A importância do assistente de acusação na apuração dos crimes contra a dignidade sexual

O presente artigo visa demonstrar a importância atribuída ao assistente de acusação na apuração dos crimes contra a dignidade sexual, com as mudanças trazidas pelas Leis nºs 11.719, de 20 junho de 2008 e 12.015, de 7 de agosto de 2009, que modificaram, respectivamente, o Código de Processo Penal e o Código Penal Brasileiros.

Inicialmente, porém, deve-se registrar, ainda que en passant, a existência de algumas controvérsias na seara jurídica ligadas ao instituto da assistência de acusação, havendo, inclusive, posicionamentos doutrinários que sustentam a sua inconstitucionalidade no nosso sistema processual penal contemporâneo.

Todavia, o presente ensaio não tenciona levar a discussão a esse nível, haja vista que a doutrina brasileira, bem como a jurisprudência dos nossos Tribunais consagram, de forma unânime, a presença viva desse instituto no ordenamento jurídico pátrio.

Nesse sentido, é consabido no âmbito jurídico-penal que nos crimes de ação penal pública, ou seja, naqueles em que a titularidade da ação compete ao Ministério Público, poderá o ofendido ou seu representante legal, se menor de 18 anos, ou, no caso de ausência ou morte, qualquer das pessoas mencionadas no art. 31 do CPP, ingressar no processo mediante a admissão como assistente de acusação nos termos do artigo 268 usque 273 deste diploma legal.

Entretanto, tal legitimação não dispensa a capacidade postulatória, definida como a aptidão técnica para postular em juízo, prerrogativa exclusiva do advogado, assim considerado o bacharel em direito com inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil, após aprovação no Exame de Ordem, visto que com a Magna Carta de 1988¹ o advogado passou a ser reconhecido como indispensável à administração da Justiça, sendo que no seu ministério privado presta serviço público e exerce função social, e no processo judicial colabora na postulação de decisão favorável ao seu constituinte e ao convencimento do julgador, consistindo os seus atos num verdadeiro múnus público (art. 133 da CF c/c o art. 2º, §§ 1º, 2º e 3°, da Lei nº 8.906/94 (EAOAB).

Por conseguinte, estando o assistente de acusação devidamente representado em juízo por um advogado, com instrumento procuratório específico incluso, poderá atuar em todos os termos do processo, sempre depois do promotor de justiça, com amplos poderes para propor meios de prova, fazer perguntas às testemunhas, participar dos debates orais, requerer diligências, e até mesmo recorrer quando necessário, geralmente, após transitar em julgado a sentença ou decisão para o titular da pretensão punitiva².

Na realidade, o interesse do ofendido em se habilitar como assistente, por meio de advogado, se justifica pelo fato de, na qualidade de vítima atingida diretamente pela conduta ilícita apurada no processo, ser o titular do bem jurídico lesado, podendo, deste modo, intervir para ajudar, assistir e auxiliar o Ministério Público na averiguação da verdade substancial, bem assim garantir seus interesses em relação à indenização civil decorrente dos danos produzidos pelo crime, que ocorrerá, normalmente, a partir da sentença penal condenatória.

Vê-se, dessa maneira, que o assistente de acusação tem relevante

papel participativo na persecução penal, exercendo, nesse ponto, um direito de ação, sem ter, necessariamente, a obrigação de interferir. No entanto, se assim proceder, terá o direito de deduzir a sua pretensão condenatória contra o acusado em busca da escorreita distribuição da justiça penal e reparação civil dos danos gerados pelo crime.

Nessa ordem de ideias, sem descurar da importante participação do assistente nos demais crimes de ação penal pública, deve-se lembrar que a sua função participativa tem maior relevância nos crimes contra a dignidade sexual, pois, em face da substituição da expressão “Dos Crimes Contra os Costumes” para “Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual”, operada pela Lei nº 12.015/2009, alterou-se, também, o foco da proteção jurídica, que antes eram apenas os hábitos e a moral da sociedade, incluiu-se, outrossim, a dignidade sexual do indivíduo³. Assim, ao tratar a lei penal de crimes contra a “dignidade sexual”, resta clara a intenção de proteger a dignidade da pessoa humana, a sua liberdade e intangibilidade sexual, além do completo e saudável desenvolvimento da personalidade, no que tange à sexualidade do ser humano.

Não obstante, o que se protege no aspecto sexual não é apenas a dignidade do ser humano, mas também a sua liberdade e integridade física e moral, sua vida e sua honra, bens jurídicos tutelados nos crimes contra a dignidade sexual, variando segundo o tipo penal violado. Além disso, busca-se também a proteção da moralidade pública sexual, cujos padrões devem pautar a conduta das pessoas, preservando-se outros valores igualmente importantes para a sociedade.

No entanto, como dito, o bem jurídico essencialmente protegido nesses delitos é, sem sombra dúvida, a dignidade sexual, de onde deflue a honra – objetiva e subjetiva -, ou seja, protege-se não só a reputação do indivíduo no meio social, mas também o seu sentimento de dignidade e respeito próprio.

Com efeito, a tutela da dignidade sexual emana do princípio da dignidade do ser humano, postulado supremo do direito pátrio, previsto no artigo 1º, inciso III, da CF/88¹, in litteris:“A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (…) III – a dignidade da pessoa humana;”

Nesse contexto, pode-se afirmar que o princípio da dignidade humana, consagrado pela Carta Magna como valor cardeal para o alicerce da ordem jurídica do Estado Democrático de Direito, constitui um referencial unificador dos direitos fundamentais objetivando resguardar o bem-estar das pessoas no ambiente social, protegendo-as de quaisquer agressões à sua personalidade.

Sendo assim, como valor universal e inerente ao ser humano, a sua normatização transcende os limites territoriais, passando a ser um postulado do Direito Internacional, tendo como principal documento a Declaração Universal dos Direitos Humanos, ao dispor em seu artigo 1º que: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.”

Da mesma forma, a tutela da dignidade humana se encontra consagrada na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de dezembro de 1969, do qual o Brasil é signatário, cujo artigo 11 dispõe: “1. Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade.”

Nesse diapasão, estabelece o artigo 5º, inciso X, da nossa Lei Maior¹, in verbis: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”

Conclui-se, destarte, que em todas as esferas da vida em sociedade, independentemente de tipificação explicita, quando houver violação a qualquer dos bens jurídicos garantidos pelo princípio da dignidade humana, deverá este fato ser objeto de reparação, com a imposição da sanção correspondente, na maioria dos casos, por compensação pecuniária, mediante solicitação expressa do ofendido ou representante legal tecnicamente habilitado.

Sobre esse aspecto, deve-se destacar que antes da reforma do CPP, realizada pela Lei nº 11.719/2008, que modificou sensivelmente os procedimentos previstos na legislação processual penal, havia duas formas básicas para o ofendido, vítima de um delito, pleitear a reparação civil, quais sejam: podia esperar o trânsito em julgado da sentença penal condenatória para requerer-lhe a liquidação e posterior execução ou, então, promover, imediatamente, mesmo que pendente o processo criminal, uma ação de cognição, isto é, a conhecida actio civilis ex delicto ² (arts. 63 e 64 do CPP).

Porém, com a modificação operada pela referida lei, inobstante a manutenção dessas duas alternativas para o ofendido conseguir a reparação civil, atribuiu-se ao juiz criminal a competência cumulativa para fixação de indenização em decorrência dos danos materiais e/ou morais gerados pela infração4. Para tanto, o legislador introduziu o parágrafo único no art. 63 do CPP, dispondo que: “Transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput do art. 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido.”

Em seguida, tratando da sentença condenatória, inseriu o inciso IV no art. 387 do CPP, que diz: “fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido”.

Contudo, esqueceu de mencionar o rito processual a ser utilizado para averiguação do aludido valor indenizatório, bem como quem teria legitimidade para requerer a reparação dos danos causados pelo crime, indicando unicamente um valor mínimo, quando, na verdade, poderia ter inserido expressamente a possibilidade de arbitramento do valor total da indenização.

