A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n° 12, que institui novas regras para o pagamento de precatórios, foi alvo de protestos na sede do Conselho Federal da OAB nesta terça-feira (8). A entidade realizou ato cívico para chamar atenção do governo para o problema. O presidente da Comissão de Precatórios da OAB/DF, Marcos Luís Borges de Resende, disse que continuará a luta para tentar mudar o conteúdo da PEC, que está em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal. Segundo Resende, a Ordem propõe a substituição do leilão de deságio de precatórios, previsto na proposta, pelo juízo conciliatório. “No qual poderiam ser negociados descontos por parte daqueles que quisessem antecipar o recebimento”, afirmou o conselheiro seccional. O advogado explicou que com o juízo conciliatório a dívida pode ser diminuída consideravelmente, havendo homologação judicial. A presidente da OAB/DF, Estefânia Viveiros, afirmou que a PEC é inconstitucional e prejudicial aos interesses da sociedade. “Além disso, desmoraliza o Poder Judiciário com a realização de um leilão de deságio em bolsa de valores”, disse Estefânia. O presidente nacional da OAB, Cezar Britto, também criticou a proposta. “A PEC institui o calote público e atenta contra o Estado Democrático de Direito”, afirmou. Diversas entidades e presidentes de seccionais da OAB participaram do evento. O ato foi coordenado pelo presidente da Comissão Especial dos Credores Públicos da OAB Nacional, conselheiro federal Orestes Muniz, de Rondônia. Todos os presentes fizeram críticas à proposta, de autoria do senador Renan Calheiros, por sugestão do então ministro do STF, Nelson Jobim. Tricô dos Precatórios O ato reuniu representantes das Tricoteiras dos Precatórios, grupo de mulheres do Rio Grande do Sul, que há anos protestam em praça pública contra o não-pagamento dos precatórios enquanto fazem tricô. Uma das integrantes do grupo, Dalila de Souza Gonçalves, ficou emocionada e chorou ao contar os desafios enfrentados para tentar há anos receber um precatório. Ela lembrou das amigas que morreram no acidente da TAM em julho do ano passado, em Congonhas (SP). As tricoteiras se dirigiam a São Paulo para participar do Movimento Nacional contra o Calote Público, quando houve o acidente fatal. Também participaram do ato o vice-presidente da OAB/DF, Ibaneis Rocha; o conselheiro seccional André Vieira Macarini e os conselheiros federais pelo DF Luiz Filipe Ribeiro Coelho, Evandro Pertence e Roberto Caldas. Leia a íntegra da manifestação do presidente da Comissão Especial de Defesa dos Credores Públicos (Precatórios), Orestes Muniz: A dignidade da pessoa humana é fundamento da república. E como tal, dela decorrem todos os direitos considerados fundamentais. Os valores imanentes da dignidade humana leva a sociedade a assumir maior grau de responsabilidades para com os direitos que foram consagrados na Carta Magna. E é por isso que as organizações da comunidade, União, Estados, Distrito Federal e Municípios não podem relegar a um plano secundário os direitos que têm por escopo garantir a dignidade das pessoas. E este respeito é questão de justiça. Distribuir justiça é tarefa do Estado que para desempenhar esta missão, que se diga, fundamental para a vida do homem em sociedade, institui o Poder Judiciário. O Direito à jurisdição ou o princípio da inafastabilidade do Judiciário é um direito consagrado na Constituição Federal como fundamental. Esse direito é uma conquista histórica que surgiu a partir do momento em que, estando proibida a autotutela privada, assumiu o Estado monopólio da jurisdição. (conforme ensina Feddie). E esta assunção levou o Estado a assumir deveres com a comunidade dentro da ótica jurídica, uma vez que “A atividade de resolver conflitos e decidir controvérsias é um dos fins primários do Estado moderno, pois os indivíduos, a quem já não se permitem fazer justiça pelas próprias mãos, investiram-se na ordem jurídica do direito de ação e de exigir do Estado o dever correlato da Jurisdição”. Assim, direito à Jurisdição é questão de dignidade da pessoa. Por outro lado, a cidadania é também fundamento da República. E para a Ministra Carmem Lúcia Antunes Rocha. “A jurisdição é uma via de agitação permanente da cidadania. É por ela que o Direito faz-se vivo e insuperável pela atuação de quantos pretendam transgredi-lo. É pela provocação da jurisdição que o cidadão faz com que o Direito seja universalmente acatado e igualmente imposto a todos. É pela jurisdição que direitos voltados à concretização de princípios constitucionalmente definidos e objetivos juridicamente estabelecidos são honrados pelos que estejam no exercício de funções públicas – que se refreia o Poder Público nas estritas balizas do Direito”. Portanto, honrar as decisões judiciais, comportar-se nas estritas balizas do Direito, são deveres impostos aos organismos estatais, os quais detêm a obrigação de fazerem valer os fundamentos da República: Cidadania e Dignidade da Pessoa Humana. O Art. 100 da Constituição da República estabelece que os pagamentos dos