ARTIGO: Apoio à PEC 37 (apuração de infrações penais privativas das corporações policiais)

Brasília, 27 de maio de 2013

No dia 20 de maio do corrente, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) manifestou, por ampla maioria, apoio à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) no 37. Essa proposição estabelece a privatividade da apuração das infrações penais pelas corporações policiais. Assim, restaria inequivocamente afastada a atuação válida do Ministério Público nessa seara.

Como Conselheiro Federal da OAB, integrante da bancada da OAB/DF, emprestei meu voto para a formação da deliberação amplamente majoritária referida. Em função desse voto, fui provocado, nos últimos dias, por vários colegas advogados e mesmo por não-advogados, como o meu pai, para justificar a posição sustentada no plenário do CFOAB. A provocação é compreensível, sobretudo diante de uma equivocada campanha midiática que aponta a PEC no 37 como a “PEC da Impunidade”.

Meu posicionamento parte de uma cuidadosa leitura da Constituição, tal como posta pelo constituinte originário. Com efeito, em dois dispositivos o Texto Maior trata explicitamente de “apuração de infração penal”. São os parágrafos primeiro e quarto do artigo 144. Nesses comandos, a “apuração de infrações penais” é expressamente cometida às corporações policiais designadas na Carta Magna (Polícia Civil e Polícia Federal).

Ao Ministério Público, no art. 129 do Texto Maior, o constituinte inaugural reservou os seguintes e relevantíssimos papéis: a) titular da ação penal; b) controle externo da atividade policial e c) requisição da instauração de inquéritos policiais e diligências no âmbito desses procedimentos.

Perceba-se que o constituinte não menciona clara e expressamente em momento algum, como fez para as polícias, competências investigatórias criminais para o Ministério Público. E há uma razão para tanto. O constituinte inicial desenhou um equilibrado sistema estatal de atuação em relação às infrações penais. Em indiscutível defesa do regime democrático e dos direitos fundamentais, o Texto Maior reservou a investigação criminal à Polícia, a acusação ao Ministério Público e o julgamento ao Poder Judiciário. A distribuição equilibrada e ponderada de poderes estatais nessa seara é de uma clareza solar e busca alcançar os fins constitucionais especialmente nobres antes aludidos.

Admitir que o Ministério Público possui poderes implícitos de investigação criminal, a partir da leitura do art. 129, inciso IX, da Constituição, importa em desequilibrar o balanceamento do sistema construído pelo constituinte primário. Não é por razão diversa que o referido dispositivo constitucional contém a seguinte cláusula “desde que compatíveis com sua finalidade” (para a definição e exercício de outras funções não-expressamente registradas). Ora, não é compatível com as finalidades do Ministério Público conduzir diretamente a investigação penal. O constituinte, sem dúvida razoável nesta afirmação, colocou o Ministério Público fora (numa posição externa) do inquérito policial. Os nobres integrantes dessa valorosa instituição atuam no inquérito policial de “fora para dentro”. Afinal, o controle é externo e a instauração do procedimento ou realização de diligências são requisitados, não são pura, simples e diretamente realizados.

Ressalte-se que na Lei Orgânica do Ministério Público Federal (Lei Complementar no 75, de 1993) não existe nada parecido ou próximo de uma competência investigatória no campo criminal para o Parquet. É sintomático e elucidativo que a Constituição não trate dessa competência e o legislador da Lei Orgânica do Ministério Público também não o faça. Só há uma explicação razoável para essas “ausências”: a competência em debate não figura entre o rol de atuações da instituição ministerial.

Observe-se ainda que o constituinte define a possibilidade do Ministério Público requisitar a abertura de inquérito policial e a realização de diligências no seio do procedimento instaurado. Assim, aplicada a mais elementar lógica formal, não tem sentido dizer que alguém pode determinar a abertura do procedimento e intervir nele de fora para dentro, inclusive realizando seu controle, se pode realizá-lo diretamente.

Aqui cabe destacar que o Ministério Público, instituição que merece todo prestígio, pode e deve combater a impunidade, em níveis preocupantes, exercendo suas missões constitucionais de controle externo da atividade policial e requisição da instauração de inquéritos e diligências investigatórias. O exercício intenso e efetivo dessas missões constitucionais, com amplo respaldo social e institucional, colocariam o combate à criminalidade em patamares consideravelmente superiores. Nesses rumos as energias do Parquet podem e devem ser gastas com os merecidos aplausos da sociedade brasileira.

O argumento “quem pode mais pode menos” não se aplica à matéria. Primeiro, porque não é um raciocínio lógico absoluto com utilização escorreita em todos os quadrantes e casos do universo jurídico. Segundo, porque é preciso verificar a natureza das competências consideradas e se essas não foram expressamente atribuídas a outros atores institucionais. Terceiro, é preciso estar atento para a construção de um eventual sistema para o exercício equilibrado de funções estatais complementares que não se confundem e não devem se confundir.

Na polarização do debate em torno da PEC no 37 uma das vítimas é o Procedimento Investigatório Criminal (PIC). Trata-se de expediente, adotado com fundamento em resoluções do Conselho Superior do Ministério Público e do Conselho Nacional do Ministério Público, para viabilizar, segundo consta, centenas de investigações criminais, já em curso, conduzidas por membros da instituição. Entendo, na linha da argumentação anterior, que esses procedimentos são indevidos ou inválidos como substitutos dos inquéritos policiais. Entretanto, como meros instrumentos de aprofundamento ou esclarecimento de elementos que o Ministério Público já detém, para melhor instrução da denúncia ou mesmo conclusão de que essa não cabe, são perfeitamente válidos.

São preocupantes os rumos da decisão, ainda não concluída, do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário no 593727. Nesse caso, o STF aponta para o reconhecimento de poderes investigatórios criminais para o Ministério Público em dimensões consideráveis. Esse dado demonstra a necessidade jurídica de aprovação da PEC no 37 para adequada e clara fixação da decisão do constituinte originário.

Importa anotar que a solução (ou caminho de solução) dos graves e significativos problemas das deficiências policiais no campo da investigação das infrações penais não passa necessariamente pelo reconhecimento de poderes investigatórios criminais para o Ministério Público. Esses complexos problemas, com múltiplas facetas (logísticas, remuneratórias, tecnológicas, de inteligência investigatória, garantias contra ingerências políticas e econômicas, etc), precisam ser enfrentados por todos, inclusive o Ministério Público e as próprias corporações policiais, de forma clara e transparente.

Portanto, restam evidentes as necessidades política e jurídica de apoiar a PEC no 37. Não se trata de uma postura contrária ao Ministério Público. Muito menos consiste em trilhar um caminho de apoio às corporações policiais. Trata-se de prestigiar a Constituição, o equilíbrio de poderes estatais na seara da apuração e punição de infrações penais, o regime democrático e os direitos fundamentais.

*Aldemario Araujo Castro é mestre em Direito, procurador da Fazenda Nacional, professor da Universidade Católica de Brasília e Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil

Advogado impede que trabalho se torne mera mercadoria

Alguns eventos de nosso calendário tornam o 1º de Maio deste ano especial: os 25 anos de promulgação da Constituição Federal, que restituiu a cidadania e alargou direitos dos cidadãos; a introdução, nessa mesma Carta Magna, de dispositivos retirando a empregada doméstica de uma condição humilhante de sobrevivência; e o 70º aniversário da Consolidação das Leis do Trabalho, que resiste aos anos abrangendo um amplo espaço na construção da cidadania.

