Estefânia: valorização da Defensoria Pública é prioridade - OAB DF

“Ser inclusivo, ser plural, ser independente,
ser uma referência no exercício da cidadania.”

DÉLIO LINS

Estefânia: valorização da Defensoria Pública é prioridade

A VI Conferência dos Advogados do Distrito Federal foi aberta oficialmente na noite desta quarta-feira (27) com a definição de uma prioridade. A presidente da OAB/DF, Estefânia Viveiros, anunciou em seu discurso o compromisso da instituição em trabalhar pela valorização da Defensoria Pública. Para Estefânia, é verdadeiro o argumento de que os pobres, sem assistência adequada, são punidos, enquanto grandes criminosos permanecem livres. “Alega-se, com razão, que aqueles que podem contratar os melhores advogados são privilegiados. Muito bem assistidos juridicamente, conseguem com mais facilidade recorrer aos instrumentos legais para obter a liberdade. Enquanto isso, sem assistência adequada, os mais pobres penam nas prisões infectas, perdem prazos para recorrer, são punidos muitas vezes por pequenos delitos”, afirmou Estefânia. “Nossa Seccional assume como prioritária a luta pela valorização da Defensoria Pública e pelo direito que todo cidadão tem à plena defesa” completou. Cidadania A preocupação com a pessoa humana norteou a maior parte do discurso da presidente da OAB/DF. “Quando nós, advogados, lutamos para ter acesso aos autos dos inquéritos, não estamos agindo em causa própria, mas por um princípio inviolável assegurado pela Constituição: o direito de defesa. E assim, estamos defendendo o cidadão”, afirmou. Na opinião de Estefânia, o mesmo vale para inviolabilidade dos escritórios. “O que queremos, e felizmente conseguimos com a legislação recentemente promulgada, é proteger o princípio do sigilo profissional e a dignidade dos advogados diante do arbítrio.” No que se refere a utilização de algemas, a jurista explicou que a Ordem não é contra, mas enfatizou que o instrumento não pode ser transformado em símbolo de um Estado policialesco. “Somos contra a violação da dignidade da pessoa humana, contra o pré-julgamento, contra o abuso de autoridade”, assegurou. Legislativo A presidente também manifestou suas opiniões sobre a reforma política, sugeriu mais parcimônia e critério na instalação das comissões parlamentares de inquérito e abordou assuntos polêmicos, como a atuação do Poder Judiciário em questões legislativas. “Não é o Poder Judiciário que subtrai a atividade legislativa ao Congresso Nacional. É o Poder Executivo, que fere a Constituição recorrendo ao instrumento das medidas provisórias sem que fiquem caracterizadas a relevância e a urgência estabelecidas pela Carta Magna”, opinou. Estefânia Viveiros encerrou sua oratória manifestando o desejo de que todos inspirem-se para trabalhar, cada vez mais, pelo desenvolvimento do Brasil e pelo bem-estar do povo. “Não devemos temer o debate, mas a acomodação. Não devemos evitar a polêmica, e sim a calmaria que nos imobiliza”, finalizou. Leia a íntegra do discurso: (Foto: Valter Zica/OAB-DF) Senhoras e Senhores. Permitam que minhas primeiras palavras sejam em homenagem ao patrono desta Sexta Conferência dos Advogados do Distrito Federal, o grande jurista Paulo Bonavides. Ao comemorarmos os 20 anos da Constituição Federal, é natural que tenhamos escolhido como patrono uma das maiores expressões do Direito Constitucional, com reconhecimento internacional. Para esta tão qualificada platéia, Paulo Bonavides dispensa apresentações. Lamentamos que esse emérito constitucionalista não possa estar conosco hoje, pois teríamos a oportunidade de ouvir suas lições no momento em que tantas questões referentes à Constituição de 1988 se colocam para a sociedade brasileira. Assumo, porém, perante os aqui presentes, um compromisso. E todos sabem que cumpro meus compromissos. Antes do final deste mandato, a nossa Seccional trará, mais uma vez, a Brasília o grande jurista, o grande constitucionalista, o nosso mestre Paulo Bonavides. Teremos, em nossa Conferência, a presença de não menos destacados juristas que gentilmente aceitaram nosso convite para debater aspectos da Constituição que completa 20 anos. Agradeço a cada um de nossos palestrantes por darem aos advogados e estudantes de Direito de Brasília a honra de assistir a suas palestras e com eles debater. Hoje seremos espectadores privilegiados da palestra que fará o homenageado especial desta Conferência, o ministro José Paulo Sepúlveda Pertence. Esse brilhante jurista também dispensa apresentações, mas permitam-me falar um pouco desta personalidade que reúne em si: o advogado, o membro do Ministério Público e o magistrado, as três vertentes indispensáveis e inseparáveis da administração da Justiça. Sim, pois o ministro Pertence percorreu todos os caminhos