Diante dessas omissões, surgiram dúvidas por parte da comunidade jurídica quanto à aplicação desse dispositivo legal sem violação de outras normas jurídicas, sendo certo que a doutrina e a jurisprudência pátrias vêm construindo orientações para esses problemas, afirmando que na hipótese de indenização à vítima, não há cogitar-se de condenação do réu a indenizar prejuízos sofridos pelo ofendido sem que este tenha formulado pedido explícito, pois, a fixação de indenização civil ex officio na decisão criminal condenatória, sem o respectivo debate entre as partes, fere frontalmente os princípios do contraditório e da ampla defesa, já que o réu tem direito de se defender tanto no tocante à questão penal quanto à civil4. Alertam, ademais, que a interpretação do art. 387, inciso IV, do CPP, deve ser harmonizada com o princípio da necessidade da demanda, consubstanciado no brocardo latino ne procedat judex ex officio, segundo o qual o juiz não pode condenar de ofício, ou seja, sem provocação. Aliás, esse é o entendimento jurisprudencial que vem se firmando no egrégio TJDFT5, in verbis: “2. A indenização dos danos causados à vítima deve ser excluída quando não haja pedido expresso do interessado, nem submissão do tema ao contraditório e à ampla defesa, haja vista o princípio da inércia da jurisdição.”

Em regra, tratando-se de ações penais exclusivamente privadas não há qualquer obstáculo processual, uma vez que o pleito indenizatório pode ser deduzido ordinariamente pela vítima ou representante legal, com a apresentação da petição inicial acusatória, pois, sendo o ofendido o próprio titular da ação, também tem legitimidade para requerer a indenização. Os problemas surgem no campo das ações penais públicas, por ser o Ministério Público o dominus litis, ensejando as seguintes indagações: Quem teria legitimidade e capacidade postulatória para formular o pedido de indenização em favor da vítima ou ofendido? E, em se tratando de ofendido economicamente hipossuficiente, a quem caberia essa incumbência? Qual, enfim, o procedimento adequado a ser adotado para apuração do valor indenizatório?

Consultando a legislação, doutrina e jurisprudência sobre o assunto, devido à escassez de obras a respeito, em virtude, talvez, da novidade do tema, não encontramos soluções precisas para essas questões. Todavia, partindo da leitura atenta e incansável dessas fontes de direito, aliada à nossa modesta experiência jurídica, construímos algumas sugestões visando contribuir para amenizar tais dificuldades.

Nesse desiderato, diante do princípio da inércia que caracteriza a jurisdição, concluímos que o pedido de reparação por danos, na espécie, exige, realmente, um autor legitimado e com capacidade técnica-formal para fazê-lo. Logo, inexistindo requerimento expresso por parte do ofendido ou representante legal (pai, mãe, tutor ou curador), ou mesmo de seus herdeiros (art. 31-CPP), ostentando esses requisitos, não caberá ao juiz criminal arbitrar qualquer indenização.

Assim sendo, resta ao ofendido ou representante legal, devidamente identificado nos autos, habilitar-se como assistente de acusação, por intermédio de advogado, para somente assim, formular o pedido indenizatório.

Por outro lado, em se tratando de ofendido pobre na forma da lei, essa iniciativa compete à Defensoria Pública, tendo em vista o disposto no artigo 134 da CF/88¹, que a consagrou como instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados. Ao lado disso, a Lei Complementar nº 80/94, alterada pela LC nº 132/2009, que organizou a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados, aliada à Lei Federal nº 8.906/94, faculta esse mesmo entendimento.

De outro modo, nas comarcas onde não existe Defensoria Pública estruturada, o ideal é que o juiz nomeie advogado dativo para tal fim, pois a atribuição delegada ao Ministério Público pelo artigo 68 do CPP, como modalidade de assistência judiciária gratuita, não encontra mais inteiro amparo no atual sistema constitucional brasileiro.

Em verdade, consoante se extrai da melhor doutrina e entendimento do Pretório Excelso, esse órgão ministerial não detém mais, como antes, legitimidade plena para postular indenização civil em favor do ofendido, visto que a sua atuação encontra-se limitada ao campo dos direitos sociais e individuais indisponíveis, ao passo que o interesse do ofendido, no caso, tem natureza nitidamente individual e disponível (vide arts. 127 a 129 da CF/88¹).

Evidentemente, como exceção, e diante da inconstitucionalidade progressiva do artigo 68 do CPP declarada pelo Supremo Tribunal Federal6, pode admitir-se, sendo o ofendido pobre nos termos da lei e não existindo Defensoria Pública na comarca, nem tampouco advogado disponível à assistência judiciária dativa, que o membro do Parquet, havendo prévio requerimento do ofendido, o substitua processualmente no pleito indenizatório. Nos demais casos, respeitando as doutas opiniões doutrinárias e decisões judiciais em sentido contrário, entendemos que tal pretensão exorbitaria o âmbito de sua atribuição.

Verifica-se, portanto, que a única forma viável para se dar cumprimento ao novel dispositivo legal (art. 387, IV, CPP) é haver solicitação expressa feita pela vítima ou representante legal, por meio de assistente de acusação admitido nos autos e com capacidade técnica para peticionar em juízo, cuja legitimidade deriva da nova lei, mesmo que implicitamente4.

A partir daí, com base nos princípios constitucionais da celeridade processual e da razoável duração do processo, previstos no art. 5º, inciso LXXVIII, da CF/88¹, intima-se o réu para tomar ciência do pedido indenizatório e apresentar, querendo, nos próprios autos, a defesa que entender pertinente, devendo-se, contudo, evitar a discussão de questão complexa e de alta indagação nesta esfera criminal, sob pena de obstar a condenação do réu nesse sentido.

Dessa forma, tendo em vista o novo redimensionamento dos bens jurídicos tutelados nos delitos sexuais, protegendo-se essencialmente a dignidade sexual da vítima, a participação do assistente de acusação, por meio de causídico, no deslindamento desses crimes hediondos (estupros), que causam sequelas físicas e psicológicas, na maioria das vezes, irreversíveis, torna-se imprescindível, na medida em que assiste e auxilia o órgão acusador oficial na busca da correta aplicação da norma penal ao caso concreto.

Ademais, conforme já explicitado, após a reforma implementada pela lei supracitada, que alterou o inciso IV do art. 387 e introduziu o parágrafo único no art. 63, ambos do CPP, mais importância ganhou a figura do assistente de acusação, visto que a intervenção do Ministério Público, na hipótese, se restringe à área de aplicação da lei penal, ao passo que o assistente, além de colaborar com a Justiça, velando pelo bom andamento e desfecho positivo da ação penal, preocupa-se, ainda, em defender seus interesses reflexos, na ânsia de obter uma justa reparação civil, de modo a atenuar as dores e sofrimentos morais experimentados em decorrência da ação delituosa.

Ante o exposto, levando-se em consideração que a prática dessas condutas criminosas, principalmente na modalidade de estupro de vulnerável, cresce assustadoramente em nosso país, motivada, quiçá, pela pedofilia; considerando, ainda, que tais crimes sexuais deixam cicatrizes profundas, sobretudo, em crianças e adolescentes, causando danos irreparáveis à vítima, recomenda-se às pessoas direta ou indiretamente afetadas que intervenham sempre no processo, habilitando-se como assistente de acusação, por advogado legalmente constituído, a fim de melhor assegurar a exata aplicação da lei penal e garantir a devida reparação civil dos danos causados pelo delito.

NOTAS
1.SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 7ª edição, SP: Malheiros, 2010.
2.CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 18ª edição, SP: Saraiva, 2011, p. 209/249.
3.JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – volume 3 – Parte Especial, 19ª edição, SP: Saraiva, 2010, p.121/223.
4.NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado, 10ª edição, rev. atual e ampl. SP: RT-2011, p.192/195 e 734//741.
5.TJDFT – APR2009011051935-8, Acórdão nº 529486, Rel. Des. George Lopes Leite, 1ª Turma Criminal, julgado em 29/06/2011, DJ-e: 24/08/2011, pág. 15 8).
6.STF-RE 341.717/SP, Rel. Min. Celso de Melo.

JOAQUIM DE CAMPOS MARTINS é Advogado. Graduado em Direito pela Universidade de Brasília (UnB); Pós-Graduado pela Escola da Magistratura do DF; Autor do livro Manual da Legislação Específica do TJDFT e de artigos jurídicos publicados em jornais, revistas e informativos especializados.

Arbitragem garante paz social na resolução de conflitos

O Poder Judiciário praticamente detém o monopólio e a confiança da sociedade na solução de litígios. O cidadão que procura a Justiça outorga a um juiz poderes para solucionar controvérsias que, sozinho, não consegue resolver. Esta é a chamada Justiça Estatal, que utiliza procedimentos previstos em lei para tentar oferecer à sociedade a almejada paz social.

No entanto, a cultura de acionar o Estado a cada conflito acaba sobrecarregando o Poder Jurisdicional, acarretando atrasos crônicos na solução dos litígios, que podem tramitar por anos e até décadas. A conseqüência é a descrença da população na Justiça — e na justiça de modo geral, comprometendo desde a proposta original do Estado até o aparato judicial à disposição do cidadão, sistema reconhecidamente lento, ineficiente e por vezes injusto.