precatórios serão efetuados dentro de um limite de tempo, com inclusão no orçamento da entidade. Ocorre que Estados, Distrito Federal e muitos Municípios não vêm honrando essa determinação legal, ou seja, não pagam os precatórios. Esta falta de pagamento tem levado inúmeros trabalhadores ao desespero, famílias à condição de indigência, pequenas empresários à falência. Muitos aposentados já morreram sem receber o precatório. Sem contar o caso das tricoteiras do Rio Grande do Sul que morreram no acidente da TAM quando viajavam para participar de um movimento organizado pela OAB com o objetivo de encontrar os caminhos para receber seus créditos. É bom que se diga que a União Federal está rigorosamente pagando no prazo os seus precatórios. A questão se volta, então, em relação a Estados e Municípios que desprezam os fundamentos da República e não cumprem a ordem judicial de pagar os precatórios porque têm certeza de que não há meios coercitivos de o Poder Judiciário fazer valer as suas decisões, porque o instituto da intervenção, nesta hipótese, não se manifestou viável. Alegam, hoje, Estados e Municípios que a dívida é impagável. Que, se for pagar os precatórios, haverá comprometimento na Saúde, Educação e Segurança. Alegam também que a dívida tem que ser parcelada, pois com o acúmulo de vários anos, avolumou-se de tal forma, tornando sem condições de ser quitada. Nada mais falso. Em 1988, houve um parcelamento. Dizia-se a época: “precisa parcelar, porque assim torna possível o regate do valor acumulado e cria meios para não se deixar acumular novamente”. Somente a União cumpriu. Em 2000, novo parcelamento em 10 anos com a emenda constitucional n. 30, e o argumento foi o mesmo. Também não se pagou o acumulado até então e novos valores foram acrescentados, tornando a dívida ainda maior. Agora vem a PEC 12 com o mesmo argumento e querem ainda instituir o leilão. Ora! Obrigar uma pessoa, após longo e doloroso tempo de demanda, para ver reconhecido os seus direitos e ao final, ainda participar de um leilão para que os Estados e Municípios cumpram a decisão judicial é o mesmo que negar o direito à jurisdição e ainda mais grave: Tripudiar sobre a dignidade das pessoas tornando oficial o ditado: “ganha, mas não leva”. E, além de tudo, demonstra menosprezo para com a cidadania. A proposta contida na PEC 12 é altamente desmoralizante para o Poder Judiciário e também para o Poder Legislativo que já aprovou duas moratórias recentes para tentar resolver o problema, e os Estados e Municípios sempre deixaram de cumprir. Permitir que o próprio Estado se aproprie de créditos decorrentes de decisão judicial, como dito, é altamente desmoralizante para o Poder Judiciário e também para o Poder Legislativo. A idéia que se transmite é a seguinte: Como os Estados e Municípios não cumprem as l
eis nem as decisões judiciais, criam-se outras leis. O argumento de muitos Estados sobre ser impagável a dívida é falácia. Têm Estados que somente com a securitização de pequena parcela dos seus créditos inscritos em dívida ativa é suficiente para regularizar o valor acumulado. Existem muitas alternativas à PEC-12. A OAB propõe o Juízo de conciliação ao invez do Leilão, em que as partes, na presença do Poder Judiciário, podem oferecer descontos, cuja transação poderá ser homologada pela Justiça. A OAB não concorda com a limitação de um percentual para pagamento dos precatórios. Deve-se pagar o que deve na forma da lei. Entende a OAB ainda que a União Federal poderá participar do esforço dos Estados e Municípios para saldar o valor acumulado. O restabelecimento da autoridade do Poder Judiciário, com a possibilidade de expedição de ordem de seqüestro das verbas na hipótese de descumprimento das regras constitucionais relativas ao pagamento de precatórios, é fundamental. Por fim, também a criação de um sistema financeiro lastreado na dívida ativa estadual/municipal exclusivamente para pagamento de precatórios judiciários consiste em alternativa válida. O congresso Nacional, que é o Poder democrático por excelência, não pode dar guarida a uma proposta que avassala os direitos das pessoas. Levar avante a PEC 12, tal como se encontra, é o mesmo que esquecer as garantias e os fundamentos estabelecidos na Constituição Federal, cujas garantias proporcionaram ao Poder Legislativo Brasileiro rasgados elogios de toda a sociedade. Portanto, a Ordem dos Advogados do Brasil, quando se bate contra a PEC 12, contra o leilão, contra um novo parcelamento muito longo, contra as amarras contidas nesta emenda, está defendendo o Estado democrático de Direito e os fundamentos da República. Convidamos, pois, neste momento, todas as instituições aqui presentes especialmente a unirem-se AB para defendermos os fundamentos da república. A unirem-se a nós na defesa dos fundamentos da República e do Estado democrático de Direito. A dignidade da pessoa humana e a realização da cidadania devem ser nosso horizonte na busca da construção de uma sociedade justa e fraterna orientada para o bem comum, sob os auspícios da vontade de Deus, nosso criador.