do Direito. Começou como advogado, ingressou por concurso no Ministério Público e teve a fantástica oportunidade de participar diretamente, como jovem professor, ao lado de alguns dos mais eminentes juristas brasileiros, do sonho que foi a criação da Universidade de Brasília. Pertence conheceu de perto o peso do autoritarismo. Foi afastado da docência na UnB por uma medida arbitrária e aposentado compulsoriamente do Ministério Público pelo ato institucional número cinco. Voltou então à advocacia, com grande brilhantismo. Foi membro do Conselho Seccional da Ordem e membro do Conselho Federal, exercendo a vice-presidência de 1977 a 1981. A redemocratização o levou de volta ao Ministério Público, como procurador-geral da República, e de lá ao posto máximo da magistratura, o Supremo Tribunal Federal, que presidiu. Por duas vezes, o ministro Pertence presidiu também o Tribunal Superior Eleitoral. Hoje, nosso homenageado especial é presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República, função para a qual tem credenciais mais do que suficientes. Acredito que a trajetória desse grande jurista sintetiza um dos objetivos que devemos almejar: o bom entendimento, a integração e a colaboração entre advogados, promotores, procuradores e magistrados de todas as instâncias. Somos partes de um todo indivisível: a administração da Justiça. Não pode haver boa administração da Justiça sem Ministério Público atuante, sem juízes independentes e sem advogados no pleno exercício de suas prerrogativas. Se é coibida a atuação do Ministério Público, não há Justiça. Se é ferida a independência dos juízes, não há Justiça. Se é impedido o exercício das prerrogativas dos advogados, não há Justiça. Há Justiça quando advogados, juízes e Ministério Público exercem livremente suas funções. É preciso que a sociedade brasileira tenha consciência e compreenda isso. Quando nós, advogados, lutamos para ter acesso aos autos dos inquéritos, não estamos agindo em causa própria, mas por um princípio inviolável assegurado pela Constituição: o direito de defesa. E assim, estamos defendendo o cidadão. Quando nós, advogados, lutamos pela inviolabilidade de nossos escritórios, não o fazemos para defender privilégios corporativos ou proteger criminosos. Pelo contrário. O que queremos, e felizmente conseguimos com a legislação recentemente promulgada, é proteger o princípio do sigilo profissional e a dignidade dos advogados diante do arbítrio. Não somos contra a utilização de algemas. Somos contra a violação da dignidade da pessoa humana, contra o pré-julgamento, contra o abuso de autoridade. As algemas, instrumento legítimo da justa ação policial, não podem ser transformadas em símbolo de um Estado policialesco. Queremos o combate intransigente aos criminosos, aos narcotraficantes, aos corruptos, aos que violam os princípios básicos da vida em sociedade. Mas esse combate só pode ser feito sob o manto da Justiça, sob a proteção da Constituição e da Lei. Não podemos cair na tentação de substituir a administração da Justiça pelo clamor das ruas, embora reconhecendo, muitas vezes, as razões e os motivos desse clamor. O linchamento moral ou literal, a execração precipitada, a humilhação pública e o espetáculo midiático não podem prevalecer sobre a Justiça. Se a Constituição tem equívocos, se a lei é falha, se a Justiça erra
, o único caminho é o institucional. Vamos debater o que mudar na Constituição, como melhorar as leis, como aperfeiçoar o funcionamento da Justiça. Se há impunidade, se há injustiças, se há privilégios, vamos combatê-los. Vamos mobilizar a sociedade, as organizações sociais e políticas, vamos mobilizar nossos governantes para corrigir o que está errado e assegurar que prevaleçam a justiça social, os direitos humanos, a liberdade e o Estado Democrático de Direito. Alega-se, com razão, que aqueles que podem contratar os melhores advogados são privilegiados. Muito bem assistidos juridicamente, conseguem com mais facilidade recorrer aos instrumentos legais para obter a liberdade. Enquanto isso, sem assistência adequada, os mais pobres penam nas prisões infectas, perdem prazos para recorrer, são punidos muitas vezes por pequenos delitos, enquanto grandes criminosos permanecem livres. É verdade, isso acontece. Essa, infelizmente, é uma das conseqüências de nossas desigualdades sociais, da precariedade de nosso sistema educacional, da falência da organização penitenciária, entre outros males. Enquanto não superarmos tudo isso, enquanto não construímos uma sociedade mais justa, temos de agir para minimizar essas situações. Não podemos nos acomodar à inevitabilidade das desigualdades e achar que nada há a fazer. Para minorar essa desigualdade, que nos atinge indiretamente, temos de assumir com