O Conselho Nacional de Justiça divulgou informação de que no ano passado, em média, cada magistrado brasileiro cuidou de aproximadamente seis mil processos, enquanto cada desembargador cuidou de cerca de dois mil. Ao todo, foram ajuizados 17,7 milhões de processos na Justiça Estatal durante o ano de 2010. É um dado alarmante, ao mesmo tempo preocupante, já que no Brasil há apenas 8 juízes para cada 100 mil habitantes.

Não é por outra razão que desde 1996 a sociedade conta com alternativa segura e mais rápida de solução de conflitos: a arbitragem, comumente utilizada por diversos países, conhecida como Justiça Privada, praticada por particulares que litigam sobre direitos disponíveis. A vantagem é que as partes escolhem seus árbitros, com capacidade de sanar o conflito em até seis meses. A Lei de Arbitragem completará 15 anos no próximo dia 23. Penso que é chegada a hora de reconhecer e divulgar essa eficiente alternativa de solução de conflitos tão pouco praticada em nosso país.

A título de esclarecimento, arbitragem nada mais é que a tentativa de equilibrar a vontade das partes através de um procedimento mais simples e célere. Só que antes de iniciá-lo os litigantes devem renunciar à Justiça Estatal, celebrando o chamado compromisso arbitral por meio de cláusula compromissória, convencionando previamente que os conflitos resultantes da relação jurídica entabulada serão dirimidos pelo Juízo Arbitral, nos termos da Lei de Arbitragem, podendo ser indicada a Câmara de Arbitragem escolhida, cuja deliberação final terá o mesmo valor de uma decisão judicial.

A principal característica positiva da arbitragem é que a pessoa ou as pessoas escolhidas pelas partes para dirimir conflitos serão as mesmas do princípio ao fim, emprestando maior confiabilidade ao procedimento, o que, infelizmente, não acontece nas questões levadas ao Judiciário, em que o juiz que iniciou o procedimento pode não ser o mesmo que proferirá a sentença, fato que se revela no mínimo injusto, já que, supõe-se, o juiz que teve acesso ao caso desde seu início é quem melhor conhece o processo, as partes e o direito sub judice — mesmo que não se lembre dos nomes dos envolvidos, devido à tremenda quantidade de casos que é obrigado a apreciar e julgar anualmente.

Outro ponto positivo e bastante animador é que a arbitragem possui tempo certo para terminar, de seis meses ou outro previamente pactuado pelas partes, sob pena de nulidade, o que obriga os árbitros a se dedicar com mais profundidade e atenção ao deslinde da questão, pois há um prazo a cumprir. Ainda, de relevância máxima, da decisão emanada não cabe recurso, em total contraponto ao que ocorre no Judiciário, onde, após a sentença proferida, por vezes protelada por anos a fio, a possibilidade de interposição de incontáveis recursos manobrados por advogados pode ampliar e prolongar indefinidamente a solução do litígio.

É o caso, por exemplo, do locador que ajuíza ação de despejo contra um inquilino que não paga aluguel nem desocupa seu imóvel. A citação pode demorar de um a seis meses, ou mais tempo, já que o locatário não tem o menor interesse de receber a intimação judicial e foge do Oficial de Justiça. Então, devidamente citado, o locatário possui quinze dias para pagar o que deve ou contestar a demanda, prazo este a contar da juntada da certidão de citação pelo Oficial de Justiça aos autos, o que pode levar de dez a vinte dias.

Assim, após meses, ou anos, de inadimplência e volumes e mais volumes de documentos e petições, recursos incidentais protelatórios, réplica, tréplica, memoriais, audiências e alegações finais, o juiz finalmente sentencia favoravelmente ao locador. Feliz, ele acredita que está a um passo de receber o dinheiro devido e ter seu imóvel desocupado para, finalmente, poder alugá-lo para um inquilino mais honesto.

Ledo engano. O advogado da parte contrária interpõe recurso de apelação no último dos quinze dias que teria para cumprir a sentença, geralmente com efeito suspensivo, paralisando o processo. Na segunda instância, os autos levam cerca de três meses para ser autuados e receber contrarrazões. Conclusos, pode levar meses, e até anos, até a decisão final do Tribunal ou do STJ.

Enquanto isso, o locador fica à mercê do locatário, que ocupa a propriedade alheia sem nada pagar e acha isso normal, talvez crível na impunidade de seu ato. No final, mesmo com o acórdão favorável irrecorrível transitado em julgado proferido pela instância superior (passível de ação rescisória no prazo de dois anos), o locador se vê diante do impensável: a dívida é estratosférica e o inquilino não tem dinheiro para pagar, não possui ativos financeiros na conta-corrente nem bens para penhora.

Ou seja, o processo demorou tanto que quando a tutela pleiteada finalmente foi concedida chegou-se à conclusão de que o direito nada vale, vez que impossível de ser executado, e o prejuízo se mostra imensurável, emocional e financeiramente.

Indiscutivelmente, o sistema judiciário brasileiro não comporta nem suporta a incessante demanda de processos judiciais, tratados em sua maioria com frieza e distância, não por falta de vontade dos operadores do Direito, mas por reconhecida total insuficiência de recursos humanos e administrativos. Além disso, vale dizer que cada incidente, cada petição protocolada adia ainda mais a solução do conflito, amontoando-se páginas e mais páginas de documentos e volumes, impedindo que a justiça finalmente seja feita e o bem triunfe sobre o mal.

Já no procedimento arbitral tal não acontece, vez que o processo é dinâmico, um tanto quanto informal e bastante eficiente, com prazo certo para terminar, o que, como é de se presumir, minimiza a desavença, o desgaste emocional e o prejuízo material dos litigantes.

No exemplo acima descrito, se no contrato de locação constasse cláusula compromissória devidamente pactuada, ao menor sinal de inadimplência e dificuldade de receber o imóvel, o locador poderia procurar a Câmara de Arbitragem de sua escolha, que enviaria notificação ao locatário narrando a situação, solicitando seu comparecimento ao local em dia e horário previamente definidos para realização de tentativa de conciliação, sob pena de revelia, podendo a parte se fazer acompanhar de advogado e/ou árbitro de sua confiança.

Comparecendo, iniciar-se-ia o procedimento arbitral com prazo de seis meses para prolação da decisão. O árbitro, juiz de fato da câmara escolhida, proferiria a sentença arbitral irrecorrível, título executivo judicial, nos termos do artigo 475-N, IV, do Código de Processo Civil, podendo o devedor ser condenado pelo Poder Judiciário a desocupar o imóvel sob pena de coerção policial e a pagar o débito em quinze dias, sob pena de penhora.

Importante registrar que apenas direitos disponíveis e transacionáveis são resolúveis pela arbitragem, como, à guisa de ilustração, aqueles referentes à propriedade intelectual, marcas e patentes, franquias, sociedades empresariais, responsabilidade civil, reparação de danos, seguros, convênios, consórcios, condomínios, negócios imobiliários (compra, venda, aluguel, comodato, posse, incorporação etc), comércio exterior, contratos e negócios jurídicos, defeitos na fabricação e fornecimento de produtos e serviços em geral, etc. Ou seja, não são passíveis de arbitragem direitos indisponíveis, como os inerentes ao Direito de Família.

Como se pode ver, o objetivo maior da arbitragem é compor a vontade das partes sob princípios de liberdade, autonomia e boa-fé. Assim, é impensável transacionar se não há vontade ou interesse de fazê-lo. Como fazer acordo com quem não deseja transacionar? Impossível. A alternativa, neste caso, fracassadas as tentativas de conciliação, é recorrer ao Judiciário para solução do conflito. Porém, se existe cláusula compromissória ou arbitral chancelada pelos litigantes naquele negócio jurídico em discussão, à qual devem se submeter, o caso não poderá ser levado à Justiça Comum.

Contudo, engana-se quem pensa que arbitragem é um procedimento desordenado. Muito pelo contrário. A Lei de Arbitragem, como todas as leis, possui regramento próprio, enumerando preceitos e procedimentos a serem seguidos para que o resultado final produza os efeitos legais desejados. Ou seja, não é um método livre de normas e isento de riscos. A maneira como é realizado pelas partes, árbitros e advogados pode até ser mais livre, prática e informal, mas deve obedecer a princípios e limites previamente estabelecidos.

