01/08/2000):
I – Não é lícito confundir o status de bacharel em direito, com aquele de advogado. Bacharel é o diplomado em curso de Direito. Advogado é o bacharel credenciado pelo Estado ao exercício do jus postulandi . II – A inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil não constitui mero título honorífico, necessariamente agregado ao diploma de bacharel. Nela se consuma ato-condição que transforma o bacharel em advogado.
Em verdade, quando a OAB exige prévia aprovação no Exame de Ordem como um dos requisitos à inscrição do graduado em direito no seu quadro de advogados, ela está protegendo os interesses das partes; os direitos do cidadão que venha a necessitar dos serviços de um advogado, e impondo a observância de um mínimo de requisitos para que alguém seja autorizado pelo Estado ao exercício de tão nobre profissão.
Pena que muitas das Faculdades de Direito em funcionamento no país não se desincumbam de seus deveres; e não exerçam controle satisfatório sobre a qualidade dos seus cursos. Pena que o estudo jurídico no país tenha chegado ao lamentável nível em que se encontra, levando centenas de bacharéis em Direito a serem reprovados em Exame de Ordem que lhes exige apenas meros conhecimentos medianos do direito. A nosso ver, os mesmos rigores impostos, por exemplo, para o exercício das profissões de Magistrado e de Membro do Ministério Público, devem ser adotados quando da seleção de bacharéis em direito para o exercício da profissão de Advogado.
A isso se acrescente ser desnecessária qualquer autorização governamental para que a Ordem dos Advogados do Brasil possa avaliar os bacharéis em direito, visto que o comando emergente da Lei 8.904/94 já lhe atribui essa prerrogativa, de forma suficiente e incontestável, revelando-se como absolutamente constitucional e salutar a exigência do prefalado Exame de Ordem.