decisão a luta para tornar efetivo o que diz o artigo 134 da Constituição Federal: “A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados”. Precisamos, no Brasil, de mais defensores públicos, de mais advogados à disposição dos que não têm recursos para pagar um profissional. Precisamos de defensores públicos bem preparados, conscientes de sua missão, bem remunerados e com plenas condições de trabalho. Assegurar isso à população é uma obrigação do Estado, que tem que investir mais nas defensorias públicas. Nossa Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil assume como prioritária a luta pela valorização da Defensoria Pública e pelo direito que todo cidadão tem à plena defesa. Conclamamos nossos colegas do Ministério Público e da magistratura a nos apoiar nessa luta. Como disse, nossos papéis são diferentes, mas nossa missão é a mesma: assegurar ao povo brasileiro o acesso à Justiça, a prerrogativa de reclamar seus direitos, o direito de defesa e, sobretudo, um julgamento justo. Acredito que temos conseguido, no Distrito Federal, manter a necessária harmonia entre advogados, Ministério Público e magistrados. Desejo manifestar, de público, a intenção dos advogados do Distrito Federal de prosseguir nesse caminho. Senhoras e senhores, Ao avaliarmos sob o prisma do Direito e da Justiça esses 20 anos de vigência da Constituição promulgada em 1988, não podemos deixar de lembrar o papel fundamental que teve, no processo constituinte, a Ordem dos Advogados do Brasil. Podemos nos orgulhar do que a Ordem representou para a redemocratização do país. As circunstâncias levaram nossa entidade máxima a assumir um papel eminentemente político nos anos em que as instituições democráticas deixaram de existir. A sociedade clamava por liberdade e democracia, mas era reprimida. A Ordem dos Advogados do Brasil, ao lado de entidades como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e a Associação Brasileira de Imprensa, tornou-se porta-voz da sociedade na luta pelas liberdades e pela restauração do Estado Democrático de Direito. Nós, advogados, fizemos a nossa parte e por isso fomos ameaçados e vítimas de violências. A mais extremada delas foi a bomba que explodiu em nossa sede no Rio de Janeiro e matou dona Lyda Monteiro. Nossa Seccional registrou na história do Brasil um episódio marcante de resistência ao arbítrio e à prepotência, do qual participaram inúmeros advogados aqui presentes e a quem presto minhas homenagens. Participamos ativamente da luta pela Constituinte, sendo derrotados em nossa defesa da Constituinte exclusiva, mas não esmorecendo. Participamos ativamente do processo de elaboração da Constituição e conseguimos ver aprovadas muitas de nossas reivindicações, a começar do artigo 133, que diz ser o advogado indispensável à administração da Justiça. Minhas homenagens, também, aos aqui presentes que participaram intensamente do processo constituinte. Terminada essa fase da história pátria, a Ordem passou a dividir o protagonismo social com outras organizações sociais e políticas que surgiram, renasceram ou emergiram na restauração democrática. Nada mais natural que a Ordem se voltasse às questões mais afetas ao exercício da advocacia e à administração da Justiça. Mas em nenhum momento a Ordem se omitiu de estar na linha de frente do debate político e de seu papel como uma das principais instituições da sociedade civil. A Ordem nunca se acovardou diante das grandes questões nacionais. Temos, hoje, enormes desafios para nosso país. Podemos visualizar um futuro promissor diante das descobertas de reservas petrolíferas na camada pré-sal, que deverão colocar o Brasil em um novo patamar de desenvolvimento. Esse fato tem provocado um grande debate, mas, infelizmente, restrito a poucos iniciados. É nosso papel ampliar esse debate, levá-lo à sociedade, do qual somos parte importante. Vamos debater como explorar esses campos, como fazer com que os recursos neles obtidos realmente revertam em benefício da população. Vejo com simpatia a proposta de aplicar esses recursos em educação, para superar o maior entrave que temos para nos desenvolvermos e melhorar a qualidade de vida do povo. É uma proposta, que como todas as demais, tem de ser debatida amplamente com a sociedade. E nós, advogados, queremos participar dessa discussão e levá-la a toda a população. Vejo também com satisfação que está sendo retomada a discussão sobre a necessidade de fazermos uma profunda reforma política em nosso país. Preocupa-me, porém, a possibilidade de que tenhamos apenas remendos, e não a verdadeira reforma que o país anseia. Não há como escaparmos de debater o aperfeiçoamento do processo político-eleitoral. Não temos de ter medo da polêmica e do confronto de idéias. O importante é que essa