O procedimento é praticamente igual ao da Justiça comum: começa com alegações iniciais de ambas as partes, cabendo-lhes direito a contestação, réplica e tréplica. Realiza-se audiência, há oitiva de testemunhas, depoimento pessoal das partes, faz-se juntada de documentos e pode haver até perícia técnica, terminando, no prazo fixado, com a decisão irrecorrível proferida pelo Juízo Arbitral devidamente chancelada pelo cartório da Câmara de Arbitragem.

Sobre esse item, imperioso destacar que cabem embargos de declaração no prazo de cinco dias para correção de erro material existente na decisão arbitral, que deverá ser feito em até dez dias. Com a sentença, extingue-se o feito e a relação processual. A decisão possui poder executivo reconhecido pela lei processual civil.

Diante do exposto, conclui-se que a arbitragem revela-se plenamente capaz de dirimir, em menor tempo e de forma segura, as mais diversas divergências e controvérsias do mundo jurídico, merecendo ser divulgada, conhecida e amplamente utilizada pela parcela da sociedade que busca agilidade e eficiência na solução de seus conflitos. A arbitragem não concorre com a Justiça Comum; muito pelo contrário, colabora desafogando o Poder Judiciário, oportunizando a mediação, nos termos da hodierna proposta do CNJ.

Não é de hoje que a conciliação é a melhor e mais rápida maneira de alcançar a paz social, bastando, para isso, interesse e desejo genuínos das partes litigantes e o reconhecimento estatal de que a Arbitragem é uma grande aliada na busca pela paz social.

*Patricia Garrote é advogada

Fonte: Conjur

Repórter não é polícia; imprensa não é justiça

Brasília, 1º/09/2011 – Ao voltar de Barretos, o meu correio eletrônico já estava entupido de mensagens de amigos e leitores comentando e me pedindo para comentar a reportagem da revista Veja sobre as “atividades clandestinas” do ex-ministro José Dirceu, um dos denunciados no processo do “mensalão”, que tramita no Supremo Tribunal Federal e ainda não tem data para ser julgado.

Só agora, no começo da tarde de segunda-feira [29/8], consegui ler a matéria. Em resumo, como está escrito na capa, sob o título “O Poderoso Chefão”, ao lado de uma foto em que Dirceu aparece de óculos escuros e sorridente, a revista afirma:

“O ex-ministro José Dirceu mantém um “gabinete” num hotel de Brasília, onde despacha com graúdos da República e conspira contra o governo da presidente Dilma”.

A sustentar a grave “denúncia”, a revista publica dez reproduções de um vídeo em que, além de Dirceu, aparecem ministros, parlamentares e um presidente de estatal entrando ou saindo do “bunker instalado na área vip de um hotel cinco estrelas de Brasília, num andar onde o acesso é restrito a hóspedes e pessoas autorizadas”.

Nas oito páginas da “reportagem” – na verdade, um editorial da primeira à última linha, com mais adjetivos do que substantivos – não há uma única informação de terceiros que não seja guardada pelo anonimato do off ou declaração dos “acusados” de visitar o bunker de Dirceu confirmando a tese da Veja.

Perguntas sem respostas

Fiel a uma prática cada vez mais disseminada na grande mídia impressa, a tese da conspiração de Dirceu contra o governo Dilma vem antes da apuração, que é feita geralmente para confirmar a manchete, ainda que os fatos narrados não a comprovem.

Para dar conta da encomenda, o repórter se hospedou num apartamento no mesmo andar do ex-ministro. Alegando ter perdido a chave do seu apartamento, pediu à camareira que abrisse o quarto de Dirceu e acabou sendo por ela denunciado ao segurança do hotel Naoum Plaza, que registrou um boletim de ocorrência no 5º Distrito Policial de Brasília, por tentativa de invasão de domicílio.

Li e reli a matéria duas vezes e não encontrei nenhuma referência à origem das imagens publicadas como “prova do crime”, o primeiro dos mistérios suscitados pela publicação da matéria. O leitor pode imaginar que as cenas foram captadas pelas câmeras de segurança do hotel, mas neste caso surgem outras perguntas:

** Se o próprio hotel denunciou o repórter à polícia, segundo O Globo de domingo, quem foi que lhe teria cedido estas imagens sem autorização da direção do Naoum?

** Se foi o próprio repórter quem instalou as câmeras, isto não é um crime que lembra os métodos empregados pela Gestapo e pelo império midiático dos Murdoch?

** As andanças pelo hotel deste repórter, que se hospedou com o nome e telefone celular verdadeiros, saiu sem fazer check-out e voltou dando outro nome, para supostamente entregar ao ex-ministro documentos da prefeitura de Varginha, são procedimentos habituais do chamado “jornalismo investigativo”?

As dúvidas se tornam ainda mais intrigantes quando se lê o que vai escrito na página 75 da revista:

“Foram 45 horas de reuniões que sacramentaram a derrocada de Antonio Palocci e durante as quais foi articulada uma frustrada tentativa do grupo do ex-ministro de ocupar os espaços que se abririam com a demissão. Articulação minuciosamente monitorada pelo Palácio do Planalto, que já havia captado sinais de uma conspiração de Dirceu e de seu grupo para influir nos acontecimentos que ocorriam naquela semana [6,7 e 8 de junho, segundo as legendas das fotos] – acontecimentos que, descobre-se agora, contavam com a participação de pessoas do próprio governo”.

A afirmações contidas neste trecho suscitam outras perguntas.

** Como assim? Quem do governo estava conspirado contra quem do governo?

** Por acaso a revista insinua que foi o próprio governo quem capturou as imagens e as entregou ao repórter da Veja?

** Por que a reportagem/editorial só publica agora, no final de agosto, fatos ocorridos e imagens registradas no começo de junho, no momento em que o diretor de Redação da revista está de férias?

Boa lembrança

Só uma coisa posso afirmar com certeza, depois de 47 anos de trabalho como jornalista: matéria de tal gravidade não é publicada sem o aval expresso dos donos ou dos acionistas majoritários. Não é coisa de repórter trapalhão ou editor descuidado.

Ao final da matéria, a revista admite que “o jornalista esteve mesmo no hotel, investigando, tentando descobrir que atração é essa que um homem acusado de chefiar uma quadrilha de vigaristas ainda exerce sobre tantas autoridades (…) E conseguiu. Mas a máfia não perdoa”.

Conseguiu? Há controvérsias… No elenco de nomes apresentados pela revista como frequentadores do “aparelho clandestino” de Dirceu, no entanto, não encontrei nenhum personagem que seja publicamente conhecido como inimigo do ex-ministro Antonio Palocci.

O texto todo foi construído a partir de ilações e suposições para confirmar a tese – não de informações concretas sobre o que se discutiu nestes encontros e quais as consequências efetivas para a queda de Palocci.

Não tenho procuração para defender o ex-ministro José Dirceu, nem ele precisa disso. Escrevo para defender a minha profissão, tão aviltada ultimamente pela falta de ética de veículos e profissionais dedicados ao vale-tudo de verdadeiras gincanas para destruir reputações e enfraquecer as instituições democráticas.

É um bom momento para a sociedade brasileira debater o papel da nossa imprensa – uma imprensa que não admite qualquer limite ou regra, e se coloca acima das demais instituições para investigar, denunciar, acusar e julgar quem bem lhe convier.

Diante de qualquer questionamento sobre as responsabilidades de quem controla os meios de comunicação, logo surgem seus porta-vozes para denunciar ameaças à liberdade de imprensa.

Calma, pessoal. De vez em quando, convém lembrar que repórter não é polícia e a imprensa não é justiça, e também não deveria se considerar inimputável como as crianças e os índios. Vejam o que aconteceu com Murdoch, o ex-todo-poderoso imperador. Numa democracia, ninguém pode tudo.

*Ricardo Kotscho é jornalista

Fonte: Observatório da Imprensa

Os advogados são invioláveis, submetendo-se à OAB

Certas verdades necessitam ser sempre ditas, sob pena de perecimento. A inviolabilidade do advogado no exercício da função é norma insculpida no artigo 133 da Constituição Federal. O Conselho Nacional de Justiça, na sessão dessa terça-feira (30/8), reafirmou essa lição.

Decorre da inviolabilidade constitucional que o juiz não pode ameaçar de prisão, muito menos prender, advogado, seja ele privado ou público, ao argumento que a parte por ele representada, seja particular ou autoridade, esteja descumprindo ordem judicial. O advogado não se confunde com o seu cliente, eis uma premissa de altivez profissional.

Ao julgar Pedido de Providência formulado pela União dos Advogados Públicos Federais (Unafe), tendo o Conselho Federal da OAB como interessado em favor do pólo ativo, o CNJ acolheu magistral voto proferido pelo relator Jorge Hélio Chaves de Oliveira (1), decidindo oficiar aos presidentes de tribunais e corregedores solicitando a orientação de juízes no sentido de eximir que seja ameaçado de prisão, menos ainda preso, advogados públicos federais e estaduais para forçar que sejam cumpridas ações judiciais dirigidas a autoridades públicas.

Todos os advogados são invioláveis, submetendo-se à correção disciplinar por sua entidade, a Ordem dos Advogados do Brasil. Tal situação se aplica tanto ao advogado público quanto particular. Em controle concentrado de constitucionalidade (2), o STF vaticinou: “Impugnação ao parágrafo único do artigo 14 do Código de Processo Civil, na parte em que ressalva ‘os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB’ da imposição de multa por obstrução à Justiça. Discriminação em relação aos advogados vinculados a entes estatais, que estão submetidos a regime estatutário próprio da entidade. Violação ao princípio da isonomia e ao da inviolabilidade no exercício da profissão. Interpretação adequada, para afastar o injustificado discrímen”.

Observa com propriedade, o conselheiro relator no CNJ, “se o STF entende inadequada a aplicação de multa ao advogado, quanto mais a prisão ou ameaça de prisão”. E, mais, “não se pode admitir que advogados públicos sejam punidos com a pena mais grave em vigor neste país — a restrição da liberdade — por desempenharem as funções a eles acometidas por lei, ou seja, pelo exercício de suas atribuições funcionais”.

Sobre a inviolabilidade constitucional do advogado, ou imunidade no exercício da profissão, bem salienta o ministro Celso de Mello, em lapidar julgamento, asseverando se tratar de “garantia destinada a assegurar-lhe o pleno exercício de sua atividade profissional”. Nesse sentido, “o Supremo Tribunal Federal tem proclamado, em reiteradas decisões, que o advogado — ao cumprir o dever de prestar assistência àquele que o constituiu, dispensando-lhe orientação jurídica perante qualquer órgão do Estado — converte, a sua atividade profissional, quando exercida com independência e sem indevidas restrições, em prática inestimável de liberdade”. E, mais, “qualquer que seja a instância de poder perante a qual atue, incumbe, ao advogado, neutralizar os abusos, fazer cessar o arbítrio, exigir respeito ao ordenamento jurídico e velar pela integridade das garantias — legais e constitucionais — outorgadas àquele que lhe confiou a proteção de sua liberdade e de seus direitos”.

Com efeito, “o exercício do poder-dever de questionar, de fiscalizar, de criticar e de buscar a correção de abusos cometidos por órgãos públicos e por agentes e autoridades do Estado, inclusive magistrados, reflete prerrogativa indisponível do advogado, que não pode, por isso mesmo, ser injustamente cerceado na prática legítima de atos que visem a neutralizar situações configuradoras de arbítrio estatal ou de desrespeito aos direitos daquele em cujo favor atua”. E conclui o digno decano do Supremo Tribunal Federal, “o respeito às prerrogativas profissionais do advogado constitui garantia da própria sociedade e das pessoas em geral, porque o Advogado, nesse contexto, desempenha papel essencial na proteção e defesa dos direitos e liberdades fundamentais”(3).

O julgamento do CNJ acaba por beneficiar e proteger todo e qualquer cidadão, ainda que não advogado, pois ficou assentado, “o juiz não pode restringir a liberdade o exercício de jurisdição cível fora das hipóteses constitucionais de prisão civil. Essa garantia atinge todo cidadão”.

As prerrogativas são exercidas pelos advogados, mas não lhes pertencem. São predicamentos estatuídos para proteger a sociedade que necessita do profissional da defesa para garantir seus direitos.

A alvissareira decisão do CNJ êxito protagonizado pela atuação conjunta da Unafe e da OAB nacional, sob a liderança do presidente Ophir Cavalcante Junior, há de ser celebrada pela advocacia e cidadania brasileiras, pois asseguradora da inviolabilidade do exercício da profissão, fundamental à proteção dos direitos e garantias da sociedade, dos quais o advogado é instrumento. Advogado respeitado significa cidadão valorizado.

(1) CNJ, Plenário, Pedido de Providências 0000749-61.2011.2.00.0000, julg. 30-08-2011;
(2) STF, Plenário, ADI n. 2.652/DF, rel. Min. Maurício Correia, julgado em 08/05/2003, DJ 14/11/2003, p. 12; entendimento reafirmado na Reclamação nº 5.133/MG, Plenário do STF, Rel. Ministra Cármen Lúcia, DJe-157 de 21/8/09; e na decisão monocrática do Min. DIAS TOFFOLI nos autos da Reclamação nº 5746
(3) STF, Segunda Turma, HC 98237, Rel: Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 15/12/2009, DJe-145 DIVULG 05-08-2010 PUBLIC 06-08-2010;

*Marcus Vinicius Furtado Coêlho é Secretário-Geral do Conselho Federal da OAB.

Fonte: Conjur

Peticionamento Eletrônico – Porque escritórios e departamentos jurídicos devem utilizar

Com a nova era de virtualização de processos e procedimentos eletrônicos nos Tribunais Superiores, Tribunais Regionais Federais e Tribunais Estaduais de todo País, observa-se que os advogados ainda sentem-se inseguros quanto aos critérios de utilização e a forma com que cada Tribunal vem gerenciando a matéria.

Isto porque, apesar da criação de Lei específica sobre o assunto, não existe ainda um posicionamento uniforme dos Tribunais em relação a definição de normas e padrões de procedimentos, bem como quanto aos prazos para implementação da disponibilização da ferramenta eletrônica.

No que diz respeito ao tópico “peticionamento eletrônico”, sabe-se que os Tribunais Superiores – Supremo Tribunal Federal (STF), Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Tribunal Superior do Trabalho (TST), além de Tribunais Regionais Federais de alguns Estados estão adiantados na implementação da ferramenta eletrônica.

Contudo, quanto aos Tribunais Estaduais no País, com exceção de alguns Estados, a implementação da ferramenta eletrônica ainda não se encontra disponível.

Alguns Tribunais disponibilizam a ferramenta eletrônica, e outros não. Sua utilização é facultativa na maioria dos Tribunais. E em alguns casos e para determinadas ações, sua exigência já se torna obrigatória, como é o caso da ação originária, interposta perante o próprio Supremo Tribunal Federal.

Cada Tribunal vem disponibilizando a ferramenta no prazo que entende oportuno, e procede a formatação e utilização de acordo com suas necessidades regimentais.

Neste contexto, de que forma os advogados devem atuam? E mais: como proceder e organizar internamente os escritórios e departamentos jurídicos para lidar com esse novo instrumento?

Já sabemos que o processo de implantação da matéria nos Tribunais é um processo “sem volta”, só não sabemos em qual prazo ele estará definitivamente implantado em cada Tribunal.

Assim, só cabe a nós, advogados e gestores de escritórios e de departamentos jurídicos iniciar de forma rápida e eficiente a organização dos procedimentos para preparação do novo modelo informatizado, seja planejando internamente o modelo organizacional, seja capacitando o quadro interno dos advogados nos escritórios e em departamentos jurídicos de empresas.

Na prática, em primeiro lugar, os escritórios e departamentos devem escolher qual empresa deve realizar a certificação. Entre as disponíveis estão a Serasa, Caixa e Certisign. Também é preciso verificar as que já firmaram convênios com a OAB – Ordem dos Advogados do Brasil. Após, devem planejar internamente em quantas será
preciso instalar a leitora, ferramenta que possibilita o envio da peça eletrônica ao
Tribunal.

Uma vez adquirida a certificação para cada advogado, deve-se proceder a instalação da leitora em cada máquina a ser utilizada. Por último, deve-se verificar nos escritórios e departamentos quais Tribunais utilizam a ferramenta eletrônica nos Estados e Tribunais de interesse, para assim proceder a instalação de acordo com o direcionamento de cada Tribunal. Os próprios Tribunais, em suas páginas da internet, informam o procedimento adequado para a instalação.

Ultrapassando esta parte técnica, o próximo passo é a organização interna dos procedimentos necessários para implantação, observando-se, entre os advogados da equipe, quais estarão habilitados para peticionar eletronicamente, como por exemplo: o coordenador de equipe jurídica, o advogado revisor, ou ainda todos os advogados das equipes jurídicas.

É de suma importância que os advogados das equipes jurídicas sejam devidamente treinados e capacitados para garantir a eficiente utilização, evitando-se assim, que enviem as peças eletrônicas para os Tribunais que não correspondam aos processos, ou com a numeração processual e partes processuais incorretas.

