Mensagem da presidente Estefânia Viveiros pelo Dia da Mulher - OAB DF

“Ser inclusivo, ser plural, ser independente,
ser uma referência no exercício da cidadania.”

DÉLIO LINS

Mensagem da presidente Estefânia Viveiros pelo Dia da Mulher

Mulher advogada, mulher cidadã Estefânia Viveiros Presidente da OAB/DF

O Dia Internacional da Mulher, comemorado em 8 de março, tem como referência o movimento de mulheres americanas que se rebelaram para que tivessem seus direitos mínimos reconhecidos – por exemplo, o descanso maternidade. Isso aconteceu lá pelo Século XVII, mas até os dias de hoje, no Brasil, nós sabemos o quanto tem custado pôr em prática o Artigo 5º, inciso I, da nossa Constituição, que diz: todos são iguais perante a Lei.

Como única mulher a ocupar atualmente a Presidência de uma Seccional da OAB em todo o País, há que se perguntar a razão da quase ausência – ou, melhor dizendo, da reduzida presença – das mulheres advogadas nos cargos de direção de nossa entidade. Antes que se tire alguma conclusão precipitada, é interessante observar que esse fenômeno não é exclusivo da advocacia. Ele permeia todo o Judiciário.

As mulheres representam mais de 45% das inscrições na Ordem dos Advogados do Brasil, já em número maior que os homens nas incontáveis faculdades espalhadas pelo País, mas, ainda assim, com uma ocupação quase ínfima em cargos de direção ou em postos de destaque na vida nacional.

Tome-se, como exemplo o Conselho Federal da OAB, com 81 integrantes titulares, dos quais somente nove são mulheres. No Supremo Tribunal Federal, há apenas uma ministra – a incansável Ellen Gracie, hoje vice-presidente daquela Corte, que chegou onde está após uma centenária luta para quebrar preconceitos erradamente consolidados na Justiça brasileira.

No Tribunal Superior do Trabalho, registre-se somente a presença solitária da ministra Maria Cristina Peduzzi, que a partir do próximo dia 16 terá a companhia da nova ministra, Rosa Maria Weber Candiota. No Superior Tribunal de Justiça, dos 33 ministros em atividade, contam-se quatro mulheres – as ministras Denise Martins Arruda, Laurita Hilário Vaz, Eliana Calmon Alves e Fátima Nancy Andrighi.

A pergunta clara, portanto, é a seguinte: se nós, mulheres, somos a maioria nas faculdades de Direito de todo o país, representamos hoje quase a metade dos inscritos nas seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil, temos constitucionalmente os mesmos direitos e os mesmos deveres dos homens, por que a nossa participação em cargos de direção ou em postos de destaque ainda é tão pequena, tão ínfima, tão insignificante? Não devia, até não podia para não ser acusada de politicamente incorreta, mas a resposta que cabe a esta pergunta me leva a afirmar, com todas as letras, que esta situação de exclusão e até de marginalização das mulheres advogadas na composição de postos de destaque e de relevo na vida

Refuto qualquer análise que nos leve a concluir que esse fenômeno tenha a sua origem num aparente desinteresse ou falta de estímulo das mulheres em alcançar cargos de direção. Em todo o mundo, e em nosso País em particular, é preciso ir mais fundo quando se trata da relação do poder com a mulher. O caminho que temos percorrido, sem nenhuma sombra de dúvida, é mais tortuoso.

As estatísticas estão aí, a revelar esse percurso: mesmo apresentando mais anos de estudo e competência, as mulheres trabalhadoras continuam recebendo salários em média 70% inferiores aos dos homens. As mulheres negras recebem, também em média, metade do rendimento das mulheres brancas. Apenas 26% das crianças pobres freqüentem creches, contra 49% das crianças ricas. Cerca de dez milhões de mulheres no Brasil correm risco de gravidez indesejada por uso inadequado e falta de conhecimento de métodos anticoncepcionais. Quatro mulheres são espancadas a cada minuto em nosso País.

O Brasil se caracteriza por apresentar uma situação econômica com alguns resultados muitas vezes próximos aos de países avançados. No entanto, ostenta uma realidade social perversa, onde a extrema desigualdade na distribuição de renda é o plano de fundo de uma situação de pobreza e exclusão para grande parte da população. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indica que os 50% dos mais pobres da população ocupada recebem 13,3% de todos os rendimentos do trabalho no País, enquanto os 10% cento mais ricos ficam com 47,1%.

Esta situação demonstra o elevado grau de desigualdade da sociedade brasileira. Mas, até mesmo na desigualdade, as diferenças se revelam: são as mulheres que recebem os rendimentos mais baixos e estão muitas vezes nas piores condições de trabalho. Também são as famílias por elas chefiadas que estão expostas às condições de vida mais precárias.

Em linhas gerais, essa é a situação da mulher em nosso País. E com relação à mulher advogada? Vamos a alguns dados: Há 106 anos, formava-se na Faculdade de Direito Largo São Francisco, em São Paulo, a primeira mulher advogada: Maria Augusta Saraiva. Até a década de 30, era raro a São Francisco ter uma mulher em suas fileiras. Hoje, o número de mulheres nas classes da São Francisco é igual ou até maior que o de homens.

O aumento do número de mulheres trabalhando na advocacia pode ser percebido principalmente entre os recém-formados na área e jovens profissionais. Em São Paulo, por exemplo – Estado que detém o maior número de profissionais dessa área no País – , existem 160.514 advogados, sendo 91.083 do sexo masculino e 69.431 do sexo feminino.

Se nesta estatística da totalidade dos profissionais paulistas os homens ainda são maioria, na faixa etária dos 21 aos 35 anos as mulheres já são em maior quantidade, um indicativo de que a presença feminina no futuro desta profissão deve ser ainda maior. Nesta faixa etária, existem hoje 38.352 advogadas trabalhando nos escritórios e nos fóruns paulistas, contra 32.586 advogados. Só a partir dos 36 anos de idade é que os homens voltam a liderar em quantidade de profissionais no mercado.

No Distrito Federal, os números do recadastramento feito pelo Conselho Federal da OAB apontavam o seguinte: 7.132 advogados contra 4.563 advogadas. Note que esses números são de advogados no efetivo exercício da profissão, e estão um pouco defasados, pois correspondem ao recadastramento do final de 2003. Mas é interessante observar que na faixa com até cinco anos de profissão, o número de advogados no Distrito Federal é de 2.447, contra 2.009 advogadas. A diferença diminui a cada dia.

Sou resultado dessa transformação que se opera em nossa classe. Sei que as cobranças, por ser mulher, são bem maiores. Mas nunca temi desafios. Ao contrário, vejo-os como um estímulo à inteligência e à realização. Além do mais, não quero ser uma mera referência na história da Seccional da OAB/DF, por ser a primeira mulher a presidi-la. Com toda humildade, mas também com toda a satisfação, trabalho diariamente, incansavelmente, para fazer a melhor administração possível e para que todos os advogados, independente de gênero, sintam orgulho de sua instituição.

É nossa atitude profissional quem se encarrega de quebrar barreiras, desafiar convenções, diminuir diferenças, extinguir preconceitos, combater discriminações. Não há espaço para a idéia infame, retrógrada e até criminosa, de que somos cidadãs de segunda classe. Não somos. E nunca seremos. Penso que, para se fazer justiça, o Dia Internacional da Mulher nem precisaria existir. Parece evidente que as mulheres mereçam receber, todos os dias, as maiores homenagens.