discussão não seja feita a portas fechadas, limitada apenas ao meio político. Arrisco-me a dizer: esse é um debate a ser travado sobretudo na sociedade e trazido ao Congresso Nacional, para que as aspirações da população em busca de um exercício mais efetivo da democracia levem os parlamentares a aprovar as medidas necessárias. Não há, nessa afirmação, nenhum demérito ao Congresso Nacional. Mas sabemos que, sem mobilização da sociedade, dificilmente os parlamentares aprovarão medidas que possam prejudicá-los. Sou favorável à representação proporcional com voto distrital, tal qual existe na Alemanha, para que haja o fortalecimento dos partidos e os eleitos estejam mais próximos de seus eleitores. Defendo o financiamento público das campanhas eleitorais, para evitar que parlamentares eleitos estejam comprometidos com seus financiadores privados. Nesse grande debate nacional, defenderei que pessoas condenadas em primeira instância sejam impedidas de se candidatar a cargos eletivos. Não podemos impedir que denunciados ainda sem julgamento tenham seus direitos limitados, pois isso seria uma violência contra a presunção da inocência. Mas também não precisamos esperar o trânsito em julgado, que muitas vezes demora anos e anos, para impedir as candidaturas de criminosos e contraventores. Não desejo impor minhas idéias, mas debatê-las. Milhões de brasileiras e brasileiros também querem opinar, participar. A Ordem dos Advogados do Brasil tem um papel importante para viabilizar esse debate nacional. O Brasil precisa de reformas urgentes e postergá-las é trabalhar contra nosso povo, contra o desenvolvimento do país. A reforma tributária, já em exame pelo Congresso Nacional, é premente
. Mas só terá sentido se reduzir a pesada carga tributária que atinge a população, que inibe investimentos e incentiva a evasão fiscal e a informalidade. Vemos hoje colocada no país uma falsa questão: a de que o Poder Judiciário, por meio do Supremo Tribunal Federal, estaria usurpando as funções do Poder Legislativo. O Supremo Tribunal Federal está na verdade exercendo suas atribuições constitucionais ao interpretar a Constituição e as leis. Essa questão, porém, reflete uma situação real: o sistema de freios e contrapesos – que possibilita a harmonia entre os três poderes da República – precisa ser permanentemente checado, para evitar que um poder se sobreponha a outro. Não é o Poder Judiciário que subtrai a atividade legislativa ao Congresso Nacional. É o Poder Executivo, que fere a Constituição recorrendo ao instrumento das medidas provisórias sem que fiquem caracterizadas a relevância e a urgência estabelecidas pela Carta Magna. Nosso patrono Paulo Bonavides é categórico: “O uso intensivo, abusivo e funesto da medida provisória a converteu no câncer do regime constitucional”. O Congresso Nacional precisa recuperar a plenitude de sua função legislativa, e assim tornar-se o estuário do debate nacional em torno dos grandes temas. Para isso, é necessário que as medidas provisórias sejam recolocadas em sua verdadeira dimensão de relevância e urgência e não tenham o poder de sobrestar-se às demais proposições em tramitação. Ouso, porém, defender uma posição que pode não agradar aos parlamentares, mas que visa sobretudo assegurar o equilíbrio dos poderes e reforçar a função legislativa do Congresso Nacional. Sugiro que haja mais parcimônia e critério na instalação das comissões parlamentares de inquérito. Nos últimos anos, certamente a partir da justa motivação de investigar fatos relevantes, as CPIs proliferaram e se banalizaram, a ponto de dar aos parlamentares funções próprias da autoridade policial, do Tribunal de Contas da União, do Ministério Público e da Justiça. As investigações parlamentares têm se mostrado muitas vezes insuficientes para que o Ministério Público ofereça denúncia e para que culpados sejam punidos. Em alguns momentos, a CPI investe-se de autoridade policial sem estar preparada para isso e exerce funções judiciárias sem o rigor dos procedimentos judiciais, que asseguram o contraditório e o direito de defesa. As atribuições fiscalizadoras do Congresso Nacional não serão prejudicadas caso as CPIs sejam um recurso utilizado com mais parcimônia. Hoje, as CPIs se transformaram no foco de atenção para o Congresso Nacional, reduzindo a importância de sua nobre função legislativa. Senhoras e senhores, Espero que esta Sexta Conferência possa ser um momento importante de reflexão sobre os 20 anos de Constituição e que nos inspiremos para trabalhar, cada vez mais, pelo desenvolvimento do Brasil e pelo bem-estar de nosso povo. Não devemos temer o debate, mas a acomodação. Não devemos evitar a polêmica, e sim a calmaria que nos imobiliza. Muito obrigado. Estefânia Viveiros Presidente da OAB/DF