A CLT, desde 1943, vem se adaptando ao novo ambiente de crescimento experimentado pelo Brasil por intermédio de leis esparsas. O próprio Tribunal Superior do Trabalho, com suas decisões e súmulas, tem proporcionado repetidos exemplos de inovações criativas no sentido de compatibilizar emprego com as necessidades mais prementes da atividade empresarial.

Contudo, quando se fala em trabalho surge, de imediato, a figura do trabalhador, que não pode ser pensado como um frio número de cálculo econômico. Acima de tudo, deve ser respeitada a sua dignidade de ser humano. O trabalho é a “chave essencial” para o drama social da humanidade, e somente o homem tem capacidade para realizá-lo, conforme preconizou, na encíclica Laboren Exercens, o Papa João Paulo II.

O trabalho é fonte de libertação, fator de cultura, progresso e realização pessoal. Esta é, afinal, a grande conquista ideológica alcançada pelos movimentos sociais e sindicais no século passado, que não pode retroagir. Em sua história, o sindicalismo brasileiro transpôs todos os obstáculos e se revelou uma força política efetiva, que passou a reivindicar não apenas melhores condições de trabalho e aumento de salários, como também liberdade e democracia.

Trata-se, portanto, de momento especial para uma reflexão em torno das inúmeras tentativas de mudança normativa em relação aos direitos dos trabalhadores, buscando mitigá-los a partir da sua flexibilização e terceirização. Instalou-se uma insegurança jurídica no mercado, enquanto projetos de lei se acumulam nas duas casas do Congresso sem uma definição, deixando ao Judiciário análises muitas vezes conflitantes. Em nome da redução do custo de produção, pensa-se em tratar o trabalhador como simples engrenagem do processo produtivo. Nada é dito quanto à redução dos lucros como instrumento de tornar as empresas mais competitivas, para ficar em apenas um exemplo.

Também é o momento para defender duas importantes bandeiras para a melhor proteção dos trabalhadores. A redução da jornada de trabalho deve ser considerada como um instrumento de proteção do trabalhador, de melhoria da qualidade do serviço prestado e, até mesmo, de enfrentamento ao desemprego ainda persistente. A implantação dos honorários advocatícios na Justiça do Trabalho irá facilitar o acesso à Justiça de inúmera gama de trabalhadores que vêem seus direitos desrespeitados.

Sobre os honorários, importante registrar que ele é a remuneração de relevante profissional que trabalha em favor do trabalhador. A previsão da sucumbência na Justiça do Trabalho afasta uma injustificada discriminação com os trabalhadores, pois seus direitos não são de segunda classe, mas essenciais à efetividade da promessa constitucional de construir uma sociedade justa e fraterna.

É neste ponto que emerge o advogado desempenhando um papel civilizatório, para que o trabalho não seja tratado como uma simples mercadoria. Mais e melhores empregos, com aumento da massa salarial, são essenciais para o crescimento do mercado interno e crescimento com desenvolvimento social, pressupondo a distribuição de renda. Mais do que nunca, é necessário atribuir às práticas dos negócios, o respeito aos direitos humanos e ao meio ambiente.

Marcus Vinicius Furtado Coêlho é presidente do Conselho Federal da OAB.

Fonte: Consultor Jurídico

O EXAME DE ORDEM E OS CURSOS DE DIREITO

O resultado do último EXAME DE ORDEM, (2010.2), realizado pelo Conselho Federal, (106.491 inscritos) não trouxe nenhuma surpresa. Serviu, mais uma vez, para atestar o baixo nível dos Cursos de Direito no Brasil. O índice geral de aprovação foi uma lástima ! O resultado também não foi surpresa para a Seccional da Bahia, dos 4.796 inscritos somente 843 lograram aprovação! A situação tem sido a mesma em todo o País, a denunciar o estado pré-falencial dos cursos de Direito no Brasil.

Hoje, na Bahia, são 50 cursos em funcionamento e 06 em processo de regularização. São Paulo, com 177, supera o número de Faculdades de Direito existentes nos USA. No Brasil são 828 cursos, mais que no resto do planeta ! somos mesmo o País dos bacharéis… O estudante de direito não se forma ADVOGADO, cursa a Faculdade para se tornar BACHAREL EM DIREITO.

Mas, o fato de ser bacharel em direito, não o qualifica para exercer advocacia, atividade tão relevante que a lei considera que o advogado presta serviço público e exerce função essencial, sendo indispensável à administração da Justiça, à defesa do Estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, consoante estabelecem o art. 2º, 1º, da Lei 8.906/94, o art. 2º, do Código de Ética e Disciplina da OAB, e o art. 133, da Constituição Federal que o consagra como indispensável à administração da Justiça.

Entregar a possibilidade a um bacharel em direito, recém formado, de exercer plenamente a advocacia, sem qualquer restrição, simplesmente porque possui diploma, guardadas as devidas proporções, seria o mesmo que possibilitar ao estudante em medicina, recém formado, sem passar pela residência médica, poder se declarar especialista em ortopedia, obstetrícia, cirurgia geral, neurocirurgia, oncologia, pediatria, cardiologia entre tantas outras especialidades da medicina.

Quando se pretende oferecer à sociedade profissionais dotados de todas as condições para o exercício das atividades relacionadas com a Justiça: Advogados, Magistrados, integrantes do Ministério Público, Procuradores, Assessores Jurídicos, Delegados, atenta-se contra aquela iniciativa.

O art. 5º, inciso XIII da Constituição Federal expressamente dispõe que: É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.

Por seu turno, a Lei 8.906/94, Estatuto da Ordem dos Advogados, em seu art. 8º, impõe vários requisitos para que o bacharel em direito inscreva-se na OAB como advogado, dentre eles: diploma de graduação em curso de direito, idoneidade moral, não exercer atividade incompatível com a advocacia e ser aprovado em Exame de Ordem.

Isso significa dizer que não basta a aprovação no Exame de Ordem para que o bacharel em Direito venha se tornar advogado. Deverá preencher todos os requisitos impostos pelo Estatuto da Advocacia, inclusive ser aprovado no Exame de Ordem.

O Exame de Ordem não diz respeito apenas ao Brasil. Nos USA, para advogar, em cada Estado, o bacharel tem de submeter-se a exame; em PORTUGAL, ao se formar, o bacharel deve submeter-se a um exame para se tornar estagiário em direito e, depois de três anos, estagiando em escritório de advocacia, se submeter a novo exame para poder advogar; na ITÁLIA, além do exame de ordem, foi criado outro exame, para os advogados que tenham mais de 6 anos de profissão e queiram se tornar especialista em determinado ramo do direito, devendo submeter-se a provas oral e escrita.

O grito dos inconformados, (aqueles que lamentavelmente não têm logrado êxito na aprovação no Exame de Ordem), tem ecoado no Brasil inteiro. Ganhou a mídia, os Tribunais, a simpatia do Ministério Público e poderosos aliados, especialmente os alguns donos de Faculdades.

Todos, por um motivo ou por outro, em socorro de seus próprios interesses, têm-se posicionado contra o Exame de Ordem e, até mesmo certos desavisados e desinformados, na busca da ribalta midiática, têm feito coro àqueles que não se interessam pela qualificação e pelo aperfeiçoamento do ensino jurídico no Brasil.

Extinguir o EXAME DE ORDEM no Brasil será o caos para o ensino do Direito! Um desserviço para a Nação! Um desrespeito para o funcionamento da Justiça! Um atentado para o exercício da cidadania!

