Artigo: Um conselho que incomoda muita gente - OAB DF

“Ser inclusivo, ser plural, ser independente,
ser uma referência no exercício da cidadania.”

DÉLIO LINS

Artigo: Um conselho que incomoda muita gente

Por: Maria Tereza Sadek*

O Conselho Nacional de Justiça incomoda e precisa de nossa proteção para que não seja transformado em mais um órgão burocrático e ineficiente.

Após um longo debate e uma série de propostas, a reforma do Poder Judiciário aprovada em 2004 foi uma resposta à crise da Justiça. O remédio encontrado para afastar os tumores sem matar o corpo foi a criação de um sistema nacional de controle, denominado Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Essa solução está hoje ameaçada por propostas que pretendem acabar com o papel de fiscalização e investigação exercido pelo CNJ. Há quem pretenda subverter, por meio de um exercício interpretativo no mínimo controverso, uma das principais reformas aprovadas em nossa Constituição.

Órgão ainda jovem, a partir de 2008, por iniciativa do então ministro corregedor-geral Gilson Dipp, o conselho começou a realizar inspeções e audiências públicas em diversas unidades do Judiciário, tornando transparente aos olhos da opinião pública o que gerava odor podre em um corpo que necessita ser saudável tanto para a consolidação do regime democrático como para o fortalecimento dos direitos individuais e coletivos.

Ao assumir a Corregedoria Nacional de Justiça em setembro de 2010, em postura pouco comum aos nossos administradores, a ministra Eliana Calmon não só manteve a política de transparência de seu antecessor como ainda procurou aprimorá-la por meio de parcerias com Receita Federal, Controladoria-Geral da União, Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), tribunais de contas e outros órgãos de controle.

A fiscalização, assim, foi se mostrando cada vez mais eficiente e, por isso mesmo, mais incômoda. Um conselho assim incomoda e muito, sobretudo os interesses corporativos,que, relembremos, não convenceram o Supremo Tribunal Federal no julgamentoda ADI nº 3.367-1, que afirmou a constitucionalidade do CNJ, registrando,inclusive, no voto condutor, a inoperância de muitas das corregedorias locais, o que todos já sabíamos.

Perplexos com a faxina levada a efeito pela Corregedoria Nacional de Justiça, os interesses contrariados reabrem a discussão do tema, tentando a todo custo fazer prevalecer o entendimento de que o CNJ só pode punir juiz corrupto após o julgamento do tribunal local. Era assim no passado, e o Poder Judiciário foi exposto a uma investigação no Parlamento exatamente porque não fez esse dever de casa, e nada nos garante que o fará sem a atuação firme e autônoma do CNJ.

Nesse momento, a vigilância é mais do que sinal de prudência. É imperiosa e sobressai como dever de todos os que aceitam o desafio de aprimorar a Justiça. Políticas voltadas ao combate à impunidade se deparam com resistências. Não por acaso são criados fatos e elaboradas teses capazes de ludibriar os inocentes e provocar retrocessos que causarão prejuízos irreparáveis ao Brasil.

Um conselho criado justamente porque os meios de controle existentes até a década passada eram ineficazes e parciais não pode ter a sua atuação condicionada ao prévio esgotamento dos meios de que os tribunais há muito tempo dispõem e que, na prática, pouco ou nunca utilizaram para corrigir os esvios de seus integrantes.

A tese de que a competência do CNJ é subsidiária, e, assim, somente pode ser exercida após a constatação de que os tribunais de origem foram inertes ou parciais, interessa tão somente àqueles que depositam suas fichas no jogo do tempo, da prescrição e do esquecimento. O CNJ incomoda e precisa de nossa proteção para não ser transformado em mais um órgão burocrático e ineficiente.

* Maria Tereza Sadek é doutora em ciência política, é professora do Departamento de Ciência Política da USP e diretora de pesquisa do Centro Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais