Empatia e responsabilidade: OAB/DF lança campanha contra soltura de rojões e fogos de artifício com barulho - OAB DF

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DÉLIO LINS

Empatia e responsabilidade: OAB/DF lança campanha contra soltura de rojões e fogos de artifício com barulho

Fechar o ano e se preparar para a chegada do ano novo é sinônimo de festas e mudança de rotina. É cada vez mais comum que as comemorações, especialmente ligadas às festividades de fim de ano e campeonatos esportivos, sejam acompanhadas pelos estrondos de fogos de artifício e rojões. O que é uma diversão para pequenos grupos é também um sofrimento coletivo para inúmeras pessoas e animais domésticos e silvestres. Ciente dos transtornos causados pelo barulho, a Seccional do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/DF) lança a terceira edição da campanha “Diga não aos rojões e fogos de artifício com barulho”.

A presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Autismo da OAB/DF, Flávia Amaral, ressalta a importância de haver empatia da sociedade. “É muito importante fazer o processo de conscientização das pessoas para que não utilizem rojões e fogos de artifício com barulho, fomentar informação sobre a sensibilidade auditiva do autista nos locais em que realizarão eventos. Os momentos de celebração podem ser comemorados de outra maneira, porque mesmo com as medidas de proteção das famílias, uma crise ainda pode ser desencadeada, e isso gera não apenas crises para os autistas, mas gera todo um desgaste familiar nesses momentos.”

Fernando Martins, pediatra especialista em psiquiatria da infância e adolescência, explica que o Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição do neurodesenvolvimento definida por uma série de características comportamentais. Sendo assim, alguns autistas podem apresentar o que chamamos de hipersensibilidade sensorial, como no caso da hipersensibilidade auditiva, o que os tornam mais sensíveis a barulhos e ruídos.

“Portadores dessa disfunção sensorial percebem os sons de forma mais aguçada, intolerável, que gera medo e pânico. Existem algumas condutas que podem ser tomadas de forma imediata. Orientamos que não façam muitas perguntas ao autista. Se possível, leve-o para um local mais tranquilo e silencioso. Explique o porquê dos fogos e barulhos, e utilize aparelhos que abafem os sons, por exemplo fones de ouvido”, recomenda.

O pediatra conta, ainda, que os prejuízos podem se estender a longo prazo. “Em meu consultório há queixa frequente de pacientes que regrediram em sua interação social, desencadearam ansiedade, estereotipias (movimentos repetitivos), autoagressão e pânico em lugares com sons altos, principalmente em épocas festivas. Precisamos de uma melhor conscientização, fiscalização e punição para a soltura de rojões e fogos de artifício com barulho, visando minimizar os impactos à saúde mental causados por essa prática.”

Animais em pânico

O terror gerado pelos estrondos de fogos e rojões também atinge, e de maneira trágica, os animais. Ao tentar se proteger do barulho, acabam fugindo, se machucando e sofrendo atropelamentos, que muitas vezes são fatais. Em outros casos, o pânico é tão grave que leva animais domésticos e silvestres a sofrerem parada cardiorrespiratória, causando o óbito.

A vice-presidente da Comissão de Defesa dos Direitos dos Animais, Ana Paula Vasconcelos, endossa que a soltura de fogos e rojões com barulho é altamente prejudicial. Não apenas os autistas e os animais sofrem, mas todos os que acompanham o sofrimento de seus entes queridos e as consequências emocionais, físicas e até financeiras em razão de gastos médicos e veterinários.

A advogada observa que já existe a Lei Distrital nº 6.647/2020 que define critérios mínimos de segurança desses artefatos, mas as normas são insuficientes. “A legislação foi totalmente distorcida em sua regulamentação, da forma como está posta não haverá qualquer proteção às pessoas e aos animais contra os ruídos e malefícios que os fogos causam. O ideal é que a legislação seja cumprida da forma proposta, com a regulamentação seguindo tais diretrizes.”

Enquanto a discussão ainda segue no âmbito judicial, Ana Paula enfatiza a importância da conscientização. “Como não foi possível entrar em um consenso e isso ainda é objeto de discussão judicial, o que precisamos agora é que a sociedade se conscientize e entenda que minutos que euforia custam vidas e saúde mental de humanos e não humanos. Orientamos que mantenham seus animais em locais seguros e sob supervisão constante, para evitar tantas tragédias que sempre são noticiadas.”

A veterinária Adriana Saltoris alerta aos tutores sobre os riscos e cuidados a serem tomados com os animais. “O estresse causado pelo barulho súbito e intenso pode desencadear respostas físicas e comportamentais preocupantes. Os altos níveis de ruído associados aos fogos de artifício desencadeiam respostas fisiológicas diversas. Estudos indicam elevações nos níveis de cortisol, demonstrando estresse, e alterações no sistema cardiovascular e respiratório em animais expostos.”

Segundo ela, os efeitos do barulho podem ser imediatos, como fuga, manifestações de ansiedade, tremores, vocalizações excessivas, além de um agravamento do quadro cardiorrespiratório. “A exposição repetida a esses eventos festivos pode resultar em efeitos a longo prazo no bem-estar mental dos animais, como comportamentos alterados, distúrbios de sono e ansiedade crônica.”

Adriana Saltoris explica que o medo pode ser uma emoção aprendida e reforçada. “Em contrapartida, o tutor tem que estimular o animal a associar esses barulhos a uma coisa boa, como receber carinho e petisco. Deixar o animal trancado e sozinho só vai reforçar que o barulho é sinônimo de algo ruim. Ninguém gostaria de sentir medo estando sozinho e preso, o pânico só aumenta nesse cenário. A ideia é fazer com que o animal se sinta protegido na presença do tutor e em ambiente seguro. Não dá para prever a reação do animal diante dos estrondos, então é importante ficar com eles, atento, garantindo que não haverá possibilidade de fugir e se machucar.”

Zarah: uma das incontáveis vítimas

O bancário Márcio Pugliessa é tutor da cadela Zarah, de aproximadamente 10 anos. Ele conta que viveu o desespero de ver sua cadelinha entre a vida e a morte por causa dos estrondos. Na semana das festas de fim de ano e já ciente de que ela tinha medo, optou em levá-la para uma chácara, onde acreditou não haver soltura de fogos.

“Na noite do réveillon, ela ficou no canil como era de costume, mas os vizinhos soltaram fogos de artifício e ela se desesperou. Na ânsia de tentar fugir, ela pulou o muro do canil e se enroscou num vergalhão (barra de metal). O corte era imenso, assim como o sofrimento dela. As imagens eram muito fortes. Foram três cirurgias, semanas de internação e mais quatro meses fazendo curativos diariamente até que ela se recuperasse completamente. Além de todo desgaste emocional e físico, tivemos gastos com cirurgia, internação e remédios, somando mais de dez mil reais.”

Lucas Braga, veterinário que atendeu a Zarah, conta que ela chegou à clínica com abdômen aberto até a musculatura. “Ela havia passado por outros veterinários que tentaram realizar o fechamento da ferida, mas devido a inflamação do tecido, ficou inviável a cicatrização. Optamos por tratar a lesão com ‘cicatrização por segunda intenção’, onde levou em torno de quatro meses para o fechamento total.”

A OAB/DF separou algumas dicas importantes para ajudar os tutores a proteger os seus animais. Confira:

• Não deixar o animal preso a correntes, isso pode causar até enforcamento, como em muitos casos acontece quando o bichinho se enrola na própria corrente ou tenta pular o muro;

• Não deixar o animal em ambientes com janelas abertas, mesmo tendo grades. O animal pode tentar pular e acabar caindo ou ficando preso na grade;

• Sempre deixar seu animal com coleira e plaquinha de identificação contendo o nome do pet e o contato do tutor. Se mesmo com todos os cuidados ainda ocorrer uma fuga, a identificação poderá ser decisiva para que o tutor recupere o seu bichinho.

• Não deixar o animal sozinho e trancado durante os estrondos, isso só reforça o medo e a associação do barulho a algo ruim. Há também o risco de o animal passar mal sem ninguém no ambiente para socorrê-lo;

• Pode-se minimizar o pânico criando um ambiente seguro com caixas e tocas;

• Jamais brigar com o animal, ele não tem culpa de sentir medo. Invés disso, oferecer carinho e petiscos para que ele associe o barulho a algo bom;

• Hoje em dia há playlists musicais direcionadas aos animais e apropriadas para a audição aguçada deles, para amenizar esse momento de tensão. É recomendável que durante esses episódios, os tutores deixem o som mais em evidência para que camufle, o máximo possível, os sons de fora. Se não for possível, pelo menos deixar o som da tv mais alto para ele não se prender somente ao som da rua;

• Não deixar portas e janelas abertas que possibilitem acesso à rua. Muitos animais fogem e acabam se perdendo, sendo atropelados e ficando vulneráveis a todo tipo de perigo da rua;

• Em casos de acidente ou mal-estar mais acentuado, levar o animal imediatamente ao veterinário.


Esther Caldas
Jornalismo OAB/DF