Não pode a ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL admitir ou concordar com tal situação, sabendo-se, como se sabe, que o profissional mal formado, quase sempre, é um descompromissado com a qualidade do serviço jurídico que prestará à sociedade e com a ética no exercício da profissão, seja como advogado, seja como magistrado, seja como integrante do Ministério Público.

O advogado é defensor nato das liberdades, das garantias individuais e coletivas, do respeito aos princípios e regras fundamentais da Constituição Federal e do bem-estar social geral. Sua atuação pode levar à perda da liberdade, por exemplo, ou perda do reconhecimento de verbas alimentares importantes, a falência de empresas, a insolvência de pessoas, entre tantos outros prejuízos resultantes da imperícia ou negligência de um advogado despreparado.

A Ordem dos Advogados do Brasil é uma das instituições mais respeitada em nosso País. São 80 anos de luta e dedicação à sociedade civil e pelo respeito ao Estado Democrático de Direito. A OAB são todos os advogados brasileiros. O advogado deve ter qualificação e conhecimento técnico para que possa exercer a sua profissão com dignidade, honradez, independência e destemor, sem receio de desagradar aos ricos e poderosos. Aquela qualificação é requisito essencial para que o bacharel em direito venha a se tornar advogado. Não basta o diploma de conclusão do curso. Impõe-se que ele demonstre, através do Exame de Ordem, que está capacitado para ser advogado, exercer a profissão, honrá-la e dignificá-la.

*Saul Quadros Filho – Advogado, Presidente da OAB-BA e Professor de Direito Constitucional e Direito do Trabalho da Universidade Católica do Salvador.

Atuação do advogado na tribuna não é só formalidade

Na tarde da última quinta-feira (14/3), a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça deu início ao julgamento sobre a rejeição ou recebimento da denúncia oferecida contra 17 acusados nos autos do procedimento autuado como APN 536/BA, que teve por origem a midiática ação policial apelidada de operação navalha.

Na referida sessão, questão de ordem de extrema relevância para o exercício profissional dos advogados e também para consolidação do efetivo respeito à garantia da ampla defesa foi debatida e decidida.

Isto porque, diante da pluralidade de denunciados, cogitou-se dividir o tempo de sustentação dos advogados pelo número de acusados. Prevalecendo o entendimento preconizado por essa matemática simplista, a defesa de cada um dos acusados terminaria por ter que ser exercida em menos de 60 segundos. Em síntese, o advogado subiria à tribuna para funcionar como mera peça figurativa, um personagem incômodo e desnecessário, em detrimento de suas prerrogativas profissionais e da ampla defesa.

Cientificada de tal possibilidade, a Comissão de Defesa das Prerrogativas, do Conselho Seccional do Distrito Federal, da Ordem dos Advogados do Brasil, formulou questão de ordem à Corte Especial, pugnando pelo respeito às prerrogativas dos advogados e, consequentemente, pelo efetivo respeito à garantia constitucional da ampla defesa.

Aos olhos de quem conhece um pouco a amplitude e a importância das garantias constitucionais, a questão pode parecer singela, na medida em que bastaria aplicar as normas infraconstitucionais uma interpretação conforme à Constituição.

Isto porque há normas que regulamentam a hipótese. Assim, o parágrafo 1º, do artigo 6º, da Lei 8.038/1990, ao regular a sessão para que se receba ou rejeite a denúncia, determina que “no julgamento de que trata este artigo, será facultada sustentação oral pelo prazo de 15 minutos, primeiro à acusação, depois à defesa”. Tal disposição legal é inteiramente reproduzida pelo artigo 222 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.

Ainda sobre o tema, o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, no parágrafo 2º, do artigo 132, prevê que, havendo litisconsortes que não sejam representados pelo mesmo advogado, o prazo para sustentação será contado em dobro, dividindo-se o tempo entre os advogados. Adotando-se tal entendimento ao caso que foi submetido à Corte Especial nesta quinta-feira, cada advogado teria que o prazo de pouco mais de um minuto para sustentar oralmente as razões de defesa de seu constituinte.

Pois bem, a relevante matéria foi levada ao Superior Tribunal de Justiça que, por maioria dos membros de sua Corte Especial, examinou e garantiu aos advogados o prazo de 15 minutos, por acusado, para sustentação oral.

Houve quem propusesse, com base em um critério aleatório, o estabelecimento de que cada advogado poderia falar por cinco minutos em defesa de seu cliente, houve, também, quem propusesse dez minutos e houve, ainda, quem se manifestasse pela divisão do prazo.

O respeito às prerrogativas e à ampla defesa foi assegurado, mas o debate acerca do tema, com a proposição de hipóteses que manietariam o exercício profissional e a garantia constitucional, traz à tona a necessidade de algumas reflexões.

A primeira delas reside no artigo 133 da Constituição da República, que preconiza que “o advogado é indispensável à administração da Justiça”. Veja-se que a Constituição não diz que ser a advocacia útil, importante ou proveitosa. O texto é claro: o advogado é indispensável. Sem a presença do advogado, não se faz justiça, não há dialética, não há contraditório.

Não se verifica espaço para interpretação diversa. O exercício profissional da advocacia é condição indispensável para a administração da Justiça. A leitura de tal mandamento já seria suficiente para jogar por terra qualquer proposição de tempo que transformasse o advogado em mero figurante (e acreditem que elas existem aos montes por aí, tal qual a aversão quase patológica de alguns magistrados de receber advogados).

Em auxílio ao que preconiza a Constituição há o parágrafo 2º, do artigo 2º, da Lei Federal 8.906/1994 (a referida legislação é chamada de Estatuto da Advocacia, mas a desconhecimento de tal condição normativa motiva a necessidade de afirmar o seu status de lei).

Diz o referido dispositivo legal que “o processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público”. A disposição normativa preconiza que o advogado contribui com a decisão judicial e com o convencimento do julgador, sendo essa a sua obrigação legal. Veja-se que não se trata de mera formalidade atuar em auxílio da decisão, mas, sim, uma obrigação, um ônus, um encargo legal da advocacia.

A atuação do advogado na tribuna não pode ser tida como mera formalidade processual. Um colegiado de magistrados não deve considerar a sustentação oral como um fardo, uma imposição onerosa e fatigante do exercício da jurisdição. O advogado que usa da palavra não está fazendo por mero capricho, é obrigação, é múnus público. Assim, tenta levar ao conhecimento do julgador questões que, muitas vezes, passam despercebidas. Procura ressaltar pontos, busca fazer do processo, realmente, um espaço dialético e contraditório, em defesa do seu cliente, mas, também, em auxílio à Justiça.

O processo — sobretudo o processo penal — não pode ser apenas uma sequencia lógica, mecânica de atos procedimentais. O volume dos autos, a quantidade de acusados, a possibilidade de que as sessões se alonguem, a tão incensada celeridade processual, nenhum desses argumentos pode ser utilizado como empecilho ao exercício profissional. A celeridade da resposta judicial é importante, mas encontra limite no respeito às garantias e às prerrogativas. O processo judicial deve ser humanizado com a voz das partes, com o contraditório, com ideias e percepções opostas, assim estaremos mais próximos de alcançar justiça.

Neste passo, é importante registrar a forma como as garantias deveriam ser interpretadas. O tema é singelo e conhecido, mas muitas vezes deixado de lado.

As garantias devem ser interpretadas de forma extensiva. A hipótese que se apresentou hoje à Corte Especial poderia ser solucionada com a lembrança dessa fórmula que se estuda nos bancos da faculdade. Há dispositivo constitucional que garante o exercício da ampla defesa, há norma legal e regimental que prevê o prazo de 15 minutos de sustentação oral para a acusação e para a defesa. Diante deste quadro, deve-se elaborar fórmulas, criar critérios, dividir o prazo entre os advogados, ou simplesmente deve-se fazer valer a garantia constitucional, o exercício profissional?

A solução parece advir da referida regra de hermenêutica. A Constituição garante a ampla defesa, a Lei 8.038/90 e o regimento interno do STJ definem que o prazo para a defesa será de 15 minutos. Não fosse assim, a pluralidade de acusados, por si só, já será uma forma de apenação procedimental. Aqueles que forem objeto de denúncia plural terão seus prazos de defesa reduzidos. Os que forem acusados sozinhos poderão exercitar sua defesa no prazo previsto em lei.

O direito de defesa é da parte e não do advogado. O advogado, porém, tem o direito de exercer a sua profissão com liberdade e acusado de escolher livremente seu defensor, sem que se possa apenar, ainda que processualmente, tal escolha.

Felizmente a garantia constitucional e as prerrogativas profissionais foram asseguradas pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça. Assim, reiteramos a crença em um Judiciário pautado pela independência e valorização dos princípios democráticos — dentro os quais se encontra o reconhecimento da advocacia como atividade essencial à Justiça.


Marcio Palma, Claudio Demczuk de Alencar e Leonardo Marinho são advogados, membros da Comissão de Prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil, Conselho Seccional do Distrito Federal.

Revisão do art.29, inciso II, da Lei nº 8.213/91

Por Maria Ferreira Maia Teixeira*

Uma revisão relativamente nova está agitando os segurados e seus dependentes que receberam e que estão recebendo os benefícios por incapacidade de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e pensão por morte deles originadas. Trata-se da revisão do art. 29, Inciso II, da Lei nº 8.213/91, também conhecida como revisão dos 80% maiores salários de contribuição do período contributivo.

A maioria dos segurados e dependentes acredita que o valor do benefício requerido é calculado diretamente sobre o salário-de-contribuição do mês anterior ao requerimento do benefício.

Esta não é a realidade. Dos salários-de-contribuição é que se encontra uma média aritmética simples, chamada de salário-de-benefício e sobre esta média são lançadas alíquotas de cada benefício para, então, encontrar o valor do benefício requerido.

Essa média simples, chamada de salário-de-benefício, já foi encontrada de várias maneiras, a penúltima mudança foi prevista no artigo 29, da Lei nº 8.213/91 que previa:

“O salário-de-benefício consiste na média aritmética simples de todos os últimos salários-de-contribuição dos meses imediatamente anteriores ao afastamento da atividade ou da data da entrada do requerimento até o máximo 36 (trinta e seis meses) apurados em período não superior a 48 (quarenta e oito) meses”.

A última mudança ocorreu com a publicação da Lei nº. 9.876, de 26 de novembro de 1999, que alterou a Lei nº. 8.213/91, trazendo modificações importantes no tocante ao salário-de-benefício passando a ter a seguinte alteração em seu artigo 29:

“Art. 29. O salário-de-benefício consiste:

… II – para os benefícios de que tratam as alíneas a, d, e, h do inciso I do art. 18 na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo.

No entanto, ao regulamentar a nova lei , os Decretos nºs 3.265, de 29 de novembro de 1999 e 5.399 de 24 de março de 2005 inovaram e modificaram a maneira de encontrar o salário-de-benefício, prevista no Artigo 29, Inciso II combinado com o Artigo 18, para os segurados e dependentes que faziam jus aos benefícios de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e pensão por morte.

Analisando a Lei nº 9.876/99, nota-se que a apuração do salário-de-benefício deveria ser da mesma forma para todos os benefícios, à exceção apenas das aposentadorias por idade e por tempo de contribuição, que passariam a sofrer a incidência do fator previdenciário.

No entanto, constatou-se que as limitações impostas pelos Decretos 3.265/99 e 5.545/05, no tocante ao totalmente incapacitado que não havia alcançado os 60% (sessenta por cento) do número de meses decorridos desde julho de 1994 até a data do início do benefício – no caso dos segurados que já eram inscritos na Previdência Social até 28/11/99 – ou as 144 (cento e quarenta e quatro) contribuições, no caso dos segurados inscritos na Previdência Social a partir de 29/11/99, não encontraram respaldo legal. Os referidos decretos inovaram na ordem jurídica, o que é vedado pelo nosso sistema.

Nesse período foram ajuizadas várias ações judiciais e a jurisprudência já era favorável ao segurado até que em agosto de 2009, editou-se o Decreto nº 6.939, eliminando-se a forma indevida de cálculo e corrigindo a exorbitância do poder regulamentar que ensejou a ilegalidade.

Desse modo, todos os benefícios de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e as pensões deles decorrentes que foram concedidos com base nos Decretos 3.265/99 e 5.545/05 devem ser revistos para terem a renda mensal inicial calculada nos termos do Decreto nº 3.048/99, com redação dada pelo Decreto nº 6.939/2009.

Após uma enxurrada de ações buscada individualmente pelo segurado ou dependente requerendo a revisão já mencionada, o Ministério Público Federal e o Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos da Força Sindical de São Paulo ajuizaram Ação Civil Pública de nº. 0002320-59.2012.4.03.6183/SP, com pedido de antecipação de tutela em face do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, requerendo o recálculo dos benefícios previdenciários por incapacidade, de ofício, independentemente de requerimento do segurado ou do dependente e de qualquer outra revisão, com datas a partir de 29/11/99, em que, no período básico de cálculo (PBC), foram considerados 100% (cem por cento) dos salários-de-contribuição, cabendo revisá-los para que sejam considerados somente os 80% (oitenta por cento) maiores , conforme está previsto no art. 29, inciso II, da Lei 8.213/91.

Na referida Ação, as partes (Ministério Público Federal, Sindicato e INSS) concordaram com a revisão dos benefícios elegíveis ainda não corrigidos administrativamente e sobre os quais não se tenha operado a decadência, a partir da competência de janeiro de 2013, com pagamento da mensalidade revista a partir de fevereiro de 2013.

Todavia, o pagamento dos atrasados será realizado de acordo com cronograma abaixo:

tabela

A revisão está sendo realizada automaticamente e não é necessário que os beneficiários (segurado e dependente) procurem uma Agência da Previdência Social (APS). Aqueles para quem a revisão é devida receberão correspondência em sua residência informando que o pagamento da renda mensal será atualizado até o mês de fevereiro, nos termos do cronograma acima.

O INSS também disponibilizou sistema de consulta acerca desta revisão pelo site da Previdência Social na internet (www.previdencia.gov.br) e por meio da Central de Teleatendimento 135, que funciona de segunda a sábado, das 7h às 21h.Ressalte-se que o valor do pagamento, o qual o segurado contemplado na revisão tem direito, não será informado pela Central de Atendimento 135 e pela internet.

O problema agora é outro, como o cronograma de pagamento é muito elástico, corre o risco dos herdeiros de quem tiver parcelas atrasadas para receber e virem a falecer, encontrarem dificuldades em receber o crédito, já que não há termo de adesão. Diferentemente, quando o processo tramita na Justiça, onde automaticamente os herdeiros são chamados para receberem os atrasados no caso de óbito do segurado. Ademais todos tem pressa para receber o que tem direito, o valor retroativo para sanar suas necessidades.

Antes de tomar qualquer decisão, deve o beneficiário (segurado e dependente) buscar a opinião de um advogado especialista na área do Direito Previdenciário, ou da Previdência Social para ter certeza se deverá ou não demandar ação em desfavor do INSS para receber o retroativo diferentemente do valor ou do cronograma estabelecido no acordo entre as partes.

*Maria Ferreira Maia Teixeira é Presidente da Comissão de Assuntos Previdenciários da OAB/DF.Advogada e Especialista em Direito Previdenciário.

EXAME DA OAB: UMA NECESSIDADE PARA A SOCIEDADE

O exame que a Ordem dos Advogados do Brasil aplica a todos os interessados e a alguns vocacionados a exercerem a advocacia voltou a ser alvo de críticas após mais uma série de reprovações em massa.

Ainda, como nem tudo o que é necessário satisfaz a todos, o Exame de Ordem ganhou os noticiários depois que o desembargador federal do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, Sr. Vladimir Souza Carvalho, exarou decisão no sentido de permitir a dois bacharéis em direito a inscrição nos quadros da OAB sem a necessidade de se submeterem ao exame.

O presidente da OAB, Ophir Cavalcante, saiu prontamente em defesa do exame, tendo explanado que o este visa, primordialmente, à proteção da sociedade.

O que não mereceu tanta importância da imprensa foi o fato de que o filho do desembargador federal contrário ao exame da OAB já fora reprovado quatro vezes, o que por si demonstra o absurdo casuísmo de que se revestiu a atuação do nobre magistrado, exteriorizando, ainda, a flagrante ilegalidade e inconstitucionalidade presentes numa decisão que amparou a pretensão de poucos em detrimento da segurança de toda a sociedade.

O ilustre desembargador não atentou para o fato de que abolir o Exame de Ordem é um retrocesso sem precedentes, não sendo plausível balizar posicionamento a ele contrário na circunstância de não ser exigido exame para o exercício de outras profissões.

Ora, que se exijam exames para todas as outras profissões, como já o fez o Conselho Federal de Contabilidade, amparado pela Lei nº 12.249/2010, mas que não se atente contra uma exigência que tem a finalidade de evitar ou, pelo menos, minimizar a possibilidade de a sociedade ser prejudicada em decorrência da atuação de pessoas despreparadas para a advocacia, ou seja, que nunca foram vocacionadas a advogar.

Não defendo o exame por já ser advogado, mas por ter a consciência de que a maioria daqueles que sentam nos bancos acadêmicos do curso de Direito o fazem pensando em tudo, menos em advogar, sendo que no final do curso todos correm para se submeterem ao Exame de Ordem com o pensamento de que a advocacia é um ´´bico´´ e a sociedade a ´´cobaia´´, o que justifica o considerável percentual de reprovação dos bacharéis, pois esquecem que o verdadeiro advogado deve ser vocacionado, tendo sempre o árduo dever de ´´subordinar o seu ministério privado à elevada função pública que exerce.´´

O exame da OAB precisa, sim, ser aprimorado, talvez para chegar ao nível de excelência dos aplicados nos Estados Unidos da América, onde não se exige um, mas vários exames para fins de avaliar a aptidão dos candidatos para o exercício da advocacia (ex: Bar Examination; Multistate Bar Exam; Multistate Essay Exam; Multitaste Perfomance Test etc.), mas a abolição do exame no Brasil só surge como voz daqueles que encaram a advocacia como uma profissão qualquer, em que ganhar ou tentar ganhar dinheiro é o objetivo principal, e a sociedade que se ´´exploda´´.

A posição que manifesto em favor do exame trago desde os tempos da faculdade, sendo que antes de me submeter a ele tive o privilégio de debater com o senador Gilvam Borges o projeto de lei complementar de sua autoria que tem por objeto justamente a extinção do Exame de Ordem, momento em que pude manifestar-me acerca da impertinência de um projeto tão nefasto para a sociedade.

É importante asseverar que todos aqueles contrários ao exame da OAB, inclusive o desembargador Vladimir, pecam ao concluírem que o curso de Direito forma, automaticamente, advogados. Pasmem! O curso de Direito ou de Ciências Jurídicas aplicadas não recebeu, em momento algum, a nomenclatura de ´´Curso de Advocacia´´, sendo que a mesma lógica utilizada para concluir que o curso não forma juízes, promotores, delegados etc. deve aplicada para inferir que o curso não forma advogados.

Duvido que o ilustre desembargador Vladimir, ou qualquer outra pessoa, coloque nas mãos de um bacharel várias vezes reprovado no exame da OAB um caso que envolva seu patrimônio, sua liberdade ou até mesmo sua vida.

Imaginem uma pessoa que está prestes a ver sua casa derrubada de forma ilegal pela administração pública; uma pessoa que foi presa ilegal e arbitrariamente por policiais corruptos; uma pessoa que necessita de um medicamento específico para poder viver; uma pessoa que necessita de um leito de UTI e tem seu direito negado pelo Estado. Imaginem todas elas nas mãos de um bacharel em Direito que, durante todo o curso, esteve sob as calças do pai e não cuidou de se aprofundar nos estudos das ciências jurídicas. Imaginem essas pessoas nas mãos de um bacharel que não teve a capacidade de lograr aprovação num exame que exige o mínimo de conhecimento jurídico.

É muito provável que esse bacharel, da mesma forma que no Exame de Ordem não sabe o que fazer em decorrência da carência do mínimo de conhecimento jurídico e deixa a casa ser derrubada, permita o cerceamento arbitrário de liberdade, seja omisso e relapso ao ponto de ver a chegada da morte daquela pessoa que necessita de intervenção judicial para garantir medicamentos essenciais à continuidade de sua existência ou para determinar ao Estado o fornecimento de um leito de UTI para o amparo da vida.

Talvez o desembargador Vladimir aceite correr esses riscos, mas ele não pode impor tais riscos à sociedade.

O exame da OAB tem por condão impedir a mácula ao artigo 133 da Constituição Federal e, ainda, ao serviço público e à função social inerentes ao exercício da advocacia previstos no parágrafo primeiro do artigo segundo da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil).

Assim, advocacia é muito mais do que profissão. É atividade indispensável à administração da justiça, é serviço público essencial para o nobre exercício de função social.

* Luiz Cesar Barbosa Lopes é advogado, pós-graduado em Direito Penal, orientador do Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade Unieuro, membro associado do Movimento em Defesa da Advocacia – MDA, e especialista em Direito Eleitoral.

O STF e o Conselho Nacional de Justiça

Decisões do Supremo Tribunal que têm por objeto o Conselho Nacional de Justiça não vêm sendo corretamente interpretadas.

É o caso, por exemplo, de liminar recentemente deferida a respeito da competência do CNJ para instaurar investigações contra juízes e tribunais. As notícias são no sentido de que essas decisões esvaziariam o poder de fiscalização do Conselho.

Não é isso o que ocorre. Vejamos.

A Constituição, redação da emenda 45, estabelece a competência do CNJ: o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e o cumprimento dos deveres funcionais dos juízes (art. 103-B, § 4º). Essa competência é exercida, primeiro, sobre a legalidade dos atos administrativos do Judiciário.

Cabe ao CNJ zelar pela observância do artigo 37 da Constituição e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Judiciário, podendo desconstitui-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas.

Tem-se, no caso, conforme foi dito, o controle da legalidade dos atos administrativos praticados pelos órgãos do Judiciário.

Segue-se a competência correcional, nos incisos III, IV e V do § 4º do artigo 103-B: compete ao CNJ conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Judiciário, inclusive serviços auxiliares, serventias, órgãos notariais e de registro.

No ponto, todavia, o dispositivo constitucional ressalva a “competência disciplinar e correicional dos tribunais”, podendo o CNJ avocar processos disciplinares em curso -nos casos de omissão por exemplo, das corregedorias- (§ 4º, III) e “rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano” (§ 4º, V). E mais: é competência do CNJ “representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de autoridade” (§ 4º, IV).

Verifica-se, então, numa interpretação harmoniosa dos dispositivos constitucionais indicados, que a competência correicional do CNJ é subsidiária, porque a Constituição assegura autonomia administrativa aos tribunais-autonomia, aliás, pela qual deve o CNJ zelar (§ 4º, I)- estabelecendo que a eles compete, privativamente, além de outras questões, velar pelo exercício da atividade correicional respectiva (Constituição, artigo 96, I, “b”).

É de elementar hermenêutica que o direito é um todo orgânico e que as normas legais devem ser interpretadas no seu conjunto.

Dir-se-á que há corregedorias de tribunais que não estariam cumprindo com o seu dever.

Nessa hipótese, que o CNJ não se omita, dado que pode avocar processos disciplinares em curso (§4º, III) e rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano (§4º, V), devendo representar ao Ministério Público no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de autoridade (§4º, IV).

Assim há de ser posta a questão, que deve ser examinada sem “parti pris”. E é bom lembrar que a Constituição vigente, a mais democrática das Constituições que tivemos, estabelece o devido processo legal e nesse se inclui autoridade administrativa e juiz competentes, independentes e imparciais (artigo 5º, LV), característica do Estado democrático de Direito.

Sem dúvida que é desejável a atuação firme do CNJ para punir e afastar o juiz que não honra a toga. Com observância, entretanto, do devido processo legal, garantia constitucional que ao Supremo Tribunal cabe assegurar.

*Carlos Mário da Silva Velloso, 75, advogado, professor emérito da UnB e da PUC/MG, foi presidente do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral.

Advocacia Pública avança na defesa da sociedade

O Título IV da Constituição regulamentou e disciplinou a Organização dos Poderes, Legislativo, Executivo e Judiciário. Incluindo, ainda, capítulo específico relacionado às Funções Essenciais à Justiça. Essa sistematização foi observada visando atender os preceitos modernos do Estado Democrático de Direito.

Isso porque, Montesquieu, ao descrever sua teoria sobre a Tripartição dos Poderes, já alertava sobre a possibilidade de, em determinada época, haver prevalência de um Poder em relação aos demais. Os freios e contrapesos seriam a forma de manter a harmonia. Ocorre que sua teoria teve como parâmetro o absolutismo europeu, necessitando adaptá-la ao surgimento do Estado Democrático de Direito.

Assim, o Poder Constituinte Originário atento às lições de Montesquieu, positivou no artigo 2º da Constituição Federal de 1988, entre os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, a Separação entre os Poderes, que é cláusula pétrea, ante ao que preceitua o art. 60, parágrafo 4º, III, da CF/1988.

Entretanto, o Constituinte não estava satisfeito apenas com essa garantia, necessitando dar maior efetividade a esse equilíbrio inclui na Organização dos Poderes um novo capítulo, Das Funções Essenciais à Justiça.

Nesse novo Capítulo o Constituinte incluiu órgãos e instituições que possuem atribuições de defender a sociedade, o Estado, os hipossuficientes e o cidadão, dentro de um mesmo patamar hierárquico, exigindo um entrelaçamento dessas funções.

Logo, no cenário político nacional após a Constituição de 1988, o equilíbrio e harmonia entre os Poderes, dentro de uma perspectiva do Estado Democrático de Direito, será concretizado, também, através das Funções Essenciais à Justiça.

Outrossim, o desígnio “Justiça” não teve um alcance restrito, de prestação jurisdicional, mas sim de isonomia, imparcialidade, preservação dos direitos, eliminação da ingerência do Estado, cidadania e democracia, o que Diogo de Figueiredo Moreira Neto convencionou chamar de “Estado de Justiça”.

Nesse sentido, o Poder Judiciário não é o único responsável pela prestação da Justiça, necessitando da intervenção do Ministério Público, da Advocacia Pública, da Defensoria Pública e da Advocacia Privada, como garantidores e defensores dos interesses da sociedade e do Estado. Diogo de Figueiredo Moreira Neto ao discorrer sobre o papel afeto às Funções Essenciais à Justiça consigna que[1]:

“Sem esses órgãos, públicos e privados de advocacia, não pode haver justiça, aqui entendida como a qualidade ética que pretende exigir do Estado pluriclasse quanto à legalidade, à legitimidade e à licitude. E porque essa justiça só pode vir a ser realizada em sua essencialidade se dispuser dessas funções, autônomas, independentes, onipresentes, e, sobretudo, corajosas, o legislador constitucional as denominou de ‘essenciais à justiça’ (Título IV, Capítulo IV, da Constituição).”

Mais a mais, pode-se acrescer, ainda segundo as lições de Diogo de Figueiredo Moreira Neto[2]:

“Não haja dúvida de que, ao recolher, na evolução teórica e prática do constitucionalismo dos povos cultos, novíssimas expressões institucionais, como o são a participação política e as funções essenciais à justiça, o Constituinte de 1988 deu um passo definitivo e, oxalá, irreversível, para a preparação do Estado brasileiro do segundo milênio como um Estado de Justiça, aspiração, como se expôs, mais ambiciosa do que a realização de um Estado Democrático de Direito, que naquela se contém e com ela se supera.”

A positivação do Ministério Público ao lado das novas instituições Constitucionais, Advocacia Pública, Defensoria Pública e Advocacia stricto senso veio concretizar a intenção de justaposição dessas funções, tendo entre suas atribuições a defesa da Justiça.

A intenção do Legislador Constituinte, ao incluir a Advocacia Pública entre as Funções Essenciais à Justiça, foi criar um órgão técnico capaz de prestar auxílio ao Governante e, ao mesmo tempo, resguardar os interesses sociais.

Considerando que o Estado Brasileiro é constituído pela República Federativa do Brasil, organizado político-administrativamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, conforme preconiza o art. 1º c/c artigo 18, da CRFB, as políticas planejadas, desenvolvidas e executadas pelos Entes Federados, comumente referidas como políticas públicas, decorrem da repartição de competência administrativa e legislativa da Federação Brasileira. Diante dessa perspectiva é dever dos Advogados Públicos darem suporte à execução orçamentária de todas as políticas públicas, desde que as ações sejam Constitucionais e legais.

A atuação da Advocacia Pública na fase do planejamento, da formação, e da execução da política pública propiciará um planejamento estratégico do Estado, a redução de demandas e dos desvios. Isso porque, sua atuação deve transcender a defesa míope do Governo, ajudando atender as atribuições que o Estado moderno requer, precipuamente, a viabilização das políticas públicas em favor da sociedade, o que, em última análise, importa em resguardar o interesse público, consubstanciado pela defesa do bem comum.

Ante ao exposto, é necessário dotar o Estado de condições mínimas para efetivar as atribuições Constitucionalmente descritas, cabendo à Advocacia Pública exercer papel estratégico na defesa do patrimônio público, dos interesses dos cidadãos e da Justiça.

