De promotor a réu

Matéria publicada no Correio Braziliense, edição do dia 8 de julho de 2005   Em decisão inédita, os membros do Conselho Especial do Tribunal Regional Federal da 1ª Região decidiram ontem abrir um processo criminal por abuso de autoridade contra um promotor de Justiça. Por oito votos a sete, os desembargadores do TRF acolheram a denúncia apresentada ainda em 2004 pela sessão DF da Ordem dos Advogados do Brasil contra o titular da Promotoria de Defesa da Ordem Tributária do Distrito Federal, Zacharias Mustafá Neto.   “Nunca havíamos denunciado um promotor e nunca o TRF havia colocado um no banco de réus por abuso de autoridade”, comentou a presidente da OAB-DF, Estefânia Viveiros.   A ação, apreciada ontem durante quatro horas e meia pelos desembargadores do Conselho Especial do TRF, teve início em 2003. Na época, o procurador do Distrito Federal Túlio Arantes atuou como advogado em um processo criminal tributário contra dois empresários. Como os clientes quitaram a dívida com dinheiro e precatórios, Arantes pediu a extinção do processo e da punibilidade dos réus ao juiz da 8ª Vara Criminal de Brasília, César Lavossiere Loyola. Antes de decidir sobre o pedido, Loyola encaminhou o caso à apreciação do promotor que atuava junto à 8ª Vara, Zacharias Mustafá Neto.   O promotor foi contrário ao pedido de Arantes, alegando que o procurador não poderia agir contra os interesses de quem paga o seu salário – a Fazenda do Distrito Federal. “Ele alegou que, por ser procurador, Túlio Arantes não poderia atuar contra o DF. Mas o DF não era parte no processo. E, na verdade, não seria prejudicado, já que a dívida com o fisco estava paga”, explica o presidente da Associação dos Procuradores do DF, Marcos Witzac.   Além de se manifestar contra a extinção do processo, o promotor sugeriu ao juiz que denunciasse Arantes à OAB e notificasse o caso à Procuradoria Geral do DF. E antes mesmo de obter uma resposta formal de Loyola, Neto instaurou em sua promotoria um procedimento de investigação preliminar contra Túlio Arantes e pediu a abertura de inquérito na Delegacia Especial da Ordem Tributária por crime de “patrocínio infiel” – quando um advogado atua contra o interesse de seus clientes.   “O juiz não atendeu ao pedido do promotor, por entender que Arantes não atuou contra a Fazenda Pública. Foi aí que a OAB-DF e nós entramos no caso porque a honra do procurador foi ofendida”, resume Witzac. A sessão local da Ordem dos Advogados trancou o inquérito criminal por meio de um habeas corpus concedido em decisão unânime da 1ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do DF.   Mas o caso não terminou por aí. No entendimento da OAB-DF e da Associação dos Procuradores do DF, Mustafá Neto também extrapolou suas atribuições. “Se houvesse crime, seria da ordem comum e não tributária. Assim, ele não poderia ter pedido a abertura da investigação criminal. Estava configurado o abuso de autoridade do promotor contra o procurador”, completa Marcos Witzac.   Perda do cargo Com esses argumentos, representantes das duas entidades formularam a denúncia contra Mustafá Neto e a encaminharam à Procuradoria Geral da República. O procurador regional da República Oswaldo Barbosa, que apreciou o caso, admitiu o abuso de autoridade e entrou com a representação que o conselho do TRF analisou na sessão de ontem. “Não agimos contra o Ministério Público, mas a favor de um advogado que sofreu grave ofensa. Arantes não fez nada de irregular. Por isso, atuaremos como assistentes de acusação no processo criminal contra o promotor”, informou Estefânia Viveiros.   Com a decisão de ontem, o promotor da Ordem Tributária passa de acusador a acusado. Ele figurará como réu no processo criminal instaurado ontem mesmo no TRF. Se condenado, poderá receber as penas de multa, detenção de 10 dias a seis meses, perda do cargo e impossibilidade de exercer outra função pública por três anos. O promotor pode ainda responder a processos administrativos e civis.   Quando a denúncia chegou ao TRF, Zacharias Mustafá Neto a considerou um absurdo. “Eu estava apenas cumprindo meu dever. Pedi abertura de investigação criminal porque o caso surgiu dentro de um processo que eu conduzia”, disse, à época. Mas ontem o promotor preferiu o silêncio: não atendeu o telefone nem retornou as ligações do Correio para comentar o assunto.