BRASÍLIA NO RITMO INSTITUCIONAL

Maurício Corrêa – Advogado              
Com a renúncia do vice-governador, encolhe-se a relação dos substitutos legais na ordem de sucessão do governo do Distrito Federal. Cabe, consequentemente, ao presidente da Câmara Legislativa o encargo de governar a cidade. A propósito, não se conhece nada que lhe desabone a conduta política e que possa estorvar o cumprimento do múnus. Qualifica-se com credenciais subjetivas para a investidura nas funções. Se saberá corretamente executá-las, ou se vencerá os obstáculos e desafios a elas inerentes, só o tempo dirá. Se vier a se afastar do cargo, a Lei Orgânica prescreve que as funções devem ser exercidas pelo vice-presidente do poder. A disposição não encontra parâmetro na ordem constitucional do país. É provável que, se o preceito tiver de ser acionado, alguém venha a suscitar sua inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Ninguém pode dizer aprioristicamente que a regra é inconstitucional. Há fundamentos que socorrem ambos os lados da possível controvérsia.             É preciso dar ao novo governador os meios para que possa bem desempenhar a tarefa recebida. A torcida para que se saia bem deve ser de todos os brasilienses. O pedido de intervenção, por outro lado, conta com o apoio inequívoco da maioria da população. O nível de descrença com os políticos locais provocou frustrações generalizadas. Passou, assim, a ser a válvula de escape dos desencantados, dos enganados por mandatários e representantes desonestos. Já que os políticos eleitos não cumprem com seu dever — admitem —, é tentar ver se o interventor possa fazer algo com honestidade e lisura. É esperar que cumpra com a obrigação, sem se aproveitar do cargo. Acham que a intervenção restabelecerá a boa maneira de administrar a cidade, dentro dos princípios morais e éticos. Podem estar enganados.             Assim que o pedido foi protocolizado no STF, não se sabia de fato se acaso poderia servir de algum pretexto político para o presidente da República. Segundo notícias veiculadas em sites à época, o presidente estaria até preocupado com a intervenção, que, se autorizada pela corte, teria de ser por ele executada. Admitia-se que realmente não desejasse que o pedido fosse deferido, para que os ônus não recaíssem sobre seus ombros. Além de o decreto a ser baixado ter que delimitar os contornos de aplicação no Distrito Federal, ficaria ainda sob sua responsabilidade a nomeação do interventor. Ora, não mais se alimenta a ilusão de que Lula estaria distante dos fatos. Basta verificar a ênfase com que seu ministro da Justiça se pôs a favor do deferimento da intervenção, conforme entrevistas dadas a diversos veículos de comunicação do país.             Se concretizado o acolhimento do pedido no STF, Lula vai indicar alguém que possa ajudar a somar votos para sua candidata à Presidência da República. Se antes mesmo de instaurar o processo eleitoral, quando a propaganda nesse campo é proibida, o presidente já usa e abusa de sua condição para arrebanhar votos para ela, imagina o que não fará com o domínio total da administração da cidade. Quer dizer, nomeado o interventor, terá na capital da República o controle de toda a administração federal, estadual e municipal a serviço de sua candidata. Em síntese, terá à sua disposição uma bem untada máquina oficial que pode empregar milhares de pessoas em cargos de confiança, em volume quase igual ao de âmbito federal, e ainda distribuir outros favores que o GDF oferece. Por tais gentilezas, seguramente não será molestado pelos agentes encarregados de defender a sociedade.                         Mesmo abstraindo-se dos dividendos políticos que possam ser extraídos da intervenção, que são favoráveis ao presidente, é preciso estar atento para alguns outros aspectos da questão. Não há em Brasília clima favorável à adoção de instrumento de tamanha gravidade, apesar dos melancólicos fatos nela verificados. Os homens que dirigem as instituições estão conscientes do que precisam fazer. A verdade é que tais instituições não chegaram a um estado de morbidez geral. Os homens que dirigem algumas delas é que se deixaram inocular pelo vírus do mau. As instituições sofrem apenas consequências humanas impostas pelos que as dirigem. Se nem mesmo o governador e seu vice tiveram condições de exercer o mandato, aí está a prova de que o cumprimento da sucessão se faz na forma pacífica estabelecida em lei. É em razão disso, e ainda segundo ordena a norma legal, que acaba de assumir como governador da capital o presidente da Câmara Legislativa. Como a desordem institucional também a atingiu de chofre, providências internas se aprestam para pôr fim aos erros cometidos.             Os mecanismos previstos em lei são mais do que suficientes para promover a restauração da ordem institucional na capital. Esses instrumentos estão sendo profiláticos para a desmontagem da bagunça criada. Se as instituições tivessem ficado apáticas e insensíveis com relação aos acontecimentos, e eles tivessem recrudescido, poderia até se pensar em intervenção. Mas essa não é a hipótese presente. Houve um momento em que ela poderia até se explicar aos olhos dos mais apressados; hoje, entretanto, seu emprego seria consumado absurdo. Alheio à visão política de interessados, o STF vai julgar o pedido com a sensatez, a independência e o equilíbrio costumeiros.   Fonte: Correio Braziliense 28/02/2010