Para a concretização dessas atribuições é necessária a garantia de uma Advocacia Pública independente. Isso não quer dizer que a escolha da política a ser executada deixará de ser feita pelo representante do povo, legitimamente eleito, o qual tem o direito de indicar sua equipe de governo. Todavia, a atuação de um profissional técnico, imparcial e altamente qualificado, não sujeito às pressões políticas, trará um ganho de qualidade para a política pública escolhida.

Essa concepção decorre de um processo de reflexão do papel Constitucional atribuído à Advocacia Pública. É natural que no processo de formação e amadurecimento das atribuições institucionais, de um órgão recente na história do nosso país, haja uma evolução interna e externa do seu papel.

Hoje visualizamos com mais clareza o papel Constitucional destinado à Advocacia Pública, de defesa do Estado sem descurar da defesa do cidadão e da sociedade. A defesa do patrimônio público, interesse público secundário, não pode contrapor arbitrariamente aos legítimos interesses da sociedade, interesse público primário, cabendo aos Advogados Públicos resolverem o respectivo conflito dentro do que determina a Constituição e as leis.

Esse controle decorre do dever mediato de defesa da Justiça, insculpido quando o Legislador Constituinte inseriu a Advocacia Pública em um Capítulo à parte do Poder Executivo, Função Essencial à Justiça, havendo um imbricamento de justaposição, ou seja, necessidade de defesa do Estado, desde que a ação não transborde os preceitos Constitucionais e legais.

Nesse pormenor, o combate à corrupção e à impunidade é realizado no dia a dia da Advocacia Pública. As premissas do Estado Democrático de Direito, o anseio de justiça, a efetivação da igualdade, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência são princípios inseridos na Constituição e defendidos pela Advocacia Pública, no exercício do seu papel de Função Essencial à Justiça, garantindo o respeito à lei e à Constituição dos atos do Poder Público.

Considerando essas premissas, pode-se dizer que a Advocacia Pública Federal, através da atuação da Advocacia-Geral da União, tem fortalecido seu papel de controle do desvio do dinheiro público. Vale destacar que entre 2002 a 2011 a AGU já recuperou R$ 1,5 bilhão de recursos desviados da União, tendo bloqueado, só no ano de 2011 R$ 600 milhões.

A construção de uma Advocacia Pública conforme os anseios Constitucionais têm sido feita gradativamente. Para o bem do nosso Estado Democrático de Direito é necessário que essa mudança ocorra o mais rápido possível e em todos os níveis de Governo.

[1] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Constituição e Revisão: Temas de Direito Político e Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 31.

[2] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. As Funções Essenciais à Justiça e as Procuraturas Constitucionais. Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo: n. 36, dez. 1991, p. 13.

*Allan Titonelli Nunes é procurador da Fazenda Nacional e presidente do Forvm Nacional da Advocacia Pública Federal.

Revista Consultor Jurídico, 26 de dezembro de 2011

Exame de Ordem e a proteção da sociedade

Por Marcus Vinícius Furtado Coelho

A Câmara dos Deputados analisa 18 projetos de lei que visam a pôr fim ao Exame de Ordem para o exercício da advocacia. No dia 4 último, o plenário da Casa rejeitou o pedido de urgência para a votação do relatório favorável à extinção do exame. Decisão acertada dos parlamentares.

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil não pode deixar de se pronunciar sobre uma questão tão decisiva e importante para a categoria. O Exame de Ordem é uma conquista e um avanço, e não um retrocesso, como defendem alguns de seus detratores. Os argumentos favoráveis à manutenção das regras atuais são muitos e todos relevantes e bem fundamentados.

A preservação dos direitos das pessoas depende da adequada orientaçâo jurídica e da apropriada demanda judicial, tarefas do advogado. O Exame de Ordem objetiva impedir a atuação profissional de quem não possui o mínimo conhecimento técnico e, dessa forma, proteger o cidadão de injustiças e prejuízos irreparáveis.

Ninguém será privado de bens e de liberdade sem o devido processo legal, sendo assegurada a ampla defesa. Tal princípio constitucional se torna letra morta diante de uma atuação profissional deficitária, incapaz de articular com precisão a tese jurídica necessária à proteção do cidadão contra agressões a seus direitos e interesses.

O aparato jurídico do Estado é composto por profissionais concursados. Juizes, integrantes do Ministério Público, delegados de polícia e advogados públicos são submetidos a rigorosa seleção. O advogado do cidadão também deve ser aprovado num teste de conhecimento mínimo, sob pena de inexistir a necessária paridade a presidir a distribuição da justiça.

Essencial ressaltar que não há curso de advocacia, mas bacharelado em Direito. A graduação abre oportunidades para diversas carreiras jurídicas, cada qual com um teste seletivo para ingresso. A advocacia não é mais nem menos importante que as demais carreiras. Todos os bacharéis em Direito, ao ingressar nas faculdades, têm ciência, desde o edital do vestibular, de que o curso não habilita por si só ao exercício da advocacia.

O Exame de Ordem decorre do artigo 5º, § XIII, da Constituição federal. Ali está estabelecido que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. E a legislação existe. É a Lei 8.906, de 1994, declarada constitucional por unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal. Os juizes da Suprema Corte consideraram que a advocacia é profissão que pode trazer prejuízos graves a terceiros, razão por que o legislador fica autorizado a instituir o exame para medir a qualificação para o exercício profissional.

No Exame de Ordem brasileiro não há limite de vagas para aprovação. Nem se inibem as tentativas do bacharel para conseguir superar a prova: ele pode prestar tantos exames quantos quiser até atingir a nota mínima exigida. Não há arguiçâo. Trata- se de uma prova com 80 questões objetivas e outra que consiste em apresentar uma petição profissional e com perguntas de ordem prática, na área do Direito escolhida pelo examinando.

Não se pode deixar de observar que o Brasil não é o único país a exigir um teste de conhecimento para advogados. Inúmeros outros adotam o exame de admissão para ingresso na carreira, muitos com etapas mais rigorosas que as nossas, como Itália, França, Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Japão, China, México e Chile.

Em recente audiência pública na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados, o secretário de Educação Superior do Ministério da Educação, Amaro Henrique Lins, defendeu a necessidade do Exame de Ordem. Para ele, o exame profissional é complementar à formação universitária. Igual posição já havia sido emitida pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.

Pesquisa da Fundação Getúlio Vargas revelou que a ampla maioria dos bacharéis é favorável à sua permanência. Essa é também a opinião de professores de Direito e de diretores das boas faculdades, que não querem ser niveladas por baixo. Os cursos que primam pela qualidade aprovam quase todos os alunos e bacharéis logo na primeira submissão ao exame.

O fim do exame interessa fundamentalmente aos donos de faculdades sem estrutura alguma, que tratam a educação como negócio e lançam no mercado profissionais sem a excelência técnica exigida para o exercício digno da advocacia. Mais rentável seria oferecer, além do diploma de bacharel, o ingresso na carreira sem o necessário compromisso com o ensino capacitado e, especialmente, de qualidade.

A Comissão de Educação Jurídica da OAB rejeita cerca de 90% dos cursos de Direito que são criados. Recentemente, a Ordem estabeleceu importante diálogo com o Ministério da Educação com o objetivo de conterá multiplicação indiscriminada dos cursos. Em menos de 15 anos o Brasil passou de 150 para 1.260 faculdades de Direito, formando cerca de 100 mil bacharéis por ano.