Após o envio, o advogado deve se certificar de que o envio foi efetuado corretamente, e verificar o recibo de protocolo eletrônico. É este documento que garante ao advogado que a peça foi devidamente protocolizada.

É imprescindível também estabelecer para a equipe dos advogados o horário de encaminhamento das peças eletrônicas. Vale lembrar que, embora o prazo de envio eletrônico nos Tribunais vá até às 24:00 do dia do prazo fatal, se eventualmente ocorrer algum erro ou falha, seja no sistema do escritório, seja no site do Tribunal, que o mesmo não se responsabiliza pela conseqüente perda de prazo.

Assim, por cautela e segurança, recomenda-se que se estabeleçam os mesmos critérios já utilizados nos escritórios quanto aos prazos para envio, como por exemplo, seja estabelecido o critério de envio eletrônico com um dia antes do vencimento do prazo fatal na Justiça.

Ainda, dentre os critérios de organização interna, é importante observar que sejam efetuados os devidos controles. Deve-se controlar o envio de cada peça eletrônica e de seu recibo eletrônico.

Eles devem ser salvos em Software Jurídico de utilização do escritório, ou, na falta deste, em rede interna ou GED (organizador eletrônico de documentos) . Por critério de segurança, e de escolha de cada escritório e departamento, ainda que salvos eletronicamente, podem ser impressas a primeira e última folha, que contenha a assinatura do advogado e o recibo eletrônico, para armazenamento na pasta física do escritório. Neste modelo, deve ser definido o critério de temporariedade de guarda do documento.

Além da importância organizacional interna, a vinculação do envio da peça jurídica ao Sistema de Software Jurídico garante maior eficiência no controle e encaminhamentos do andamentos e das peças processuais aos clientes.

Assim, não só o escritório ganha em eficiência, controle de tempo e otimização de trabalho, como os clientes ganham na agilidade do recebimento da informação processual.

Outro fator positivo de utilização da ferramenta eletrônica é o ganho que o escritório e departamento conseguem, tanto de tempo de trabalho quanto de recursos financeiros, sem falar no fato de que não é necessário o deslocamento do advogado ou de seus estagiários para o protocolo presencial; além da economia com cópias internas e nos Tribunais.

A ferramenta eletrônica torna-se, sem dúvida, imprescindível aos advogados, escritórios e departamentos, na medida em que a sua utilização tem o intuito de acompanhar a evolução tecnológica nos Tribunais, e a preparação enquanto a sua utilização ainda não é obrigatória na maioria dos Tribunais e dos casos.

Érika Siqueira é advogada especialista em Administração Legal pela FGV/São Paulo, em Processo Civil pelo Uniceub e professora da Escola Superior de Advocacia da OAB/DF.

*Artigos assinados não refletem, necessariamente, a posição da OAB/DF.

I Seminário de Saúde Pública do Distrito Federal na OAB/DF

A Comissão de Bioética, Biotecnologia e Biodireito da OAB/DF realizará o “I Seminário de Saúde Pública do Distrito Federal: Aspectos Bioéticos e Jurídicos”. O objetivo do encontro é discutir os problemas na saúde da rede pública do DF, apontando soluções. “Nós sabemos que a saúde, juntamente com a educação, são os dois maiores problemas que o nosso país enfrenta. Estamos trabalhando para contribuir com o governo do Distrito Federal, buscando uma saúde de qualidade para a sociedade”, afirma o presidente da Comissão, Antônio Marcos da Silva.

O seminário acontecerá em 16, 17 e 18 de agosto. O tema do primeiro dia é “Judicialização da Saúde”, quando será discutida a interferência da Justiça na saúde. São casos como o de pacientes de baixa renda, que não possuem condições de arcar com medicamentos ou com todo um tratamento receitado pelo médico, recorrendo à ação judicial para obrigar o Estado a arcar com os custos.

A Constituição reservou lugar de destaque para a saúde, tanto é que em seu art. 196 dispõe que “A saúde é um direito de todos e um dever do Estado”, estabelecendo o compromisso do Estado de garantir a todos os cidadãos integral direito à saúde. Segundo Antônio Marcos “a partir daí surgem indagações conceituais, jurídicas e financeiras, como o interesse/necessidade da população; a capacidade do Estado em arcar com esse elevado custo em detrimento de outras demandas da população e a legitimidade da interferência do Judiciário”.

Para falar dessas distintas visões foram convidados respectivamente o promotor de justiça Jairo Bisol, do Ministério Público do Distrito Federal; o juiz Álvaro Ciarlini, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios; e o Secretário de Saúde do Distrito Federal, Rafael Aguiar Barbosa; como mediador, o bioeticista Swedenberg Barbosa, da Presidência da República (DF).

O segundo dia terá como tema a “Relação Profissional da Área de Saúde x Paciente: Repercussões Bioéticas e Jurídicas”. Como o próprio nome diz “serão explorados nessa noite os conflitos de interesse entre as partes envolvidas nessa relação; os direitos e deveres de cada uma; o dever de observância pelo profissional da saúde dos princípios bioéticos da beneficência, da não maleficência, da autonomia e da Justiça, dentre outros”, explica Antônio Marcos.

Sob a ótica meramente jurídica, essa relação é contratual ou extracontratual? Qual a extensão da responsabilidade civil exposta no art. 1.545 do Código Civil?

Nesse dia participarão do debate Antônio Macena de Figueiredo, da Universidade Federal Fluminense/RJ; Alexandre Castinho, do Conselho Regional de Medicina do DF; e Natan Monsores, da Cátedra UnB/Unesco de Bioética; como mediadora, a bioeticista Aline Albuquerque S. de Oliveira, da Sociedade Brasileira de Bioética (DF).

Para discutir o tema “Comitês de Bioética Hospitalar: Humanização na Saúde”, no terceiro dia de seminário, foram convidados Reinaldo Ayer de Oliveira do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo; Eloíza Sales Correia do Conselho Regional de Enfermagem do Distrito Federal; e Élcio Luiz Bonamigo do Conselho Federal de Medicina; como mediador o advogado Antônio Marcos da Silva, da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Distrito Federal.

Nessa noite os três palestrantes discorrerão sobre a origem e a importância da instalação dos Comitês de Bioética na rede hospitalar pública, como forma de amenizar os constantes conflitos de interesse manifestados nas noites anteriores, objetivando a humanização da saúde.

“Os Comitês de Bioética Hospitalar surgiram nos EUA nos anos 1960, e atualmente a quase totalidade da rede hospitalar daquele país, da Europa e do Japão possui esse agrupamento de médicos, enfermeiros, advogados, religiosos, bioeticistas e demais cidadãos da comunidade”, expõe Antônio Marcos.

Após o seminário, a Comissão de Bioética, Biotecnologia e Biodireito elaborará a CARTA BRASÍLIA PARA HUMANIZAÇÃO DA SAÚDE, a ser entregue à Organização Mundial da Saúde, ao Ministério da Saúde e ao Governo do Distrito Federal.

Segundo o presidente da Comissão de Direitos Humanos, Emens Pereira, o debate não poderia vir em melhor hora. “A saúde no nosso país atingiu o caos. Isso não acontece apenas na rede pública, mas também na rede privada e se deve à falta de investimento e à ausência de administração.”

Para participar do seminário, de 16 a 18 de agosto, às 19h, no auditório da OAB/DF, na 516 Norte, basta fazer a doação de um agasalho ou cobertor, novo ou usado, a ser entregue na recepção do evento. As inscrições podem ser feitas pelo site www.oabdf.org.br. Informações: (61) 3035-7243 ou 3035-7221, ou pelo e-mail [email protected].

Antonio Marcos da Silva
Presidente da Comissão de Bioética, Biotecnologia e Biodireito

Feliz Dia do (Respeito ao) Advogado!

O dia 11 de agosto é a data em que se comemora a criação dos primeiros cursos de ciências jurídicas no Brasil, os quais foram implementados nas cidades de Olinda e São Paulo. Em razão disso, este dia passou a ser dedicado aos profissionais da área de Direito, em especial ao advogado, motivo pelo qual a data passou a ser conhecida como o “Dia do Advogado”.

Neste dia, estudantes do curso de Direito se reuniam, almoçavam nos restaurantes e saiam sem pagar a conta. Esta tradição, conhecida como “Pendura”, perdeu a força com o tempo e hoje é vista, inclusive, com maus olhos pela população.

Mas o dia 11 de agosto, atualmente, apesar de ser o Dia do Advogado, é o exemplo marcante do desrespeito justamente a esses profissionais. Esta data é feriado no meio jurídico e os tribunais pátrios (TJ’s, TRF’s, STJ, STF etc) entram em recesso e fecham as suas atividades, em respeito ao significado deste dia. Mas o mesmo já não acontece nos escritórios de advocacia…

Quando eu era estagiário e chegava o DIA DO ADVOGADO ficava inconformado de ter que trabalhar naquela data. A revolta ficou ainda maior quando me tornei advogado e me dei conta de que, no dia do advogado, os tribunais estão fechados, mas os escritórios de advocacia estão abertos, funcionando a pleno vapor, sob o argumento de que: “a advocacia não para, temos clientes para atender, sempre”.

O respeito e o orgulho da profissão “advogado”, passa pelo respeito ao nosso dia. Não são poucos os exemplos de advogados que encontramos nos tribunais reclamando do Juiz que não o recebeu, do Promotor que foi deselegante em audiência, do serventuário que o ignorou etc.

Ora, como exigir respeito daqueles profissionais se nós mesmos não estamos nos respeitando? E o desrespeito “intra-advogados” não se resume a ignorar o nosso dia. Advogado desrespeita advogado quando o contrata para trabalhar no escritório, pagando salários incompatíveis com o exercício da profissão; quando contrata estagiário apenas para fazer serviços braçais, sem a intenção de ensinar aquele que virá a ser seu colega no futuro; quando “atravessa” uma causa e capta o cliente do colega; quando desrespeita o nosso Código de Ética da Advocacia; enfim, sempre que não “exerce a sua atividade com dignidade e independência, observando a ética, os deveres e prerrogativas profissionais e defendendo a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático, os direitos humanos, a justiça social, a boa aplicação das leis, a rápida administração da Justiça e o aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas”, tal como previsto em nosso juramento.

A OAB/DF tem conseguido ultimamente resgatar o orgulho de ser advogado, mas nós precisamos fazer muito mais… Precisamos que os próprios advogados voltem a querer ser respeitados e que respeitem os seus colegas.

Desde quando montei minha própria banca, independente do volume de trabalho, faço questão de dar o feriado para todos que trabalham comigo. Se for o caso, fico eu de plantão, para atender à demanda, já que sou o sócio do escritório.

O respeito à nossa profissão, pelo qual tanto temos brigado ultimamente, passa por ai… Se nós não somos capazes de respeitar um dia em nossa homenagem, quem será capaz de nos respeitar?

Bullying: e a prevenção?

Não raro vemos reportagens em mídia televisiva ou pela internet, condenando a atitude de crianças e adolescentes que maltratam seus colegas, com “brincadeiras” tidas como de mau gosto, ou mesmo violentas, pejorativas ou humilhantes. As reportagens facilmente nos tocam e comovem, não só pela perversidade do ato, a maioria covarde, mas até porque nos identificamos com a vítima.

Quem de nós já não sofreu essa covardia?

Recebemos a informação, através do blog “blogs.estadão.com.br”1 que Promotores da Infância e Juventude de São Paulo querem que o bullying seja considerado crime. Para tal, um anteprojeto de lei elaborado pelo referido grupo prevê pena mínima de um a quatro anos de reclusão, além de multa. Ainda, se a prática for cometida por adolescente e for considerada grave e em repetidas vezes, o autor poderá ser internado na Fundação Casa, a antiga Febem.

Essa proposta propõe a penalização da pessoa que expuser o outro, de forma voluntária e mais de uma vez, a constrangimento público, escárnio ou qualquer forma de degradação física ou moral, estabelecendo relação desigual de poder. Estão previstos casos em que a pena pode ser ampliada, quando é utilizado meio eletrônico ou qualquer mídia (cyberbullying).

Como o bullying e o cyberbullying em geral são praticados por crianças e adolescentes, os promotores vão precisar adaptar a penalização ao que está previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), conforme visto acima.

Infelizmente, resta-nos a impressão, salvo uma avaliação menos emotiva do nobre leitor, de que voltamos à filosofia de “Vigiar e Punir”, como forma de reprimir a violência, aproveitando-se da importância atribuída pela mídia e abraçada pelo público leigo. O códex penal se confirma como um espelho do repúdio popular, onde o que é considerado um comportamento reprovável pela sociedade fica ali registrado e coercitivamente desestimulado.

Aproveitando a experiência de quem vive a educação, em sua origem intelectual, uma especialista da Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica (PUC/SP), a educadora Madalena Guasco Peixoto, também considerou a proposta exagerada por identificar que somente criminalizar a situação, quando já existem os artigos prevendo punição para os crimes por lesão corporal, não resolve a situação. Opina que as escolas precisam assumir a responsabilidade, concretizando a posição de punir os culpados, somente quando for necessário para o caso.

Por definição universal, bullying é um conjunto de atitudes agressivas, intencionais e repetitivas que ocorrem sem motivação evidente, adotado por um ou mais alunos contra outro (s), causando dor, angústia e sofrimento. Insultos, intimidações, apelidos cruéis, gozações que magoam, acusações injustas, atuações de grupos que hostilizam, ridicularizam e infernizam a vida de outros alunos levando-os à exclusão, além de danos físicos, morais e materiais, são algumas das manifestações do comportamento bullying.

Sem tradução para o português, e empregado na maioria dos países o mesmo termo. Bully é traduzido como “valentão”, “tirano”, e ainda como verbo “brutalizar”, “tiranizar”, “amedrontar” 2.

Portanto, bullying é claramente entendido como um comportamento cruel nas relações interpessoais, em que os mais fortes convertem os mais fracos em objetos de diversão e prazer, através de “brincadeiras” que disfarçam o propósito de maltratar e intimidar. Os estudiosos do assunto apontam a incapacidade da vítima em se defender e em não conseguir motivar os outros a agirem em sua defesa.

Com isso, compreende-se a problemática como um fenômeno bem definido de violência, com repercussões muito graves a quem sofre, sendo a influência no psiquismo da vítima a consequência mais significativa.

Reconhecer a necessidade de punição, especialmente quando acontecimentos de ampla repercussão social acontecem, acaba sendo uma necessidade indiscutível. Mas, não é possível fazer nada antes? Qual a proposta de intervenção, ou mesmo de intermediação? E ainda, identificando o problema, fala-se em punição “aos culpados”, mas continua-se em silêncio sobre as intervenções às vítimas, e quanto à prevenção aos novos acontecimentos.

Mesmo quando se aponta a necessidade de responsabilizar as instituições de ensino sobre sua atuação, o trabalho de prevenção da violência também não é citado.
Numa comunidade de repercussão nacional, como sabidamente o é a dos advogados, e com a importância que tem, a discussão sobre esses tópicos poderia e deveria ser levantada. Não se mostra sensato apenas incrementar o rol de tipos penais, numa tentativa de reprimir a incidência de tal evento social, mas seria justo manter a influência da mídia nos seus limites e trabalhar em torno do amadurecimento do papel das instituições de ensino, na sociedade.

O advogado tem um papel essencial no seio da sociedade, por ser considerado um elo entre os cidadãos e seus direitos, uma vez negados, tolhidos, ou embaraçados, mas antes de procurar remediar a situação, acreditamos ser mais permanente e produtivo o trabalho preventivo, e não apenas corretivo.

Seria importante, na análise dos autores, planejar uma discussão que reúna saúde, educação e a justiça, com a intenção de combater a violência a níveis toleráveis, onde haja conscientização, planejamento, investimentos e atitudes de compromisso e responsabilidade global, afinal colhemos o que plantamos.

Referências:
1) http://blogs.estadao.com.br/jt-cidades/mp-quer-que-bullying-seja-crime/
2) Fante, C. Fenômeno Bullying. Como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. Campinas, SP:Verus Editora, 2005.

Audrey Regina Magalhães Braga
Médica – GDF/ HRAS – NAT (Núcleo de Apoio Terapêutico)
MH – Clínica de Psiquiatria/Psicologia.

Ronaldo Braga
Advogado

A luta da cidadania contra o capital na semana de conciliação do seguro DPVAT – TJDFT

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios realizou em 01º/08 a 05/08 a Semana de Conciliação em processos que versam sobre seguro DPVAT – Invalidez Permanente, promovendo a entrega da tutela jurisdicional às milhares de vítimas de acidente de trânsito, realizada em uma estrutura física organizada e com competente quadro profissional de voluntários.

A matéria securitária, como sempre defendemos, é de substancial interesse social, tanto que ganhou relevância jurídica em todos os tribunais pátrios. A indenização securitária ampara as vítimas de acidentes de trânsito, que em sua maioria são trabalhadores que se expõe em condições de risco para aferirem o limiar salarial entre a vida e a fome. Vítimas da omissão estatal na regulação e organização do transporte público e das vias urbanas e rurais, o Poder Judiciário se vê provocado por esse público, que tenta obter judicialmente as indenizações garantidas pela Lei Federal n° 6.194/1974, denegadas ou pagas irrisoriamente pelas vias administrativas pelo convênio de seguradoras capitaneadas pela Líder Seguradora S/A.

Dessa forma, a sensibilidade adotada pelo Judiciário do Distrito Federal destoa o ambiente jurídico dos demais presentes no país, uma vez que aqui a dignidade dos litigantes desvalidos é assegurada pela mão amiga do Tribunal, que de forma imparcial, conduz as partes envolvidas à conciliação e mediação, assegurando a celeridade processual pelas vias da composição amigável.

Ora, com o jurisdicionado buscando agilidade na entrega de seu direito e o Tribunal de Justiça facilitando e popularizando as conciliações, era de se esperar que as seguradoras (cartel que administra o dinheiro recolhido pelo seguro DPVAT) também tivessem vontade de conciliar, porque o prêmio recolhido anualmente é multiplicado pela sanha especulativa do capital financeiro, rendendo-lhes juros e mais juros apenas com a administração dos vultosos valores percebidos dos milhões de contribuintes, perfazendo cifras estratosféricas.

Contudo, e, infelizmente, neste mutirão como em vários outros realizados pelo país, prepostos e representantes das seguradoras insistem em oferecer quantias irrisórias, verdadeiro deboche para com os acidentados, menosprezando os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, isonomia e proporcionalidade, ancoradas tão somente nas Medidas Provisórias nº 340 e nº 451, convertidas em leis em pleno recesso forense e parlamentar (29/12/2006 e 15/12/2008, respectivamente), as quais congelam e tabelam o valor do corpo humano, descumprindo a função social e alimentar do relevante benefício securitário, provocando repúdio da sociedade e surgimento de movimentos em prol do combate e investigação do destino e arrecadação do seguro obrigatório – DPVAT.

Ressalta ainda, a soberba e prepotência do “pool” das seguradoras quando questionadas sobre os valores ínfimos ofertados, demonstrando cristalinamente desinteresse na composição amigável, vez que não tem o constrangimento em afirmar que possuem “força e influência” junto ao Colendo Superior Tribunal de Justiça, pois asseveram categoricamente que reformarão as decisões dos Tribunais de Justiça, que condenam ao pagamento integral da indenização securitária, independente do grau da invalidez permanente.

Ao fim, lamentando o comportamento desse grande grupo financeiro, que prefere o capital ao desenvolvimento socioeconômico do país e a distribuição da justiça e a prática da cidadania de forma equilibrada, encerro o presente parabenizando o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, em nome da Comissão do Movimento pela Conciliação, sem dúvida, portadores de grande senso democrático e intelecção jurídica e a todos os servidores e advogados que buscaram o êxito do evento.

*Leon Deniz Bueno da Cruz é advogado.

A PEC dos recursos não será solução para o judiciário

O mundo jurídico assiste agora a uma verdadeira campanha patrocinada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, combativo e valoroso defensor do projeto apelidado de PEC dos recursos.

Recentemente, o autor da proposta foi ao Senado Federal, desfilou números e argumentos em defesa da sua posição. Conseguiu, de imediato, atrair a simpatia de alguns parlamentares com o discurso, bem elaborado e sedutor, típico nas pessoas inteligentes, que atribui aos recursos — e, de forma subliminar, aos advogados que os utilizam — a culpa por todas as mazelas do Judiciário, em especial a longa duração dos processos.

O ministro Peluzo afirma que algumas poucas injustiças deverão ser toleradas. É duro ouvir isso de um magistrado, ainda mais quando a realidade revela que as “poucas injustiças” não são tão poucas. Dados revelados no Relatório Estatístico do Superior Tribunal de Justiça, referente ao ano de 2010, revelam que esses casos — de decisões proferidas em desrespeito à legislação federal — são bem numerosos.

Os números desse relatório assustam, pois atestam que, do total de recursos julgados pelo STJ (330.283), 21,32% são providos. Quando se analisa apenas os números dos recursos especiais — que são objeto da famigerada PEC dos Recursos — constata-se que estes, em 2010, foram em número de 69.797, dos quais 39,37% foram providos.

Se aprovada essa PEC, as decisões acima, mais de um terço do total, irão se tornar “definitivas” e poderão ser, de imediato, objeto de execução. Isso significa dizer que de cada dez dessas decisões, quatro serão executadas, mesmo tendo sido proferidas de forma contrária a normas de lei federal.

Num país sério isso é inadmissível. Quanto aos números no Supremo Tribunal Federal, existe uma controvérsia, ou melhor, uma incógnita. Isso porque o ministro Peluso afirmou que apenas uma pequena parte dos recursos que aportam ao STF é provida. Porém, numa outra ocasião (ADPF 144), o ministro Ricardo Lewandowsky afirmou em seu voto que quase um terço dos recursos criminais apreciados pelo STF era provido, no todo ou em parte.

O que se sabe do STF, segundo dados do estudo “Supremo em Números” divulgado pela FGV, é que o seu grande cliente, quando se trata de competência recursal, é a administração pública.

Segundo esse estudo, a análise dos litigantes com mais de mil processos no STF revela que quase 90% dos processos têm a administração pública como parte. Chega a ser engraçado, se não fosse trágico, constatar que a administração pública, que deve pautar sua atuação pela obediência ao principio da legalidade, é a maior cliente do STF. Essa sim é a origem de um dos grandes problemas do Judiciário.

O recurso é uma manifestação de vontade da parte, vencida no processo, que busca, em uma outra instância, a reforma de uma decisão que lhe foi desfavorável. No Brasil, como regra, da sentença cabe apenas um único recurso. As decisões interlocutórias — aquelas proferidas no processo, solucionando inúmeras questões incidentes, — também podem ser combatidas por um único recurso.

No que toca aos Tribunais Superiores (STF e STJ) estes têm sua competência, originária e recursal, definida pela Constituição Federal (arts. 102 e 105). A Carta Magna prevê a possibilidade de interposição de recurso extraordinário e especial em hipóteses restritas e excepcionais. Ou seja, nem todas as decisões proferidas pelos Tribunais de Justiça ou pelos Tribunais Regionais Federais poderão ser levadas a reexame das Cortes Superiores.

Pois bem, fixados esses pontos, resta saber: no Brasil existem muitos recursos? A resposta é: não. A realidade é que os problemas do Judiciário são outros. Os gargalos do sistema, em sua maior parte, estão localizados na primeira instância. É lá que proliferam as decisões interlocutórias e escasseiam as sentenças proferidas em um prazo razoável. Por coincidência, é na primeira instância que são realizados os menores investimentos do Poder Judiciário e, por consequência, é ali que se encontra a pior estrutura de suporte à atividade judicial.

Aos Tribunais Superiores (STF e STJ) a Constituição Federal atribuiu a função de zelar pela correta aplicação das normas constitucionais e pela uniformidade da interpretação da lei federal.

E não se fale na existência de três ou quatro graus de jurisdição. Os recursos aos Tribunais Superiores somente podem ser interpostos nas hipóteses previstas na Constituição. Se existe abuso na utilização dos recursos, que seja punido. A lei contém instrumentos para tanto. O nosso sistema recursal tem problemas, sim. Porém, matar o doente não é a cura.

É contrária à Constituição Federal — e também ao bom senso — a proposta de se privar da parte o direito à utilização dos recursos especiais e extraordinários. É a Constituição que assegura, como direito fundamental, a ampla defesa, o contraditório e os meios e recursos a ela inerentes.

Felizmente vozes sábias têm se levantado contrariamente a essa proposta. Dentre estas, merece destaque o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Porém, não são apenas os advogados que acham a mudança proposta descabida. Alguns ministros como Marco Aurélio (do STF) e, recentemente, Napoleão Nunes Maia (do STJ) também se posicionaram como adversários da mudança proposta, sendo que este último foi preciso ao afirmar que “hoje quem fala mal de recursos é aplaudido, mas a verdade é que eles existem para combater os abusos. Não são os recursos que devem ser diminuídos, e sim as ilegalidades.”

A proposta ora em debate lembra a velha piada do marido traído, que cansado da infidelidade da esposa, resolveu vender o sofá em cima do qual a traição ocorria. Espera-se que a sociedade promova um debate maduro sobre o assunto, com base em argumentos racionais, em dados verdadeiros, sem apelos emocionais.

José Guilherme Carvalho Zagallo e Ulisses César Martins de Sousa são conselheiros federais da Ordem dos Advogados do Brasil.