Em cada Exame de Ordem é aprovada uma média de 20 mil bacharelandos. Com a realização de três exames anuais, 60 mil novos advogados começam a atuar por ano no Brasil, mais que uma França de profissionais da advocacia. Temos 750 mil advogados, perdendo apenas para os Estados Unidos e superando em muito a média mundial.

Numa visão meramente mercantilista, mais rentável seria o fim do Exame de Ordem, pois a OABpassaria a ter mais de 1 milhão de inscritos, pagando uma anualidade média de cerca de RS 600. Uma arrecadação quase bilionária.

A história de lutada nossa entidade, porém, sempre ao lado da sociedade, põe em primeiro lugar a defesa e a proteção do cidadão contra o profissional sem qualificação. É essa a garantia que dá o Exame de Ordem. E da qual não podemos, nem devemos, como brasileiros e profissionais, abrir mão.

São Paulo – O artigo “Exame de Ordem e a proteção da sociedade” é de autoria do secretário-geral do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcus Vinícius Furtado Coelho, e foi publicado na edição desta terça-feira (18) do jornal O Estado de S. Paulo em 18 de dezembro de 2012.

Postura do Ministério Público em relação à OAB evoluiu

Por Rodrigo Badaró de Castro

No ano que ora se encerra, evoluímos muito quanto à postura do Ministério Público (MP) em relação aos advogados e à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o que é fruto da incipiente mudança de perfil ministerial, especialmente no que se refere a estabelecer uma isonomia de tratamento, que começou a ser reconhecida, bem como da necessidade de o membro do Parquet ser mais acessível à comunidade jurídica e à sociedade.

Nessa senda, o Conselho Nacional do Ministério Público, atendendo a clamores sociais e à própria OAB, percebeu a necessidade de fomentar o diálogo entre seus membros e a sociedade. De forma sábia, editou a Resolução 88, de 28 de agosto de 2012, que dispõe sobre a obrigatoriedade de membros do Ministério Público prestarem atendimento, sempre que lhes for solicitado, ao público e ao advogado de qualquer das partes. O respeito a esta prerrogativa dos advogados é um avanço na facilitação da comunicação entre as partes, o que imprime maior transparência e eficiência no trabalho do Ministério Público.

No entanto, é inegável que, com certa frequência, o MP quer fazer às vezes do magistrado e luta por prerrogativas que o distingam do advogado, como no caso da disposição da cátedra. Nessa linha, o MP, no dia 27 de novembro de 2012, obteve, perante o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), decisão que impediu a mudança da posição do representante do Ministério Público na cátedra, até o Supremo Tribunal Federal (STF) definir qual modelo deve ser adotado em todo o território brasileiro.

Essa questão é objeto da ADI 4.768, em trâmite no Supremo Tribunal Federal, ajuizada pelo Conselho Federal da OAB, que, após acolhimento unânime de parecer de minha relatoria no citado órgão, resolveu impugnar o artigo 18, alínea “a”, da LC 75/93, no que se refere a afastar a “prerrogativa” do MP de sentar-se ao lado do juiz, em nível diferente do advogado, nas causas que atua como parte e não como fiscal da lei.

Tal pretensão da advocacia já foi abraçada pelo Legislativo e vem sendo debatida no Congresso Nacional por meio do PLP 179/2012, que visa assegurar a isonomia e “paridade de armas”.

Não adentrando nas obrigações institucionais e legais, tem-se observado que o Ministério Público age, em certos momentos, com um excesso de ativismo, o que coloca em cheque o interesse público e o resguardo do regime democrático. Ao agir assim, o MP atua sozinho, isolando-se do papel que lhe é incumbido e afastando-se da sociedade, da Ordem dos Advogados do Brasil e da comunidade jurídica, que em tese buscam os mesmos objetivos.

O Ministério Público e a Ordem dos Advogados do Brasil são unidos na gênese pela formação técnica e na preservação do Estado Democrático de Direito. As questões que os distinguem são formais e de atribuições tão somente, pois, na essência, no dever, nas obrigações e na responsabilidade, são iguais, tanto quanto os juízes, sendo todos essenciais à administração da Justiça.

Vejo que o Poder Legislativo assim como o Poder Judiciário e até mesmo o Conselho Nacional do Ministério Público têm- se rendido à necessidade de união produtiva entre o MP e a OAB.

Volvendo-se para a OAB como entidade que deve andar pari passu com o Parquet, é de aproveitar este espaço para esclarecer alguns pontos suscitados pela afirmativa trazida no artigo da lavra do promotor de Justiça do estado de Minas Gerais Dr. André Luís Alves de Melo, com o título de “OAB não é entidade autárquica federal”, reproduzido pela revista Consultor Jurídico.

O nobre membro do parquet sustenta, com base no que definiu o STF ao julgar improcedente a ADI 3.026 (julgada em 2006), proposta pelo Procurador Geral da República, a qual visava a exigência de concurso público para provimento de cargos na OAB, que a OAB não é pessoa jurídica de direito público, nem mesmo autarquia, tampouco autarquia de regime especial, motivo pelo qual não poderia mais ser julgada pelo Judiciário Federal. Assim, afirma-se no referido artigo: “Logo, como a OAB não é mais autarquia especial, vincula-se pela ADIN que não tem mais foro federal”. Nessa linha, o ilustre articulista cita inúmeras decisões do STJ para corroborar sua tese.

Ora, é interessante registrar que as decisões mencionadas pelo referido Promotor (CC 47613 – DJU 22.08.2005 e REsp 235723 – DJU 04.11.2002) são anteriores ao definido pelo STF, razão pela qual não foram influenciadas pelo julgamento da ADI 3.026. Pelo contrário, inúmeras decisões recentes do STJ, posteriores a manifestação do STF, confirmam a competência da Justiça Federal para julgar ações em que a OAB seja parte.

Outras decisões, inclusive do ano corrente, reafirmam essa competência da Justiça Federal, havendo, em todas elas, exame específico sobre o reflexo da ADI 3.026, julgada pelo STF. Alguns desses julgados são: CC 121.574/DF (DJe 13.11.2012); CC 124.469/DF (DJe06.11.2012); CC 125.175/DF (Dje 24.10.2012).

Não se pode olvidar que as atribuições afetas à OAB pelo artigo 44, I e II, da Lei 8.906/94[1] têm natureza federal, e, com base nisso, o próprio Superior Tribunal de Justiça entende que “Não há como conceber que a defesa do Estado Democrático de Direito, dos Direitos Fundamentais, a regulação da atividade profissional dos advogados, dentre outras, constituam atribuições delegadas pelos Estados Membros.”[2]

Como se vê, ao contrário do que é sustentado pelo articulista, as causas nas quais a OAB figure como parte são de competência da Justiça Federal. Fica claro que a decisão do STF na ADI 3.026 não afetou a compreensão do STJ, tendo o mesmo a enfrentado de forma clara.

Por fim, vale relembrar que a OAB e o MP não são entidades diferentes porque defendem, muitas vezes, posições contrárias. São iguais e assim devem ser para o bem da justiça.

[1] Art. 44. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade:

I – defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas;

II – promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil.

§ 1º A OAB não mantém com órgãos da Administração Pública qualquer vínculo funcional ou hierárquico.

§ 2º O uso da sigla OAB é privativo da Ordem dos Advogados do Brasil.

[2] AgRg no REsp 1255052 / AP – DJe 14/11/2012

Fonte: Conjur